Casal adota cinco crianças de uma vez durante a pandemia
"Éramos dois grupos de estranhos convivendo apenas entre si, com muita intensidade", relatou uma das mães sobre o período de adaptação familiar
Com o desejo de aumentar a família, até então composta por duas figuras, Bárbara Sampaio e Cláudia Fernandez, com 53 e 54 anos, respectivamente, decidiram entrar na fila do Cadastro Nacional de Adoção, em setembro de 2019.
Como de costume, o processo iniciou-se com o curso preparatório, em que se apresenta os prós e contras da adoção, entrega de documentação legal, entrevistas com psicóloga, assistente social e juiz. Logo após isso, iniciou-se o tempo de espera para saber se eram aptas ou não, de acordo com o Estado, para assumirem o novo papel.
Em conversa com o TAB do UOL, o casal contou um pouco da experiência, que se iniciou baseada no desejo de adotar no máximo três crianças e terminou com adoção de cinco irmãos.
Cláudia contou que, durante esse período de espera, começou a pesquisar redes sociais de órgãos oficiais de adoção, foi quando encontrou uma foto no perfil da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA) de Pernambuco. Nela estavam Maria Clara, Samuel, Maria Eduarda, Pablo e João, cinco irmãos da cidade sertaneja de Serra Talhada, com idades entre cinco e 12 anos.
Bárbara, quando viu a imagem mostrada pela companheira, logo sentiu-se encantada. Atração essa que resultou no envio de um e-mail para a comissão, mesmo sabendo que ainda não estavam habilitadas para a adoção. Em cerca de duas horas, obtiveram um retorno com o número de telefone da Vara da Infância para o qual ligaram.
O primeiro contato foi seguido por tanto outros. Cerca de 20 dias depois, um juiz autorizou que as crianças tivessem um primeiro contato com as mulheres. Antes, foi mostrada a eles uma foto das duas, explicando que eram um casal homoafetivo e a reação das crianças foi a melhor possível.
“Eles disseram que não tinha problema, que estavam ansiosos para ver as mães”, contou Bárbara.
“No dia da ligação, assim que o vídeo abriu, eles já nos chamaram assim, ‘as mães'”, relatou com emoção.
Após videochamadas diárias, o casal conseguiu uma segunda permissão em dezembro para viajar e visitar as crianças, viagem que foi sucedida de uma outra em março, dessa vez, com os papéis da adoção provisória em mãos para buscar as crianças. Começava então o estágio de convivência, um período de adaptação, em que caso seja necessário, a adoção poder ser desfeita.
Prova de fogo
O que era para ser apenas uma experiência teste como a de tantas outras famílias, se tornou um desafio com a chegada da pandemia logo após a acomodação das crianças no apartamento de 110m², em São Paulo. Sem passeios ou visitas familiares, a grande família se viu isolada.
Sem romantismos, Bárbara relatou como foi o início da convivência: “Além do fato de que éramos dois grupos de estranhos convivendo apenas entre si, com muita intensidade, o histórico de sucessivos abandonos pela mãe biológica os levava, algumas vezes, a ter comportamentos distantes, até arredios”, relembrou.
Apesar de árdua, a realidade colaborou para que houvesse um fortalecimento dos vínculos e afetos entre todos. Além disso, tornou-se mais fácil identificar os déficits das crianças, principalmente a defasagem educacional e de alfabetização, fazendo com que as mães criassem um plano de ação mais eficiente.
“Os desafios ficaram evidentes e, com isso, pudemos customizar o que, antes da pandemia, era um plano mais genérico de cuidado”, explicou Cláudia, que era responsável pelos momentos de descontração, enquanto Bárbara ficava lidava com questões mais ligadas à educação.
Nova era
Em dezembro de 2020, a família, agora composta por sete pessoas, mudou-se para um espaço maior, que agora dispõe de uma infraestrutura melhorada para o estímulo das crianças. “Vai levar muito tempo para essa defasagem [educacional e de alfabetização] ser recuperada. O atraso que já existia foi amplificado pelo ensino online ano passado”, apontou Bárbara.
No entanto, do ponto de vista emocional, somente avanços podem ser destacados. As crianças, que antes não se abriam para demonstrações afetivas, hoje já aceitam abraços e carinhos.
“Não é porque você pariu uma criança que você vai aprender a amá-la. É preciso haver disponibilidade, acolhimento”, afirmou Cláudia.
Bárbara, que já é mãe de outros dois filhos, descobriu a maternidade de um jeito novo, enquanto Cláudia, que é mãe de primeira viagem, fez grandes descobertas com a adoção. A maior, para ela, foi a de que o vínculo de amor se estabelece por meio do maternar, pelo convívio.
As mudanças em casa certamente também mexeram com a vida profissional das mães. Bárbara se demitiu logo após a licença-maternidade, que também é de direito daqueles que adotam. Cláudia, após o fechamento de sua antiga empresa, na qual trabalhava como executiva, fundou com sócios o seu próprio negócio, no qual exerce a mesma função, só que em regime home-office.
Cláudia ainda compartilhou que fez o cálculo de quanto tempo demoraria para que ela e Bárbara tivessem o mesmo número de horas de convívio que tiveram com as crianças no último ano, caso não tivesse havido o isolamento. “Três anos”, disse.