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É impossível colocar pessoas em caixas porque são bem mais do que supomos

É hora de descartar as formas limitadas de ver as coisas

Por Cris Guerra
Atualizado em 18 fev 2020, 08h38 - Publicado em 14 Maio 2019, 18h27
Mulher no computador
 (Oliver Rossi/Getty Images)
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Sou “a louca” das caixinhas. Coleciono diversos tipos, adoro quando descubro novos modelos e raramente me desfaço de alguma. Minhas caixas já entram em casa com plano de carreira: de tempos em tempos eu as troco de prateleira, armário ou cômodo, dando a elas novas funções. E assim organizo o lar e a vida, separando objetos e assuntos em categorias distintas.

Se para você isso remete a uma rotina militar, pode ser que esteja dando às caixinhas um uso equivocado. Elas servem para guardar objetos, não pessoas. Minha necessidade de ordenar o entorno serve para dar espaço às desordens essenciais, como música alta enquanto lavo a louça, a bagunça dos gatos na sala, um convite inesperado pra jantar. Organizo minha vida em caixas, mas me recuso a entrar nelas. Embora eu saiba que o mundo insiste em tentar fazer isso com a gente.

A caixa dos bem-sucedidos, a caixa dos fracassados; dos gordos, dos magros; dos homens ou das mulheres. Homo e heteroafetivos, de esquerda e de direita, negros e brancos. O mundo reserva a mesma caixa para quem tem tatuagem, piercing ou alargador. Outra para os esportistas; uma diferente para os sedentários. Velhos de um lado, jovens do outro. Veganos acima, carnívoros abaixo. Em que caixa mantemos aqueles que vivem nos enfiando em caixas?

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Só há uma atitude mais grave: quando nós mesmas tentamos nos enquadrar. Em nome de um grupo ao qual acredito pertencer, empobreço minhas diferenças, escondo peculiaridades e não mais me reconheço. Encolho vontades, respondo a chamados que não são para mim. E me vejo de forma tão limitada que perco o melhor de mim, desconstruindo minha lista de incoerências bem combinadas.

É impossível colocar as pessoas em caixas porque são bem mais do que supomos. Conheço mulheres tatuadas, cheias de filhos e casadas há décadas. E evangélicos gays, roqueiros que adoram sertanejo, mal-humorados crônicos que também são bobos de plantão. Encaixotar afetos e pessoas é perder o melhor delas. Da mesma forma, tentar enquadrar-se em determinados perfis é recusar o presente do autoconhecimento.

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Para corroborar a lógica das caixinhas, somos viciadas em construir ilusões nas redes sociais. E depois, na realidade, nos tornamos vítimas do mesmo recurso, como se mudássemos de papel. Basta um passeio pelo Instagram para voltar a acreditar nos saldos bancários positivos e barrigas negativas que desfilam à minha frente.

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Do lado de cá da tela, vislumbro minha imagem no fundo do poço, estropiada. E continuo dividindo o mundo entre o bem e o mal, o preto e o branco. Perco os meios-tons. Ler o jornal, um livro ou um post não deveria servir para perpetuar o encaixotamento, e sim para desconstruir, confrontar, ativar o fermento que faz crescer e sair da casca.

Fã de uma caixinha como eu, a japonesa Marie Kondo criou um método de organização que prioriza o descarte. Ela nos orienta a eleger não as peças a ser descartadas, mas as que ficarão. A pergunta que se deve fazer é: “Isso me faz feliz?”. Sua filosofia é simbólica e transformadora porque pode ser estendida à vida. É bem-vinda essa revisão periódica de carreira, amigos, relações afetivas e escolhas. O que vale manter, o que pede desapego?

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É hora de descartar as formas limitadas de ver as coisas. Hora de demolir esse enquadramento imaginário que esconde o que sai do controle e de compreender que ser gente é imbatível. A vida é boa demais para ser curtida em pedaços. Neste mundo repleto de modelos vazios, a verdade tem um poder transformador. Não há nada que a desbanque.

Cris Guerra é autora de Para Francisco (BestSeller), Moda Intuitiva (Planeta), Procurava o Amor em Jardins de Cactos (Gulliver), Mãe (Miguilim) e, com Leila Ferreira, Que Ninguém nos Ouça, (Planeta)

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