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Dani ele, Dani ela

"O único caminho possível para restabelecer minha saúde seria admitir que sou uma mulher transgênero", diz Danielle Torres, sócia-diretora da KPMG

Por Danielle Torres
29 dez 2018, 14h16
O que fazer se chefe chamar para almoçar fora do ambiente de trabalho
 (Nikodash/ThinkStock)
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Afirmar meu gênero foi uma jornada solitária. Não que não houvesse algumas (poucas) pessoas à minha volta me apoiando. Mas eu sentia que, para certas perguntas, somente eu mesma poderia encontrar as respostas.

Acredito que a relação que muitas mulheres têm com o próprio corpo nem sempre é amistosa. Existem a constante busca pela perfeição, inúmeras pressões sociais e um padrão de beleza que todas parecem perseguir. No meu caso, havia outros conflitos para essa já complicada situação.

Algo que eu não cansava de me perguntar em meu caminhar era se ao longo da vida tinha sido ensinada a rejeitar meu corpo e, consequentemente, meu sexo atribuído no nascimento ou se, de fato, havia algo de errado com ele que pedisse mudanças mais radicais.

Explico melhor. Foi meu sexo que me impediu na infância de brincar da forma que eu gostava. Também foi ele que determinou que eu não poderia me vestir, gesticular ou falar da maneira que era natural para mim. Foi esse mesmo sexo que me ensinou que eu deveria ser contida ao expressar sentimentos, que o nome com o qual eu me identificava era errado e que minhas poesias eram sinal de algo feminino e, logo, proibido.

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Como eu poderia apreciar meu corpo se, através dele, havia sido conduzida durante toda a minha vida a uma série de experiências frustrantes e diferentes dos meus anseios? Na adolescência, com enormes prejuízos à minha saúde, comecei, de todas as formas que pude, a adequar meus comportamentos e minhas preferências naturais ao que era esperado de um homem.

Nem preciso dizer o fracasso que foi essa empreitada: por volta dos 30 anos, sofria de crises de ansiedade cada vez mais severas. Foram necessários cinco anos de terapia para desfazer quase 17 anos em que havia me imposto uma conduta forçada, violenta e contra minha essência. Tudo em decorrência de uma alegada incompatibilidade entre meu sexo biológico e meu comportamento de gênero.

No processo terapêutico, tomei consciência de que o único caminho possível para restabelecer minha saúde seria admitir que sou uma mulher transgênero. Esse foi um processo gradual, dolorido e que envolveu uma enorme carga emocional. Socialmente, eu o denominaria de afirmação de gênero.

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Felizmente, a sociedade já estava evoluindo nessa pauta. Pude levar minha discussão ao Ramon Jubels, sócio sênior e líder da rede Voices, grupo de afinidade LGBTQI+ da consultoria KPMG no Brasil, e tive acolhimento imediato. Para minha surpresa, confesso. Mas, em um provável raro relato, posso compartilhar que tive todo o suporte da empresa para realizar essa delicada afirmação. De lá para cá, porém, teve ainda mais evolução. Hoje a firma mantém a Voices engajada com grupos em redes sociais e realiza diversos treinamentos para aliados.

É fato que a diversidade é realidade para um número crescente de organizações. Infelizmente, também é fato que as pessoas trans continuam, em um número assustador, sendo marginalizadas e constrangidas pelo simples fato de serem quem são.

O caminho a perseguir ainda é longo. Na minha visão, o ponto principal é buscarmos em nós a compreensão de que nem sempre será possível entender o outro. Porém, nunca devemos abrir mão de respeitar as pessoas por serem quem elas são. Até porque, cada qual à sua maneira, diversas somos todas.

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