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“Todos nascemos com um Sol, que deve ser cuidado para manter a potência”

A pós-doutora em filosofia africana Aza Njeri explica como conhecimentos ancestrais impulsionam a vida plena e respeitosa para com o próximo e o planeta

Por Aza Njeri
Atualizado em 10 dez 2020, 16h08 - Publicado em 20 nov 2020, 14h00

Desde 2004, sou pesquisadora de África e afrodiáspora nos aspectos artístico-literários, filosóficos, culturais, históricos e civilizatórios. Ao longo dos anos, o que sempre me fascinou foi a dimensão humana do pensamento africano, expresso nas suas filosofias, literaturas e artes.

Essa dimensão é visível, por exemplo, nas filosofias de base etno-linguística bantu, que consideram o Ntu (Força Vital) como elemento primordial para a Vida. Assim, tudo gira em torno dessa força, e a compreensão de mal relaciona-se à perda do Ngolo, a Força Vital do Ser. Viver, portanto, seria nossa maior responsabilidade, pois a dinâmica da Vida é o mais importante.

Com essa perspectiva, consigo fazer um diálogo com a afirmação do intelectual Ailton Krenak: “Viver é uma experiência radical”, pois é a materialidade contínua do presente. Temos dificuldade de entender isso porque experienciamos uma lógica de tempo ocidental com foco no progresso a todo custo, uma ansiedade pelo vindouro e uma vontade de dominação, como se o amanhã fosse o objetivo da Vida, esquecendo que o futuro é uma projeção virtual experimentada hoje na elaboração imaginativa do porvir.

Já a relação com o passado é de memória. O fardo dessa memória também tangencia a experiência do Viver, mas o passado em si condiciona-se enquanto piso, pilar e pedra basilar para a possibilidade do agora. Quando nos movimentamos tal qual Sankofa (retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro), resgatamos a factualidade do existir para os viventes do ontem e, ouvindo os sussurros de antigamente, buscamos ecoar um presente.

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Também não podemos ignorar que o corpo é condição primordial para a nossa existência. Seus atravessamentos testemunham o filme da nossa Vida. Ele é a morada do nosso Ser. Do corpo pra dentro é o lugar do nosso principal bem-estar. Para Viver a experiência do presente, é necessário uma materialidade física.

A filosofia Bakongo (de base bantu) entende o existir tal qual a trajetória do Sol. O nascimento de uma criança é o nascimento de um Sol Vivo na comunidade, e uma família é uma constelação Solar subindo a montanha da Vida, da mesma forma que todo muntu (ser humano) é um Sol Vivo.

O Ser é Força Solar. Todos nascemos com um Sol interno, que deve ser cuidado para estar em plena potência, ao mesmo tempo que fazemos parte de uma Força Viva, que comunga em unidade no planeta. Povos originários da América acreditam na Força Vital de Pacha Mama. Povos bantus creem na humanidade existente em tudo que é matéria saída da boca de Nzambi.

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A filosofia bantu Ubuntu – eu sou porque nós somos – fala não apenas sobre a humanidade de seres humanos mas também sobre a humanidade de tudo em que há a Força Vital da Natureza. Ailton Krenak chama-nos a atenção para a humanidade da formiga; e a pensadora Makota Valdina, para a humanidade da montanha. Nada no mundo pratica a diversidade com mais Força Vital do que a Natureza.

Enquanto o desmatamento e as queimadas são promovidos, uma carga enorme de Força Vital é violentamente desprendida do planeta. Cada árvore, pássaro ou inseto carbonizado desequilibra o Ntu, e a natureza vive um luto. Ao atentarmos, portanto, para o cenário de 2020, facilmente percebemos um abafamento do Sol da nossa humanidade.

De pandemia a desgoverno, passando pelo genocídio da população negra e indígena, pela destruição do meio ambiente e pela reentrada do país no Mapa da Fome, caminhamos a passos largos para a perda do nosso Ngolo. Existimos gritando por liberdade, mas não queremos as responsabilidades de sermos livres.

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Ao centro, uma mulher com cabelos de dread aparece sorrindo
(Daniel Barboza/Divulgação)

Aza Njeri é pós-doutora em filosofia africana e doutora em literaturas africanas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É professora e coordena o Núcleo de Estudos Geracionais sobre Raça, Arte, Religião e História do Laboratório das Experiências Religiosas na UFRJ.

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