Saúde de mulheres negras: os impactos do racismo no atendimento médico
Os dados preocupantes têm ampliado o debate em torno dessa questão

Nos últimos anos, a saúde de mulheres negras tem ganhado espaço nas discussões sobre bem-estar físico e psicológico. Isso porque, apenas recentemente, estudos começaram a se aprofundar nas desigualdades que afetam a condição de saúde dessa parcela da população em comparação com mulheres brancas.
O racismo em ambientes hospitalares
Diversos debates foram levantados para entender as causas desse cenário. Para além de fatores físicos e da falta de acesso à informação, há um elemento determinante que contribui para essa realidade: o racismo nos ambientes hospitalares.
Para compreender melhor o tema, conversamos com a médica oncologista Elizabeth Santana dos Santos, especialista em tumores femininos no Hospital A.C. Camargo.
Preconceito nos consultórios nem sempre é explícito
Elizabeth explica que o racismo se manifesta nos espaços de saúde de formas múltiplas – nem sempre de maneira explícita. Ele se apresenta de modo estrutural, sutil e muitas vezes invisibilizado.
Ao longo de sua carreira, a médica conta ter testemunhado microagressões frequentes, como a presunção de que pacientes negras teriam menor escolaridade, levando profissionais a acreditarem que elas não seriam capazes de compreender termos técnicos. Em outros casos, sintomas relatados por essas mulheres foram minimizados ou desacreditados.
Invalidação de sintomas
E não se trata apenas de achismos. Atualmente, há estudos que comprovam um menor tempo de atendimento e de realização de exames para pessoas negras, o que interfere diretamente nos índices de diagnóstico e prognóstico dessas pacientes.
Mulheres negras têm mais chances de descobrir câncer de mama em estágios avançados
No consultório da oncologista, por exemplo, é comum que mulheres negras descubram o câncer de mama em estágios mais avançados da doença. Isso ocorre por uma série de barreiras acumuladas, como menor acesso a exames preventivos, demora para conseguir encaminhamentos especializados e a própria desconfiança no sistema de saúde, muitas vezes resultado de experiências anteriores marcadas por discriminação.
“Muitas relatam que procuraram atendimento meses antes, mas foram dispensadas com ‘é só uma inflamação’ ou ‘isso é normal na sua idade’. O acesso ao rastreamento é drasticamente menor”, aponta Elizabeth.
Quando questionada sobre os impactos que observa no dia a dia do consultório, a oncologista revela dados preocupantes: a mortalidade por câncer de mama é 40% maior entre mulheres negras, mesmo em casos de tumores com bom prognóstico. Além disso, esse grupo enfrenta mais obstáculos no acesso à reconstrução mamária após a mastectomia e apresenta maior taxa de abandono ou não adesão ao tratamento.
Falta de acolhimento durante consultas
A médica destaca ainda que o preconceito racial afeta a escuta e o acolhimento médico. Relatos de interrupção frequente durante a fala de mulheres negras e menor empatia diante de suas dores são comuns. Além disso, há uma tendência a atribuir sintomas físicos a questões emocionais ou tratá-los como exageros. Essa invalidação sistemática contribui para o subdiagnóstico de condições graves.
Tempo de consulta menor, pouca explicação
Outro fator agravante é o nível de escolaridade da paciente. Quando associado à cor da pele, a desigualdade se intensifica: o tempo de consulta costuma ser ainda mais curto, há menos explicações didáticas e as possibilidades terapêuticas são menos discutidas.
“A mulher negra está habituada a cuidar. Ela está na linha de frente da maior parte da prestação de serviço, mas raramente na posição de ser cuidada”, reforça.

Muito além da ética
Ao buscarmos alternativas para enfrentar esse problema, Elizabeth reforça que não se trata apenas de uma questão ética, mas de uma verdadeira emergência de saúde pública. “Como mulher negra em posição de liderança, uso meu privilégio para convidar colegas a amplificar as vozes de profissionais e pacientes negras. Não podemos mais fingir neutralidade. Cada consulta é uma oportunidade de reparação”, defende.
Para iniciar esse enfrentamento, a médica aponta algumas ações práticas e fundamentais que podem ser adotadas nos serviços de saúde:
- Implementação de protocolos de atendimento com métricas de equidade racial;
- Treinamento das equipes sobre vieses implícitos e competência cultural;
- Garantia de representatividade negra em todas as esferas institucionais, da recepção à direção;
- Criação de ouvidorias específicas para denúncias de discriminação racial;
- Revisão dos protocolos diagnósticos para contemplar a diversidade genética;
- Parcerias com coletivos de mulheres negras para ações de educação em saúde;
- Registro e monitoramento dos tempos de espera, atendimento e desfechos clínicos por raça;
- Implantação de programas de mentoria voltados para residentes e estudantes em formação.
A realidade escancarada nos relatos e números reforça a urgência de se repensar as práticas médicas e institucionais para garantir um atendimento mais equitativo, empático e inclusivo, que respeite a diversidade e os direitos de todas as pacientes.
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