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Racismo ambiental é real, e precisamos falar sobre ele

Cunhado na década de 1980, o termo continua a ser motivo de disputa. Entenda o que é e como ele se reflete no Brasil

Por Adriana Marruffo
Atualizado em 11 abr 2024, 12h38 - Publicado em 11 abr 2024, 10h01
racismo ambiental entenda o que é
O racismo ambiental está entrando cada vez mais em pauta, mas você sabe o que é? (Denniz Futalan/Pexels)
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Não é segredo que as mudanças climáticas são uma realidade, e que estão afetando todo o planeta – inclusive aumentando a incidência e gravidade de eventos climáticos, ,como as chuvas que deixaram 12 mortos no Rio de Janeiro no começo deste ano. Após a tragédia, Anielle Franco, ministra de Igualdade Racial, lamentou as mortes e as famílias desabrigadas, mas também aproveitou a ocasião para dar luz ao chamado racismo ambiental, sendo prontamente ridicularizada e atacada, alegando ser apenas mais uma invenção de novas gerações. 

Mas o racismo ambiental não é uma novidade, e é usado por acadêmicos para descrever os efeitos em maior proporção de catástrofes climáticas que impactam negros, indígenas e povos tradicionais em vulnerabilidade.

Afinal, o que é racismo ambiental? 

É fato que os câmbios climáticos têm trazido severos impactos à população brasileira em geral, mas os grupos em situação de maior vulnerabilidade se veem ainda mais afetados.

“O racismo ambiental ainda é visto como algo dentro do escopo do mimimi, assim como muitas das dores das minorias. E a verdade é que não é algo que afeta só os corpos pretos e periféricos, é algo que afeta toda uma questão ecológica, sanitária e até mesmo climática”, explica Natália Pagot Xavier, mestra em Educação e Licenciada em Biologia, com experiências em Educação Étnico Raciais desde 2014. 

A expressão, cunhada na década de 1980 pelo ativista e pesquisador americano Benjamin Franklin Chavis Jr., foi desenvolvida em meio a protestos contra depósitos de resíduos tóxicos no condado de Warren, no estado da Carolina do Norte (EUA), onde a maioria da população era negra. 

“O processo de chegada do termo no Brasil foi tardio, apenas em 2005. Hoje em dia, temos o conceito de racismo ambiental vinculado ao fato de direcionar de forma desproporcional o ônus do desenvolvimento que vem acontecendo através do sistema capitalista. Esse fortalecimento das estruturas de desigualdade em regiões específicas e radicalizadas é uma ferramenta de controle e organização dos corpos que ocupam territórios racializados”, revela Andressa Dutra, gestora ambiental pela IFRJ, mestranda em Ecoturismo e Conservação e pesquisadora ambiental crítica.

Para alguns, quando se trata de mudanças climáticas, parece difícil acreditar que classe e raça podem influenciar os impactos. Portanto, é importante realizar a análise a partir das estruturas sociais que promovem a desigualdade histórica, isto é, a partir do Brasil colônia, com a expulsão de povos originários e escravização de povos negros, levando a um histórico de desigualdade, com o qual são prejudicados em fenômenos climáticos, seja pela falta de saneamento básico ou desigualdades de classes sociais. 

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Como o racismo ambiental se reflete no Brasil?

racismo ambiental no brasil
O racismo ambiental é realidade cada vez mais comum no Brasil (Bahram Yaghooti/Pexels)

“Hoje a gente vê o fenômeno de forma tão naturalizada que muitas vezes as pessoas não conseguem associar. Por exemplo, hoje eu vivo no RJ, que é uma cidade extremamente complexa, e ao mesmo tempo uma das únicas cidades que tem uma floresta em território urbano. Quando a gente pensa em racismo ambiental nessa cidade, existem situações gritantes. Por exemplo, o saneamento básico dentro de comunidades como a favela: lá a gente vê valão a céu aberto, a própria questão de recolhimento de lixo, em que alguns bairros têm coleta seletiva enquanto os bairros periféricos ou pretos não passam por esse processo”, aponta Natália. 

Mas o racismo ambiental não se resume apenas a estes tópicos, sendo um dos pilares da economia atual, e incluindo itens muito mais básicos, como o acesso à água potável e até árvores.

“Costumam ser bairros que não têm árvores, praças, grama e, portanto, se tornam locais extremamente quentes pela falta de arborização. E os grupos que se veem mais afetados com isso, quando a gente fala em cidade, são pessoas pretas, periféricas, mulheres negras e pobres, são aqueles que vivem na favela ou no campo.”

Indígenas têm suas terras delimitadas, sem beira de estrada, sem acesso à água e sem acesso aos animais que fazem parte de suas culturas. “Os ribeirinhos, por exemplo, são extremamente afetados pela questão das hidrelétricas e o assoreamento dos rios. São essas comunidades periféricas que se veem principalmente afetadas, e são aquelas cujas doenças não são tratadas e seus problemas não são solucionados”, acrescenta Natália.

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“A gente tem um movimento constante de anulação, que fala que as populações pobres são culpadas pela desigualdade ambiental, porque elas supostamente não têm consciência ambiental ou ecológica. É uma tentativa de culpabilizar a população pobre dessas desigualdades e tirar a responsabilidade dessas grandes indústrias e empresas em relação à poluição e degradação destes territórios”, critica a gestora ambiental.

Basta olhar para o número expressivo de  pessoas negras vítimas de tragédias previsíveis que protestam por perder bens materiais e entes queridos para perceber o cenário. 

Um levantamento de 2024 da Agência Pública revelou que os distritos da cidade de São Paulo onde moram mais pessoas negras tiveram mais alagamentos, inundações e deslizamentos nos últimos dez anos. Entre eles, 10 distritos tiveram essas ocorrências acima da média da cidade e nove dos 10 ficam nas periferias.

Além disso, uma pesquisa encomendada pelo Greenpeace ao Ipec constata que 70% das pessoas das classes D e E se sentem inseguras com a possível manifestação dos eventos climáticos, enquanto para moradores em regiões periféricas a porcentagem é de 63%.

Da mesma forma, as populações pretas e pardas se sentem mais vulneráveis em relação aos eventos (64%), quando comparado às pessoas brancas (60%).

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“A gente tem um Estado operando e organizando o racismo ambiental à medida em que ele é ausente em políticas públicas ou ele é omisso quanto a todo o processo de negação de direitos dessas populações”, acrescenta Andressa. 

O racismo ambiental na prática

Casos de racismo ambiental têm se mostrado corriqueiros no Brasil, especialmente em períodos de chuvas. Elas, por exemplo, são previsíveis — sendo com maior ou menor potencial de vítimas — e, mesmo assim, não são feitas políticas públicas ou soluções de saneamento básico para prevenir tragédias.

Andressa Dutra lembra também a tragédia de Brumadinho, em 2019. “Um caso emblemático de racismo ambiental no Brasil é o rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho, causando a morte de aproximadamente 300 pessoas e destruindo o ecossistema que era fonte de sobrevivência da população ribeirinha – ou seja, que precisavam dos rios. Já tem quatro anos que isso aconteceu e a gente continua sem muitas reparações.”

“A gente tem, no norte do país, um povo amazônico e um povo indígena que é extremamente invisibilizado em suas questões de saneamento básico e de qualidade de vida, porque são pessoas que vivem muito próximo da água, e precisam ter um cuidado para que tenha uma manutenção da qualidade dessa água. Já na Caatinga, a gente vê a falta de água e a falta de políticas que vão trazer o acesso, e isso também é uma forma de racismo ambiental. No momento que você vê um problema e você não trata desse problema, porque a vida daquelas pessoas não importa tanto quanto a vida daquelas que moram na Faria Lima”, acrescenta Natália. 

E como podemos colaborar para a mudança?

É evidente que, por sua vez, o estabelecimento de políticas e projetos governamentais entram em jogo quando se diz respeito à minimização e solução de casos de racismo ambiental. Mas será que a gente tem alguma responsabilidade no assunto?

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“A mitigação se dá a partir da eliminação de práticas racistas, e eu diria que um segundo caminho é a construção de políticas públicas que atendam às reais demandas das comunidades afetadas. Para isso, aqueles tomadores de decisão, que são os mais poderosos, precisam dar ouvidos às pessoas impactadas e viabilizar a presença dessas pessoas em espaços de tomada de decisão. É somente assim que vamos garantir a sobrevivência dessas pessoas e, também, que estes grupos não tenham que temer se amanhã ou depois de amanhã ela vai perder tudo”, coloca Andressa. 

Natália acrescenta que é indispensável o tratamento do racismo do Brasil para compreender as injustiças sociais (e, neste caso, ambientais) que os grupos marginalizados sofrem.

“A gente pode começar a implementar diversas políticas públicas, isso é fato. Começando por uma construção de hortas comunitárias para a empregabilidade de mães, o fortalecimento de cooperativas de reciclagem para mitigar poluição e fortalecer a economia verde desses espaços e, claro, trabalhar com um saneamento básico público e de qualidade”, reflete Natália. 

Para além disso, a falta de conhecimento da expressão “racismo ambiental” é uma evidência de que o Brasil não possui  conhecimento básico acerca da questão racial brasileira, e cresce um alerta em cima das tragédias ambientais que são sofridas com maiores impactos por grupos marginalizados.

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