O que Édouard Louis nos ensina sobre a relação entre dinheiro e liberdade?
O autor ilustra como o sistema econômico patriarcal limita a liberdade das mulheres a partir da história de sua própria mãe
Eu o conheci no ano passado. Ele estava quietinho, ao lado de uma amiga francesa, em uma livraria do Rio de Janeiro. Vi que era um cara de poucas palavras, mas não de meias-palavras. Ouvi seu nome: Édouard Louis. Peguei-o nas mãos e me surpreendi com o título: Lutas e Metamorfoses De uma Mulher. No verso: “A história de uma mulher oprimida por um sistema econômico patriarcal”.
Era o Le Monde que me avisava. Levei para casa. Devorei cada uma das 112 páginas de frases cruas e comoventes, que relatavam a separação de sua mãe do casamento opressivo com seu pai.
Édouard Louis é hoje uma das maiores sensações da literatura francesa contemporânea. Ah, a amiga a qual me referi? É Annie Ernaux, Nobel de Literatura, que, assim como ele, narra as transformações do próprio corpo e de classe, ao mesmo tempo em que evidencia violências sofridas por grupos sociais à margem.
O jovem escritor foi o queridinho desta edição da Feira Literária Internacional de Paraty e de outros eventos. Ganhou capas de jornais, foi “páginas amarelas” da VEJA, sentou-se no centro do Roda Viva, inundou perfis jovens no Instagram e TikTok.
Pronto. Seus livros já não estão mais quietinhos nas prateleiras, passaram a ocupar as entradas das livrarias e a fazer barulho. Na Flip, fui uma das que enfrentaram a fila para ouvi-lo. Cheguei tarde, não tinha lugar. Ótimo! Sentei no chão da primeira fila, de cara com Édouard.
Pude sentir a angústia ao vê-lo apertando os dedos enquanto falava. Arranhava a garganta, respiração ofegante, mas não deixava de pontuar sobre violências, miséria, homofobia, consciência de classe, amor, sensibilidade e liberdade — ou a ausência desses quatro últimos. “Quem foge permite que outras pessoas fujam”, disse.
Depois disso, busquei Monique Se Liberta, também da editora Todavia. Ed já não era um desconhecido. Buscava a continuidade da história da sua mãe, agora com outro marido.
Na contracapa, um trecho: “Será possível estabelecer alguma coisa como o preço da liberdade, um preço quantificável racionalmente, matematicamente? Será que, uma vez fixado e tornado acessível esse preço a uma maioria, novas fugas surgiriam, se multiplicariam infinitamente? Para dizer de forma mais clara e, portanto, mais violenta: quantas pessoas, quantas mulheres mudariam de vida se tivessem um cheque na mão?”.
Meu coração disparou. Ed escancara o fato de que uma de suas pretensões é falar sobre dinheiro, mesmo que seja um assunto considerado “vulgar” na literatura. Uma de suas inspirações foi Um Teto Todo Seu, de Virginia Woolf, que, segundo ele, transformou a liberdade numa questão material, de dinheiro mesmo.
“Imagine alguém que fizesse o discurso do Prêmio Nobel de Literatura dizendo: ‘A chave da literatura é aumentar as verbas assistenciais e aumentar os salários, porque só assim as mulheres poderão escrever’. Monique Se Liberta tenta trazer esse tema para o centro”, afirmou.
Há três anos, todos os meses, escrevo para a CLAUDIA, primeira revista feminina do Brasil a abrir caminhos para falarmos sobre o papel do dinheiro na vida das mulheres. O ano de 2024 foi especial, com direito à conquista do Prêmio Imprensa CVM pela publicação de uma reportagem sobre violência patrimonial. Nestas crônicas, passamos por temáticas financeiras, como o medo de não ganhar dinheiro, que afeta Ed e atravessa a rotina de muitas que buscam liberdade.
O dinheiro é o meio que nos permite escolher quando e como sair de um relacionamento abusivo, quando queremos ou não trabalhar e até criar nossas próprias regras. Essa autonomia financeira nos dá poder, não porque nos torna ricas, mas porque nos permite sonhar. Esta coluna, às vésperas de 2025, é um convite à mudança. Que nossas histórias possam inspirar outros planos de fuga.
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