Francis Mayry e Henrique Fogaça lançarão instituto de maconha medicinal
O ‘Instituto Olívia’ contará com uma estrutura física em território nacional para oferecer tratamentos canábicos à crianças com doenças raras
Não é novidade que a maconha medicinal e seus compostos — CBD, THC, entre outros — trazem inúmeros benefícios para a saúde física e emocional de milhares de pessoas. Por isso, Francis Mayry — dona da página Mães da Cannabis, Embaixadora da Paz pelo Rotary Internacional Brasil e Conselheira das 1000 cabeças ONU — e o chef Henrique Fogaça decidiram unir forças para criar o “Instituto Olívia”, projeto que irá disponibilizar tratamentos à base de cannabis medicinal para famílias carentes que possuam membros com doenças raras.
O mais incrível de todo o empreendimento é que tanto Francis quanto Fogaça possuem conexões pessoais emocionantes envolvendo a cannabis medicinal. Por isso, Claudia bateu um papo exclusivo com a dupla. A seguir, eles detalham as raízes do projeto, os maiores empecilhos burocráticos e refletem sobre a importância da planta para a potencialização de nossa qualidade de vida. Confira:
O despertar de Francis
“Eu nunca fui buscar a cannabis. Ela que veio até a mim”, afirma Francis Mayry no início de nosso papo. Tal declaração pode soar estranha vindo de uma especialista no assunto, mas é definitivamente verdadeira. Em 2013, Mayry foi diagnosticada com degeneração macular no olho direito. A doença ocorre na mácula, que é a região central da retina. Por conta da falta de funcionamento adequado das células, começa a haver uma progressiva perda de visão central.
“Eu sofria com dores absurdas nessa região que não passavam com analgésicos. Além disso, meu olho estava sempre inflamado, com veias vermelhas. Era esteticamente horrível”, compartilha Francis. Tal condição dificultava a rotina da criadora da página “Mães da Cannabis”.
“Eu sempre defendi a pauta feminista para mulheres em estado de vulnerabilidade. Por isso, vivia em Brasília criando emendas com a ajuda de alguns parlamentares. Lutávamos pela criação de creches, doação de alimentos e por aí vai”, explica.
E foi justamente durante uma semana importantíssima que Francis foi extremamente afetada por sua doença ocular: “Eu precisava ir a um evento cultural. Não tinha como faltar. E logo no dia, meu olho ficou muito inflamado. Chegando lá, encontrei um rastafari. Ele perguntou o que eu tinha no olho, e eu dei uma explicada bem por cima. Logo em seguida, esse cara foi embora e voltou com um frasquinho que continha óleo de cannabis”, revela.
Mayry relembra que, na época, ela mal sabia o que era cannabis. Por isso, pegou o frasco mas não o utilizou por semanas. “Fiquei com medo, mesmo com ele dizendo que não haveria efeitos colaterais ou alucinógenos. Mas, após um tempo, meu olho inflamou ainda mais. Pensei: ‘Quer saber? Se eu sentir algum efeito estranho, suspendo o uso’”.
Na primeira semana, Francis não sentiu nada. Contudo, após 14 dias de uso, as dores oculares foram diminuindo. Já em seis meses, o olho da especialista não doía mais. “Decidi ser a minha própria cobaia. Suspendi o uso dos antibióticos que eu tomava e fiquei apenas com o canabidiol. Após uns meses, fiz novos exames para saber como a degeneração estava evoluindo. Para a minha surpresa, ela havia regredido e estacionado. Foi aí que fiquei fascinada com essa história da cannabis”, conta.
Estudos de maconha medicinal e luta em Brasília
Após a vivência que mudou a sua vida, Francis foi estudar genética de sementes, sistema de cultivos e extração. “Viajei para a Colômbia, Paraguai e estados norte-americanos para aprender sobre a planta. E depois desse período de aprendizado, decidi unir meus projetos sociais voltados para o núcleo de mulheres em estado de vulnerabilidade com o meu entusiasmo pela medicina canábica”, revela.
Mayry afirma que se atentou a mães com crianças que convulsionavam de 300 a 500 vezes por dia. “Entrei no mundo dessas mulheres e percebi que isso não era raro. Existem milhares de exemplos extremos como estes no Brasil inteiro. Por isso, decidi montar o ‘Mães da Cannabis’ em prol dessas pessoas. Enfrentamos preconceitos, mas o movimento ficou forte em vários estados.”
A partir daí, a luta de Francis ficou ainda mais intensa: foram inúmeros debates calorosos em Brasília para provar ao governo — e também à Anvisa — que o projeto era pautado em torno da medicina e, por isso, deveria ser legalizado. “Montamos relatórios complexos revelando casos de crianças que, após o tratamento com óleos de cannabis, pararam de convulsionar ou não precisaram mais se alimentar com comida líquida devido às convulsões incessantes.”
Encontro com Henrique Fogaça e criação do ‘Instituto Olívia’
No meio desta batalha, Francis conheceu Patricia Lanzoni, a assessora do chef Henrique Fogaça. “Ela me contou a história da filhinha dele [que sofre com um tipo raro de epilepsia] e aquilo me comoveu. Por isso, perguntei a ela se eles não queriam experimentar a medicina canábica”, esclarece.
Os resultados não poderiam ser melhores para a pequena Olívia: “Com 11 anos, ela não tinha expressões. Após o tratamento, passou a ter. Também notamos que sua musculatura ficou fortalecida”, afirma emocionada.
Após o sucesso do tratamento, Fogaça encontrou Mayry pessoalmente para agradecê-la pelo suporte. A partir daí, uma bela parceria se iniciou. “Certo dia, estávamos conversando e eu contei sobre o ‘Mães da Cannabis’. Ele achou incrível. Por isso, decidimos montar o ‘Instituto Olívia’ para dar ainda mais alcance à causa”.
Em que pé está o instituto?
Francis conta que, atualmente, o instituto está documentado e o site do projeto está pronto. Porém, por ser uma pauta polêmica e estarmos em um período econômico delicado, a dupla vem lidando com alguns desafios para captar recursos e patrocinadores.
“Perante a legislação brasileira, estamos amparados para seguir adiante. Mas precisamos de recursos para manter a sede. Não podemos inaugurar algo só para ter mídia. Queremos oferecer uma estrutura completa para atender tanto as mães quanto as crianças. Desejamos ter médicos parceiros — como neurologistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e psicólogos — à disposição de todos. Mas para isso, é necessário ter uma empresa que patrocine o instituto para que ele não seja apenas mais um no Brasil”, diz a especialista.
Burocracia não irá impedir a criação do instituto
“Já estamos nessa missão há mais de um ano, com muita burocracia no caminho, mas em breve iremos realizar esse sonho que vai ajudar muitas pessoas”, declara Henrique Fogaça. Assim como Francis, ele reitera que a execução do projeto é muito difícil, pois apesar dos benefícios do uso dos óleos canabinoides já estarem comprovados a um tempo, ainda há um grande tabu por ser um produto de cannabis.
“A ilegalidade do consumo no Brasil apenas intensifica as barreiras políticas. Com isso, o processo de abertura acaba sendo mais demorado do que seria em outros países’, desabafa o chef.
Henrique explica que, para conseguir atingir um maior número de pessoas, a equipe por trás do projeto pretende apostar em uma divulgação midiática massiva. “Existem milhares de pessoas em estado de vulnerabilidade que não conhecem o tratamento ou não têm acesso. E a intenção do instituto é justamente levar a cura às famílias em estado de vulnerabilidade social”, clarifica.
Por fim, Fogaça reafirma a sua felicidade em presenciar a melhora de sua filha. “Dá para ver a diferença e melhora nas expressões dela. Olívia tomava muitos remédios, e com a cannabis medicinal, conseguiu realizar o desmame deles aos poucos. Ela também parou de ter crises convulsivas. Para nós, além de ser um grande avanço, é uma felicidade sem tamanho”, conclui.