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Epidemiologista Ethel Maciel fala dos desafios da vacinação no Brasil

O ano de 2021 será lembrado pela imunização em massa contra a Covid-19. A epidemiologista capixaba fala dos desafios brasileiros para encarar a missão

Por Isabella Marinelli Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
15 jan 2021, 15h00
Ethel Maciel
A epidemiologista Ethel Maciel - (Arte/CLAUDIA)
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Eram meados de abril quando a epidemiologista capixaba Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo, se deu conta de que durante a pandemia, os cientistas tinham um papel fundamental para além dos laboratórios. A classe poderia atuar na conscientização da população a partir das ferramentas de comunicação.

Os estudos da tuberculose, aos quais Ethel se dedica há mais de 25 anos, inclusive como consultora da Organização Mundial da Saúde, ficaram em suspensão para que seu tempo fosse dividido entre pesquisas da Covid-19 e entrevistas sobre o assunto.

Mais recentemente, integrou ainda o time de técnicos convocados pelo Ministério da Saúde para elaboração do plano nacional de vacinação. A relação, entretanto, terminou desconfortável depois do governo federal ter entregue um plano diferente do sugerido, mas ainda assim assinado pelos cientistas – algo que Ethel relata nunca ter testemunhado em todos os anos de carreira.

A CLAUDIA ela fala sobre as lições da pandemia e a urgência da imunização. “A vacina é uma das maiores invenções da humanidade. Nossos avós morriam mais cedo ou tinham vários filhos, mas os perdiam na primeira infância. Devemos à imunização o aumento da nossa expectativa de vida”, defende.

Quais são os desafios que o Brasil enfrentará para vacinar a população?

A epidemia da desinformação é o maior deles. Nós já sabemos fazer campanhas de vacinação; temos um histórico desde a década de 1970 com o nosso Programa Nacional de Imunização (PNI). Ele é um exemplo no mundo em razão da capilaridade. Vacinamos as populações ribeirinhas e indígenas, alcançamos os lugares mais remotos do país.

Desde 2016, entretanto, observamos no mundo o crescimento do movimento anti-vacina, que começou a penetrar no Brasil antes da pandemia, em meados de 2018. Há queda na cobertura vacinal nos últimos anos. O sarampo, por exemplo, deveria estar em 95%, mas alcançou somente 70%. A vacina contra a Covid-19 chega nesse cenário, que é inflado quando a autoridade máxima do país profere frases injustificáveis sobre o tema.

Há uma anticampanha em curso, com mensagens também no não dito, como reuniões de autoridades sem máscara. São signos que confundem a população. Além disso, ainda que apresentado um caminho, ele demonstra falhas, como a falta de seringas e agulhas.

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Estamos entrando num plano de vacinação com os insumos fundamentais ainda em negociação. Elas deveriam ter sido encomendadas já nas fases anteriores dos estudos. Alguns estados brasileiros se mobilizaram e garantiram as suas, caso do Espírito Santo, que encerrou as compras em setembro, mas o ideal é que esse tipo de negociação seja conduzida pelo governo federal para que se pratiquem preços melhores.

Há uma briga protagonizada entre as esferas de poder no que diz respeito à compra e origem das doses. A politização da vacina traz riscos?

Ela só prejudica a população. Repito que temos um programa nacional de imunização muito forte, precisamos deixar que os especialistas trabalhem. É necessário manter um sistema unificado nacional, até para que seja garantida a segurança biológica do imunizante. Por exemplo: até o momento, a orientação é de que as duas doses aplicadas sejam de um mesmo fabricante.

Se o paciente transitar entre cidades, um cadastro nacional precisa registrar qual foi a vacina aplicada para que a segunda dose seja combinada. Além disso, a saúde é um direito de todos os cidadãos. Se ficar a cargo dos estados e municípios, é possível que os mais ricos se vacinem primeiro. Seria mais uma forma de aprofundamento das desigualdades sociais do país.

“A vacina é uma das maiores invenções da humanidade. Nossos avós morriam mais cedo ou tinham vários filhos, mas os perdiam na primeira infância. Devemos à imunização o aumento das nossa expectativa de vida”

Os especialistas apontam uma explosão de casos nos primeiros meses de 2021. O atraso da imunização impacta no controle da pandemia no Brasil?

Sim. A demora da vacinação em larga escala ainda coincide com parte da população sem renda em razão do fim do auxílio emergencial. São pessoas que ficarão ainda mais vulneráveis por precisarem correr atrás da renda perdida. As medidas de prevenção dependem não só de compreendê-las, mas também de ter condições de cumpri-las.

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Duas das vacinas em teste têm cooperação de produção com instituições brasileiras. Quais são as vantagens da transferência de tecnologia para a Fiocruz e o Instituto Butantan?

As empresas não têm condições de fabricar a quantidade de vacinas que precisamos. Necessitaremos de estoque para os próximos anos; talvez tenhamos que mexer nas formulações com o passar dos anos, como na vacina da gripe.

A transferência de tecnologia traz a possibilidade de planejamento a médio e longo prazo para essas demandas. Os polos de produção também qualificam os nossos pesquisadores para que, futuramente, tenhamos vacinas brasileiras. Hoje, convivemos com doenças que não são problemas para outros países, logo não se desenvolvem imunizantes para elas. Com centros de excelência e investimento pensados para a nossa realidade, poderemos consegui-las.

Ethel Maciel
(Arte/CLAUDIA)

Um dos argumentos de quem se recusa a tomar a vacina é de que ela foi feita às pressas. O medo se justifica?

Conhecemos as vacinas há 224 anos. Não há nada feito às pressas. Em 2001, um outro tipo de coronavírus começou a se disseminar e matar. Era a epidemia de SARS. À época, vários grupos no mundo iniciaram estudos sobre os coronavírus e uma vacina foi desenvolvida. Mais tarde tivemos a MERS, também de um coronavírus.

Já em 2018, a Organização Mundial da Saúde emitiu um alerta para que a comunidade científica ficasse atenta aos coronavírus, porque eles mostravam adaptações à espécie humana e poderiam trazer problemas. Esses três episódios demonstram que já se estuda isso há um tempo. A plataforma da imunização existia e então foram feitas as modificações necessárias para o vírus em voga. Já sobre o desenvolvimento, vale lembrar que é preciso que as pessoas entrem em contato com o vírus durante os testes.

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Só que não causamos essa exposição propositalmente, não seria ético. Quando se está pesquisando numa pandemia, há um cenário favorável, ou seja, com mais chances do voluntário ter contato com o vírus durante os estudos clínicos.

O que você destaca dos estudos atuais em torno da vacina?

Considero espetacular a invenção da vacina de RNA. Essa é uma tecnologia nova, que abrirá muitas portas para outras. O grupo responsável já trabalhava nesse mecanismo há 20 anos para tentar combater o câncer. A vacina ensina o nosso organismo a se defender. É como se ela fizesse um retrato falado dizendo: “quando você ver esse sujeito, você vai tratá-lo de tal maneira para derrotá-lo”. Com a versão de RNA, estamos saindo do espectro de ensinar respostas apenas contra vírus e bactérias, agentes externos, para outras doenças, como os tumores e a diabetes.

A imunização nos libera das medidas sanitárias?

Num primeiro momento, não, porque nem todos estarão vacinados. O cálculo é de que precisamos de ao menos 70% de imunização da população para alcançar a chamada imunidade de rebanho, que freia a circulação do vírus. Ainda precisaremos evitar as aglomerações, manter o distanciamento social e usar máscaras. Entretanto, será numa situação diferente da atual. Com os grupos de risco imunizados, tomaremos fôlego e os serviços de saúde ganharão certo alívio.

O SUS foi a nossa maior arma contra a Covid-19. A pandemia nos deixa lições sobre ele?

Ela mostrou que precisamos continuar os investimentos pelos próximos anos para reforçar o que já existe. A Covid-19 realçou o histórico de saúde da população e nós já temos mecanismos para monitorá-la, como a Estratégia Saúde da Família.

Quando a gente compara as taxas de morte depois da internação na Unidade de Terapia Intensiva, por exemplo, elas são mais altas aqui do que nos países desenvolvidos. No Brasil, fica por volta dos 50%, 60%, enquanto na Europa fica em torno de 15%.

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Isso acontece por vários fatores, dentre eles por descontrole de doenças de base, crônicas, facilmente tratáveis. A realidade é totalmente diferente entre alguém que é diabético e toma os remédios diariamente, daquele que vai ao posto e não consegue pegá-los, passa uma semana sem medicação, depois volta a ingeri-los.

Outro ponto importante é que os investimentos também precisam ser dedicados à capacitação e à valorização dos profissionais de saúde. Ainda hoje, os enfermeiros não têm piso salarial, por exemplo.

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