Como notícias de guerra podem afetar a nossa saúde mental
Especialistas garantem: nós também podemos sentir os efeitos de conflitos travados do outro lado do mundo
À medida que a tensão entre Israel e Palestina escalona, somos impactados por centenas de notícias sobre o conflito, acompanhando quase que ao vivo as tragédias, perdas e medos da população que reside na Faixa de Gaza. Cada vez que ligamos a televisão ou abrimos nossas redes sociais, é inevitável encontrar imagens de pessoas desaparecidas ou dos desastres, e sentir um aperto no peito ou certa ansiedade quanto ao desfecho. Mas, afinal, as guerras têm impacto em nossa saúde mental mesmo quando não estamos diretamente envolvidos nelas?
Mesmo que não seja perceptível, as inúmeras imagens, histórias e sons de conflito por meio de reportagens de televisão, rádio, jornais e portais de internet já dão sinais de que estão afetando a mente de pessoas em todo o mundo, a ponto da Associação Americana de Psicologia divulgar um comunicado alertando que o consumo de notícias violentas e traumáticas pode, por si só, afetar negativamente a nossa saúde mental.
“Estes impactos também estão sendo sentidos por pessoas de todo o mundo que têm familiares e amigos na região, bem como por aqueles que estão preocupados com os efeitos da guerra em todo o mundo”, afirma a entidade.
Por que sou afetado por guerras distantes?
Não é novidade que é fundamental se manter informado sobre as principais informações do mundo, seja na política ou na economia, tendo sempre em vista saber o que está acontecendo ao nosso redor e como isso pode afetar nossa vida. Com conflitos como a guerra, a necessidade por informação se torna ainda maior, uma vez que, apesar de distantes da zona de conflito, também temos a nossa própria política e economia afetados.
“A exposição prolongada aos noticiários sobre guerras e conflitos pode desencadear uma série de respostas psicológicas adversas relacionadas ao aumento de cortisol e a angústia em se colocar no lugar de quem está vivendo a guerra. Inicialmente, o consumo excessivo de tais notícias ativa mecanismos de alerta no cérebro”, revela Larissa Fonseca, terapeuta clínica e especialista clínica em Ansiedade, Crise de Pânico, Burnout e Sono.
Isso acontece porque o nosso cérebro é projetado para reconhecer e nos proteger de perigos potenciais, mesmo que pareçam distantes. “Assim, essas notícias negativas podem impactar a qualidade da saúde mental de indivíduos distantes da guerra, que vivenciam um tipo de trauma específico, que é o sofrimento como se estivessem no local do ocorrido. Mesmo sem a experiência direta do trauma, a exposição constante e intensa pode provocar sintomas semelhantes aos do TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático), como hipervigilância e estresse elevado, além de sentimentos de impotência frente às atrocidades assistidas”, acrescenta.
Conheça os impactos na saúde mental
Dentre os impactos, Thiago Guimarães, psicoterapeuta com especialização pelo Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa de São Paulo, destaca um aumento da ansiedade e da sensação de estresse, despertando preocupações sobre a própria segurança e a de entes queridos, e até o medo do país se envolver violentamente na guerra.
Além disso, pode haver um desencadeamento involuntário de traumas passados, de forma que as notícias podem funcionar como gatilhos, reativando experiências traumáticas passadas.
“A exposição constante a notícias de guerra pode criar uma sensação de impotência e desesperança, uma vez que muitos se sentem incapazes de influenciar os eventos. Logo, a visão das pessoas sobre o mundo pode ser afetada, muitas vezes fazendo com que ele seja percebido como mais perigoso e caótico, o que pode influenciar as atitudes em relação à política, cultura e outros aspectos da vida”, aponta ele.
Além disso, a incerteza sobre o resultado de um conflito, o impacto nas vidas das pessoas e do futuro pode agravar a sensação de falta de controle e esperança. A falta de resolução ou notícias positivas também pode contribuir para um sentimento contínuo de desesperança.
Ainda sobre o consumo de imagens e gravações gráficas, Guimarães explica que a repetição de imagens chocantes pode levar a uma sensação de despersonalização e isolamento, porque as pessoas se desconectam emocionalmente para lidar com a sobrecarga de informações.
“Com o tempo, essa exposição contínua pode evoluir para um estresse crônico, que interfere no equilíbrio hormonal e na função imunológica, aumentando o risco de transtornos de ansiedade, depressão e até mesmo sintomas de TEPT (Transtorno de Estresse Pós-traumático)”, alerta Larissa.
A exposição leva a uma alteração na liberação de cortisol, com efeitos fisiológicos de curto e longo prazo. Fonseca explica que, em longo prazo, o sono provavelmente não terá o efeito de reparação, mantendo o organismo em urgência.
Esse comprometimento físico e emocional pode provocar ansiedade e/ou depressão, além de problemas de hipertensão, distúrbios do sono e baixa imunidade, com gripes e resfriados frequentes.
“A tendência em focar nas notícias negativas pode distorcer a percepção da realidade, uma vez que muitos eventos positivos e histórias de superação são frequentemente sub-representados. Isso faz com que enfatizemos os problemas na vida ao invés das conquistas”, reflete a profissional.
A terapeuta ainda alerta que esse impacto é agravado em crianças, cuja capacidade de analisar e compreender essas informações é mais limitada, podendo causar confusão, medos profundos e ansiedade.
Sinais de alerta
Existem alguns sinais aos quais podemos nos atentar para entender se o consumo de notícias de guerra está afetando nossa saúde mental e o decorrer de nossa rotina. Segundo Guimarães, eles podem incluir insônia, pesadelos, isolamento social, mudanças de humor, aumento da ansiedade, evitação de discussões sobre o tópico e pensamentos intrusivos. Fonseca ainda destaca alterações digestivas e tensão muscular como possíveis indicadores.
Afinal, como lidar com as notícias de guerra?
Mesmo que seja necessário ficar por dentro da evolução do conflito, existem formas de lidar com o consumo de notícias para que estas não tenham um impacto tão grave na nossa saúde mental.
“Para mitigar esses efeitos, é essencial promover resiliência e estratégias de enfrentamento eficazes. Limitar a exposição à imagens perturbadoras, adotar práticas de autocuidado e buscar apoio psicológico quando necessário são medidas críticas para preservar a saúde mental”, recomenda a terapeuta.
Já para quem sofre com Transtorno de Estresse Pós-Traumático ou com algum tipo de gatilho, é necessário o reconhecimento e validação dos sentimentos.
“Sob esse aspecto, o fundamental é o apoio psicológico para compreender o porquê e onde o conteúdo se relaciona na própria vida. Técnicas de autorregulação emocional, como a respiração profunda e a atenção plena, também podem ser eficientes neste processo. Se notar que as notícias geram desconforto ou gatilhos emocionais, evite e se concentre em atividades que proporcionem alegria, conforto e segurança. O apoio social e a comunicação aberta com amigos e familiares desempenham um papel fundamental no processo de recuperação”, finaliza a profissional.
Por fim, é importante lembrar que não estamos sozinhos contra esta sensação, e devemos estar dispostos e abertos a discutir o problema.