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Ninfoplastia: cirurgia íntima vira moda entre adolescentes

O Brasil é líder mundial no procedimento. A febre entre adolescentes provoca reflexão sobre padrões de beleza impossíveis de serem atingidos

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 21 nov 2017, 15h20 - Publicado em 21 nov 2017, 15h20

Quando passou o efeito da sedação e Laura Vieira acordou depois da cirurgia íntima, ouviu da enfermeira: “Agora você pode posar nua em uma revista masculina”. Então com 16 anos, a menina não entendeu a gravidade do comentário, que a erotizava e condicionava sua sexualidade à estética da genitália.

Havia se submetido ao procedimento, por sugestão do médico, para diminuir a leve diferença de tamanho entre os pequenos lábios da vagina. Aos 21, estudando arquitetura, a paulistana afirma: “Hoje eu não faria a operação. Mais madura, entendi que cada um tem um corpo, não precisa seguir um modelo. Em mim, não tinha nada gritante”, diz.

O Brasil é líder mundial no procedimento, também conhecido como ninfoplastia ou labioplastia. De 2015 a 2016, o aumento das intervenções foi de 80%, passando de 12 870 para 23 155, segundo levantamento da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps, na sigla em inglês).

Os médicos acreditam que o incômodo com a hipertrofia (crescimento excessivo) ou assimetria ganhou mais importância com o acesso à informação online. As mulheres descobriram que há alternativas para alcançar o que descrevem como “a vagina dos sonhos”.

O que tem surpreendido os profissionais da área, contudo, é o número de adolescentes com menos de 18 anos correndo para os consultórios. Apesar de não existirem dados oficiais, alguns calculam que metade das pacientes está nessa faixa.

As fotos que ilustram as páginas desta reportagem são da italiana Sara Lorusso. O projeto Sexualidade representa o corpo feminino por meio de metáforas, que usam flores e frutas (Sara Lorusso/CLAUDIA)

De onde vem o padrão

Há várias justificativas para o comportamento das meninas. “Primeiro, a maior intimidade com o próprio corpo. Inspecionar-se no espelho era, até pouco tempo, um tabu”, destaca o ginecologista José Alcione Macedo Almeida, presidente da Sociedade Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência (Sogia).

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Não é só o contato consigo mesma que aumenta. As redes sociais tornam os outros muito relevantes. Além dos nudes amadores distribuídos em aplicativos de conversa, há uma infinidade de fotos e vídeos em sites de pornografia.

Algo que antes era restrito a canais pagos de TV agora é compartilhado pelo celular e visto, às vezes, em grupos no recreio da escola. As garotas comparam o corpo delas ao das personagens que não têm pelos pubianos, com partes íntimas clarinhas e lábios internos inexistentes. Tudo muito diferente do que veem em si próprias.

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“Essas atrizes ganharam ares de celebridade e promovem a superexposição e a erotização do corpo. A força da imagem torna ícones aquelas que ficam nuas publicamente e sem pudor”, explica a psicóloga Joana de Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e autora de Corpo pra Que Te Quero? Usos, Abusos e Desusos (Appris/PUC).

A referência chega à adolescente em um momento crivado de insegurança e em que o corpo entra em julgamento. Que corpo é esse e qual é o contexto? A menstruação ocorreu mais cedo do que na geração das avós delas. À sua volta, os jovens já começaram a manter relações sexuais.

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No Brasil, o fim da virgindade se dá, em média, entre 13 e 15 anos. Então, a garota passa a olhar detidamente o corpo das amigas quando vão se trocar juntas. Ela acha que há nela uma protuberância maior do que nas outras meninas, que está fora do padrão, e que todas as pessoas notam isso quando usa biquíni e calça justa. Pronto, está criada a demanda da insatisfação com os lábios da vagina.


 “Hoje eu não faria a operação. Mais madura, entendi que cada um tem um corpo, não precisa seguir um modelo. Em mim, não tinha nada gritante” – Laura Vieira, estudante de arquitetura


O que as meninas – e também as adultas – pedem ao cirurgião plástico? “Um resultado em que os pequenos lábios fiquem escondidos pelos grandes quando a mulher estiver de pé e com as pernas fechadas”, diz o cirurgião plástico André Colaneri, de São Paulo, especialista que tem mais de 400 intervenções no currículo.

Para completar o visual, na clínica de dermatologia ou de estética, as mulheres solicitam a intervenção a laser com o objetivo de deixar a pele dos grandes lábios mais rósea e lisa e a região quase sem pelos.

Daí vem a contradição. A internet, que propaga a onda de liberdade e autonomia e a diversidade, também infla a autocrítica. O corpo nunca é perfeito. E as cirurgias estão à mão, com preços relativamente baixos (de 1,5 mil a 6 mil reais) se comparados aos do implante de silicone (em torno de 10 mil reais).

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“Se você não gosta do seu nariz e pode operar, por que com a vagina deve ser diferente?”, questiona José Alcione, que ressalta também uma mudança na mentalidade dos médicos. “Lá pelos anos 1980, um profissional acharia essa correção íntima uma bobagem. Hoje, compreende o impacto na vida da menina.”

A ninfoplastia tem gerado embates. O médico Luis Henrique Ishida, diretor da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica da Regional São Paulo, defende que na estética não dá para quantificar medidas exatas. “Levamos em consideração a proporção de cada corpo. Por isso, o parecer do médico é subjetivo. Se for identificado um traço de distúrbio de autoimagem, devemos evitar o procedimento e indicar um tratamento adequado”, opina.

(Sara Lorusso)

Whatsapp conselheiro

Em geral, quem passa pela ninfoplastia revela aumento da satisfação e trata a operação como a conquista de uma meta. E ainda divide a experiência em grupos fechados no WhatsApp e no Facebook, que reúnem desconhecidas de diferentes idades e de todas as regiões do país.

A liberdade para falar é total. Muitas descrevem uma vida sexual melhor, sem dor, e relatam o fim de incômodos no dia a dia. As participantes incentivam quem não fez e trocam informações para um pós-operatório mais tranquilo e fotos de antes e depois da ninfoplastia.

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A reportagem participou de várias dessas comunidades virtuais e ouviu informações erradas, confusões sobre sexualidade e saúde e demonstração de imaturidade.

Na mesma conversa, uma jovem revelou que seu noivo tem receio de que a ninfoplastia acabe com o apetite sexual dela. Outra disse que a relação com o ex-namorado lhe causava candidíase, porque ele comia muito fast-food. A terceira comentou que sentiu coceira quando os pontos da cirurgia íntima começaram a secar.

Elas são criativas ao receitar fórmulas de alívio pós-cirúrgico, o que nem sempre passa pelo crivo médico. Além de compressa de gelo, recomendam levar ao freezer um absorvente molhado com chá de camomila e colocá-lo na calcinha depois de congelado para acalmar a pele.

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Em entrevista a CLAUDIA, a estudante paulista Mariana*, 16 anos, que prefere não ter seu nome divulgado, relatou a infelicidade que sentia. “O desgosto com a minha vagina me impediu de perder a virgindade. Por mais tesão que eu tivesse, não conseguia ir em frente.”

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Ela manifestou sua angústia à mãe tantas vezes que a convenceu de marcar um horário na ginecologista. A médica recomendou a labioplastia e o convênio cobriu parte do procedimento, feito em agosto deste ano.

É com medo da interferência no desenvolvimento social e sexual das filhas que os pais recorrem ao médico e assinam o termo de consentimento, indispensável para a realização da prática. Nenhum dos profissionais consultados pela reportagem se recorda de ter presenciado a resistência dos responsáveis. Eles consentem.

André Colaneri lembra que nem toda família é aberta. “Quando a menina chega à minha sala, sei que lutou para romper uma enorme barreira e contar para a mãe que não se sente bem com a própria vagina.”


“O desgosto com a minha vagina me impediu de perder a virgindade. Por mais tesão que eu tivesse, não conseguia ir em frente” – Mariana*, estudante paulista


A falta de um canal de comunicação aberto pode levar a cirurgias precoces ou desnecessárias. Laura, a personagem que abre a reportagem, lembra do constrangimento da mãe quando seu ginecologista sugeriu a intervenção.

Sexo não era um assunto natural na casa dela, nem passou a ser depois da cirurgia. “Não acho que precise envolver uma terceira pessoa, como um psicólogo, mas é importante que os pais ouçam, pesquisem, tenham um diálogo que ajude a adolescente a tomar uma decisão consciente”, acredita.

“Educar requer paciência, persistência para saber lidar com os desejos narcisísticos da filha”, complementa Joana. “Os pais precisam explicar que não é a cirurgia que vai fazê-la feliz nem ajudá-la a sentir-se incluída no grupo das amigas.”

Em gerações anteriores, o piercing, a tatuagem ou o cabelo pintado de vermelho eram a forma de romper com a infância, tornar-se mais atraente e se mostrar independente da família. A ninfoplastia, alteração profunda e complexa, não deve ser vista como rito de passagem para a vida sexual.

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O Conselho Federal de Medicina (CFM) alega que o médico está apto a fazer a avaliação, dizer se a operação é justificável. Com exceção de casos fora da curva, como anomalias que exijam intervenção imediata, o ideal, segundo o órgão, é aguardar o desenvolvimento da menina, que acontece de dois a três anos após a primeira menstruação.

A cirurgia antes da hora pode acarretar a necessidade de uma correção após alguns anos, já que a pele continua crescendo. Além de observar as condições físicas, o médico é responsável por analisar o aspecto psicológico.

Mesmo que o corpo esteja formado, ele tem a obrigação de verificar se a garota desenvolveu consciência corporal e maturidade emocional. A insatisfação passageira dela põe em risco qualquer tomada de atitude, causando até arrependimentos futuros.

(Sara Lorusso)

O procedimento

A ninfoplastia, quando aplicada em pacientes com hipertrofia significativa, evita alguns problemas. Os lábios internos muito proeminentes levam ao acúmulo de sujeira, provocando candidíases e infecções urinárias de repetição. No ato sexual, atrapalham a penetração e causam dor. Nesses quadros, a correção é disponibilizada no sistema público de saúde.

As várias técnicas existentes se aplicam para reparação ou estética. Alguns médicos preferem cortar os pequenos lábios inteiros, enquanto outros retiram o excesso para além dos grandes lábios. A intervenção pode ocorrer só no lado que está maior, corrigindo a assimetria.

Heloísa Dall’Ago Tomasi, cirurgiã plástica com clínica em Maringá (PR), explica que nem sempre é possível extirpar tudo, como algumas desejam. “Não dá para tirar se a capa do clitóris for muito grande”, diz.

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Com o marido, também cirurgião, ela fez um levantamento e concluiu que a procura pela labioplastia cresceu 250% entre suas clientes. Contudo, conta que é raro a paciente pedir a operação na primeira consulta. O comum é apresentar outra queixa e, só depois de estabelecer uma relação de confiança com ela, falar da vagina.

“Algumas vêm pôr silicone na mama. Perto da data do implante, perguntam da cirurgia íntima”, revela Heloísa. A médica disponibiliza o seu WhatsApp. “Assim, se sentem mais confortáveis para tirar dúvidas e decidir.”

Somente cirurgiões plásticos e ginecologistas estão autorizados a realizar a ninfoplastia. O CFM recomenda conferir se o profissional é especializado e não responde a processo por imperícia médica, por exemplo. Melhor ainda se também foi indicado por uma pessoa que comprova o bom atendimento.

A operação pode levar de 40 minutos a três horas e não exige que a paciente fique internada. Mas, dependendo da anestesia utilizada, ela passa uma noite no hospital.

No caso de Mariana, a combinação foi de sedativo com a raquidiana, a mesma usada em cesarianas. “Fiquei algumas horas sem conseguir mexer a perna”, lembra. Nos grupos de WhatsApp, há casos de quem tomou apenas anestesia local e ficou acordada durante o procedimento.

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“Eu não faço com a paciente desperta, pois ela pode se mexer ou ficar ansiosa”, explica André. “O ideal é deixá-la relaxada e ter a melhor condição para um corte preciso, com acabamento perfeito”, destaca.

Ele tem em seus registros diversas mulheres que o procuraram para corrigir cirurgias feitas por outros médicos. “O corte em excesso pode causar dor quando a região do lábio friccionar com a calcinha ou na hora do sexo. Também pode atrapalhar a lubrificação da vagina. A reconstrução na área decepada não é fácil. Mas são raras as reclamações por erro médico nessa prática”, afirma o pediatra Celso Murad, vice-corregedor do CFM. “E os riscos são os mesmos de outros procedimentos estéticos”, pondera.

O importante é que o médico exponha, desde o começo, o resultado possível, mesmo se a menina chegar com um modelo na cabeça. André lembra que elas realizam pesquisas e, apesar de não levarem fotos de referência – como fazem quando vão operar a mama, mostrando imagens de atrizes famosas usando silicone –, imaginam o que querem. “Por isso, é indispensável alinhar as expectativas.”

Os especialistas garantem que não há mudança na sensibilidade e no prazer, já que não se corta a região enervada. A cicatriz é imperceptível. “Meu namorado só sabe que fiz porque contei”, diz Laura.

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A recuperação, porém, tem suas dificuldades. São recomendados pelo menos dois dias de repouso. Os pontos exigem cuidados de higienização e limitam os movimentos no começo. “Ardia para fazer xixi, e eu precisava da ajuda da minha mãe para andar, para tudo”, lembra Laura.

Já Mariana teve que voltar ao médico para refazer pontos que abriram. Entre 30 e 40 dias, a paciente está liberada para o sexo e atividades físicas que produzem impacto na região, caso do ciclismo. Como incha muito, o resultado só é alcançado depois de seis meses.

A cirurgia plástica não deve ser demonizada. Feita com critério, colabora com a autoestima. Mas não pode ser uma tentativa de escapar do processo natural de amadurecimento e autoaceitação.

Os pais ajudam esclarecendo o que é transitório, relativo à fase, e o que afeta no longo prazo. Devem levar a garota a questionar por que suas decisões estão condicionadas à aprovação do coletivo ou do namorado, que às vezes incentiva a prática.

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“O mundo contemporâneo é cruel com o diferente e tornou a estética um dever”, analisa Joana. “No Brasil conservador, onde a mulher é superobjetificada, isso é potencializado.”

O cirurgião plástico Victor Lima, de São Paulo, lembra às meninas que, em um relacionamento saudável, os casais conversam sobre o corpo um do outro, mas os comentários devem ser construtivos, e não agressivos. “Isso não pode virar a força motriz de uma intervenção estética”, adverte. “E, da nossa parte, é preciso pisar no freio quanto às menores de idade; afinal, é um procedimento definitivo.”

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