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Mulheres mastectomizadas contam como se sentiram ao resgatarem as aréolas

Beneficiadas pelo projeto Flow, mulheres no fim do tratamento do câncer de mama contam suas experiências com as próteses areolares

Por Ligea Paixão (colaboradora)
Atualizado em 8 Maio 2023, 19h14 - Publicado em 25 out 2021, 13h00

Pálpebras cerradas, flashs de memória, luz, escuridão. Entre crenças e estudos, há quem defenda que, momentos antes da morte, a vida passa pelos nossos olhos. Se não a trajetória inteira, pelo menos os seus episódios mais significativos ressurgiriam na mente. Uma despedida concedida pelo nosso pensar. É o encarar da vida instantes antes de ela deixar de existir.

Mas e quando é necessário despedir-se de apenas uma parte de nós e seguir existindo? Essa é a realidade, por exemplo, de mulheres mastectomizadas. Curadas ou em processo de tratamento do câncer de mama, elas convivem com a despedida de uma parte simbólica de seu corpo enquanto assimilam uma nova aparência.

Já ao fim do tratamento da neoplasia mamária, Jacqueline Pinto, de 39 anos, reconta com riqueza de detalhes os momentos que antecederam a retirada de uma de suas mamas, incluindo sua aréola. “Eu fiquei de frente para o espelho antes de ir para o centro cirúrgico e disse para a minha mama saudável: ‘dá tchau para a sua amiguinha, mas fica tranquila, pois vai ficar tudo bem comigo. Eu ainda vou estar aqui. Eu preciso ficar curada’.”

Jacqueline Pinto - mastectomia
(Foto: Jacqueline Pinto/Arquivo pessoal)

“Foi a última vez que eu chorei”, conta a entrevistada.

Moradora de São Paulo, Jacqueline descobriu o câncer em 2018. Questionadora, ela conta que não saiu do consultório médico enquanto não entendeu em detalhes tudo o que seu corpo sofreria com o tratamento oncológico e as mudanças às quais estaria exposta: quimioterapia, mastectomia radical com a retirada dos linfonodos e aréola e radioterapia. Essas são as etapas do tratamento e combate de um carcinoma invasivo e agressivo.

“Quando se usa a palavra radical, automaticamente já se pensa que é algo que vai mudar muito a sua vida. Na hora, eu já fiquei imaginando como seria essa mudança para mim”, diz Jacqueline sobre a conversa que teve com sua mastologista sobre a mastectomia. “Por isso, no último momento pré-cirurgia eu tive que tirar uma foto para que depois eu tivesse a chance de ver como eu era. Eu sabia que aquela imagem minha eu não teria mais.”

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Mastologista há mais de 10 anos, Fernanda Barbosa reconhece a agressividade que há na notícia de uma mastectomia. “Eu sempre tive algo muito forte comigo de que a gente não trata o câncer de mama, a gente trata a paciente e todos os efeitos colaterais desse tratamento, tanto os físicos quanto os psicológicos ligados à ansiedade e ao medo da doença”, diz a doutora também diagnosticada recentemente com câncer de mama.

Fernanda Barbosa - mastologista
(Instagram @drafernandabarbosa/Reprodução)

“A mama é uma parte muito simbólica para a mulher, é sinônimo de feminilidade, e mexer com ela afeta a autoestima da paciente”, afirma Fernanda.

 

A médica ainda atribui ao sentido da visão, a vulnerabilidade causada pela neoplasia : “Em uma paciente com câncer de ovário, a gente tira os ovários e ela vai ter no máximo uma cicatriz na barriga. Já quando a gente lida com o câncer de mama é totalmente diferente, porque a paciente vai tomar banho, vai se olhar no espelho e sentirá falta de algo”, defende.

A falta foi sentida na pele por Michelle Nunes, de 35 anos. Diagnosticada em 2013 com o câncer de mama, quando ainda tinha 27 anos, ela conta em conversa com a CLAUDIA que no pós-operatório, mesmo com a prótese mamária, sentiu um vazio.

Michelle Nunes
(Foto: Michelle Nune/Arquivo pessoal)

“Quando eu saí da anestesia eu perguntei para a minha mãe e para o meu namorado se os médicos tinham colocado a prótese mamária, porque eu tocava e não sentia. Eu fiquei com medo de eles estarem mentindo. Minha mãe ligou para o médico e ele confirmou que eu estava com a prótese”, relembra.

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Diferente de Jacqueline, Michelle teve que passar pela mastectomia por duas vezes. Em ambas as cirurgias, toda a mama – incluindo linfonodos, músculos peitorais e a aréola – foi retirada.

“Foi um processo bem doloroso, mas eu queria ser curada”, comenta Michelle, que enfatiza que durante todo o processo encontrou forças em sua principal rede de apoio: sua família.

Michelle Nunes - mastectomia
(Foto: Michelle Nunes/Arquivo pessoal)

Atualmente, a medicina busca evitar na maioria dos casos uma mastectomia radical, que exige a retirada da mama por completo, inclusive da aréola. A cirurgia só é feita em casos extremos ou de prevenção. Além disso, existem diversos procedimentos que auxiliam na reconstrução mamária. Os mais comuns são uso de expansores e próteses, seguidos de iniciativas de reconstrução areolar, tais como as tatuagens e as micropigmentações.

Para ambas as personagens, as cicatrizes que ficam são sinal de sobrevivência. “Eu olho no espelho e eu não fico triste. É uma forma de lembrar do que eu passei e que hoje eu estou bem”, comenta Michelle. Ela enfrenta hoje outro desafio pessoal: o argumento médico de que provavelmente não terá filhos, por causa dos processos aos quais seu corpo foi exposto.

“Eu acredito muito em Deus e sei que se for da vontade dele vai acontecer e sei também que, se não for para acontecer, outras coisas já estão preparadas para mim”, afirma.

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Jacqueline diz ter se apegado a sua positividade para passar por todo o processo e mostra que seu bom humor é seu ponto forte. Com alto astral na hora de visualizar as cicatrizes, ela enxerga em seus seios semelhanças a um emoji piscando.

Jacqueline Pinto
(Foto: Jacqueline Pinto/Arquivo pessoal)

Apesar do avanço no processo de aceitação, Jacqueline e Michele aguardam ansiosamente por uma etapa crucial que envolve o resgate de autoestima: a reconstrução areolar.

Essa etapa, apesar de importante no processo estético, leva tempo e necessita da autorização médica. É o profissional de saúde que durante o acompanhamento expressará para a paciente quando a pele estará preparada para fazer ou não a reconstrução, ou tatuagem.

Visando diminuir a aflição das pacientes durante a espera da reconstrução ou para amenizar a dor de quem não tem condições de fazer, Natalia Martins, CEO e fundadora do Grupo Natalia Beauty, deu início a uma iniciativa gratuita e que não se restringe ao mês de outubro rosa: o Projeto Flow, que visa doar próteses areolares.

Motivada apenas pelo interesse de fazer o bem, Natalia nunca teve contato pessoal ou familiar com o câncer de mama. “Eu não sei como é ter a doença, mas eu posso imaginar que é muito difícil ficar sem a aréola, porque é uma parte muito importante da nossa feminilidade”, diz.

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Produzidas com silicone, as aréolas são feitas manualmente e artisticamente. O responsável técnico pelo Natalia Beauty Lab, Éderson Orlandi, é quem dá o ponta pé inicial criando o molde. Em seguida, Natalia ou as funcionárias da clínica fazem o trabalho de micropigmentação, guiado por fotos que as pacientes mandam. Assim, elas garantem que a prótese tenha a mesma tonalidade da pele e, em alguns casos, da outra mama.

Natalia Beauty
(Foto: Natalia Beauty/Divulgação)

“Eu queria dar sentido de verdade para a vida das pessoas, através de coisas que ninguém consegue medir, o intangível mesmo”, diz Natalia

 

“Com o projeto, a gente consegue de certa forma trazer um conforto emocional para essas mulheres, devolver parte da feminilidade delas, repor a sua autoestima. A sensação de bem-estar que a gente causa também nos dá uma injeção de ânimo”, afirma a CEO.

Sobre as formas de aplicação, a empresária se orgulha em dizer que, até para isso, pensou no que fosse mais acessível para suas beneficiadas. “Ela pode usar tanto cola de cílios, quanto aquela de lace, as perucas que estão se usando muito. A pessoa não precisa de algo muito caro para usar!”, defende.

Para tornar a ação mais humanizada, Natalia ainda fornece junto com a entrega das próteses, uma carta explicando como que a mesma pode ser aplicada e locais em que as colas são vendidas e os modelos mais recomendados.

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Natalia Martins
(Foto: Natalia Martins/Divulgação)

“A cartinha é tão bonita que até dá um ânimo para quem recebe”, compartilha Jacqueline sobre a experiência. “No momento em que eu a recebi, coloquei, me olhei no espelho e eu pude dar oi para a minha mama novamente. O cuidado que ela teve em confeccionar essa prótese, explicar como usa, a gente vê que tem amor naquilo”.

Michelle, que também foi beneficiada com o projeto, designa a ação de outra forma: oportunidade. “Se fosse para pagar talvez eu não tivesse condições”, diz. Ela relaciona a prótese com a liberdade: “Eu posso tirar e pôr a prótese quando eu quiser!”

Natália Beauty
(Natália Beauty/Divulgação)

Para a mastologista Fernanda, é muito importante que suas pacientes e mulheres em geral tenham acesso a iniciativas como essas. “Esse ‘adesivo’ é uma aréola perfeita, é fantástica para ser usada pela paciente no intervalo entre a cirurgia e a reconstrução da aréola”, opina.

O “pedacinho de esperança”, como Jacqueline intitula sua aréola, significa uma vitória. “Para mim, como mulher, tem relação com a sexualidade. Eu não tenho marido ou namorado, mas só pelo fato de eu colocar a minha aréola e me olhar no espelho, para mim é muito gratificante.”

A mudança de perspectiva é notável na sua autoestima “Para mim, o famoso ‘farol aceso’ deixou de ser uma coisa ‘feia’ para ser uma coisa legal. Eu tenho o bico do meu seio, tenho a minha aréola de volta”, comemora.

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