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Cresce número de mulheres que optam pelo explante das próteses de silicone

Em grupos sobre o tema nas redes sociais, elas relatam problemas de saúde, trocam experiências e ressignificam a própria imagem

Por Isabella Marinelli Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
7 jan 2021, 11h25

Assim que abriu os olhos, ainda no centro cirúrgico, a astróloga Thais Menezes não sentiu dor. A sensação de retirada das próteses de silicone era melhor do que a do pós-operatório do implante, dois anos antes. Ela foi tomada por alívio.

A saga do explante da paulista já tinha meses, desde que ela começara a se questionar sobre os motivos que a levaram ao consultório de um cirurgião plástico, em 2017. “Na adolescência, no começo dos anos 2000, as imagens que eu via na mídia eram de mulheres com corpos esculturais, seios fartos. E, quando você não corresponde a elas, começa a pensar que o natural é um defeito. Eu me achava reta; acreditava que me sentiria mais mulher, mais confiante com mamas maiores. A fantasia na minha cabeça era que, quando eu colocasse os implantes, todas as minhas questões de autoestima se resolveriam”, conta.

Ela ficou surpresa ao notar que a expectativa não se revelou; as inseguranças não desapareceram. Somou-se a elas o desconforto físico, que não cedia. Thais não conseguia se acostumar às novas características do seu corpo. “Tentava me convencer de que estava como havia imaginado, mas a sensação não passava. Esse foi o primeiro gatilho do questionamento da decisão”, lembra.

18,8% das cirurgias plásticas no Brasil são para colocação de silicone nas mamas

Pouco tempo depois da operação, surgiram os primeiros sintomas da contratura das próteses. É natural que o corpo crie uma membrana protetora ao redor delas, mas, quando há complicação, essa cápsula fica inflamada, enrijecida e causa dor.

Os seios de Thais estavam extremamente rígidos e doloridos, tornando difícil a realização de movimentos cotidianos, como a prática de exercícios físicos e até abraçar pessoas queridas. Nos exames médicos, mais sinais de que algo não andava bem – uma taxa elevada de inflamação no corpo, além de uma anemia que não respondia aos tratamentos e se manifestava em cansaço extremo.

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Com as mamas cada vez mais retesadas, Thais começou a pesquisar na internet se era possível retirar as próteses e caiu numa reportagem sobre o assunto. Nos comentários da publicação, havia um link que levava a um grupo no Facebook. “Daquele dia em diante, ficou muito claro para mim que eu queria fazer essa cirurgia”, relata.

Encontrada no Instagram e no Facebook, a comunidade @explantedesilicone é administrada, entre outras mulheres, pela professora cearense Larissa de Almeida, que passou pelo procedimento há quase dois anos.

“Coloquei as próteses em 2012. Ainda não era mãe, mas planejava ter filhos. Nas minhas buscas, só tomei conhecimento de intercorrências relacionadas à rejeição do implante e à cicatrização. Engravidei pouco tempo depois da cirurgia e fui acometida por uma inflamação severa, chamada mastite, que deixou meus seios em carne viva na amamentação. Com três anos de prótese, tive contratura na mama direita; com seis, desenvolvi na esquerda”, conta.

Ela sentia também uma série de sintomas que creditava ao envelhecimento: olhos secos, perda de memória, enxaqueca, fadiga extrema. Teve fortes crises de rinite e sinusite; desenvolveu hipersensibilidade ao frio.

Explante da prótese de silicone
(Bordados: Clube dos Bordados / Foto: Carlos Bessa/CLAUDIA)

Ainda cética, voltou a pesquisar e encontrou outras mulheres com manifestações inespecíficas, como as suas. Descobriu a possibilidade do gel bleeding, o microvazamento do conteúdo das próteses e da “doença do silicone”, associada aos sintomas da Autoimmune Syndrome Induced by Adjuvants (Asia), ou síndrome autoimune induzida por adjuvantes, em português, uma condição autoimune, até então considerada rara, causada por substâncias ou elementos externos capazes de estimular anticorpos de pacientes geneticamente propensos.

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A Asia foi descrita em 1998 pelo reumatologista israelense Yehuda Shoenfeld após analisar soldados que tomaram altas doses de vacina contra antraz durante a Guerra do Golfo e, anos depois, passaram a notar sintomas inespecíficos sem causa aparente – classificados em critérios chamados de maiores e menores.

Da mesma maneira que a dose química contida na vacina poderia ser um adjuvante, o silicone também figura na lista de possíveis gatilhos externos. Foi o que aconteceu com Larissa. Após muita investigação, o diagnóstico de Asia foi confirmado por um reumatologista. Tanto para Larissa quanto para Thais, os sintomas desapareceram após a remoção das próteses.

Experiências e histórias como essas inspiraram a instrutora de ioga Nathália Thomas, 34 anos, que explantou as próteses em setembro deste ano e ainda segue em processo de recuperação. A paulistana reconheceu há cerca de seis anos que os peitos artificialmente preenchidos já não faziam parte de sua identidade.

O aumento dos seios me ajudou a me sentir mais bonita no passado, mas por meio do autoconhecimento percebi que aquilo não fazia mais parte de mim”

Nathália Thomas

Depois dos 30, a insatisfação cresceu em escalada por causa das dores nas costas e incômodos relacionados ao peso das mamas. A noite de sono e os momentos de bruços na ioga ficavam cada vez mais difíceis. “Soube por uma youtuber da possibilidade de fazer o procedimento de retirada e, nas pesquisas, associei sintomas que tinha aos da Asia. Eu notava suor noturno, confusão mental, fadiga crônica. Também desenvolvi alergias que não passavam”, conta.

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A gota d’água foi quando descobriu a relação entre o silicone e o linfoma anaplásico de grandes células (BIA-ALCL), tipo raro de linfoma que acomete a membrana que o corpo cria em torno da prótese. “Desde que operei, me sinto muito melhor. Minha energia voltou, as dores e alergias passaram. O aumento dos seios me ajudou a me sentir mais bonita e harmoniosa no passado, mas o autoconhecimento mostrou que aquela coisa gelada e dura não fazia mais parte de mim. Se fosse hoje, repensaria a decisão caso, por exemplo, me contassem que eu perderia cerca de 95% da sensibilidade dos mamilos, como aconteceu. Felizmente, agora ela voltou”, diz.

A troca de vivências, novidades no campo da ciência e a criação de espaços de apoio estão entre os objetivos de Larissa, que organiza ao lado de colegas uma associação de informação e apoio ao explante de silicone, a ser lançada entre meados deste mês e janeiro de 2021. “Quero que as mulheres tomem decisões conscientes e embasadas antes de procedimentos como a colocação de próteses”, argumenta.

Explante da prótese de silicone
(Bordados: Clube dos Bordados / Foto: Carlos Bessa/CLAUDIA)

O EXPLANTE NA PRÁTICA

Ainda que haja indicação multidisciplinar para a retirada ou mesmo forte desejo pessoal, um dos maiores receios de quem está inclinada à cirurgia ainda é o impacto no corpo. Pesa na balança também a resistência de alguns profissionais em fazê-la, segundo relatos de mulheres ouvidas pela reportagem.

Entretanto, o procedimento não é novidade para os especialistas. “A cirurgia do explante de silicone é, via de regra, menos agressiva do que o implante. Na maioria das vezes, utilizamos a cicatriz anterior. Em pacientes sem muita flacidez, a pele retorna sozinha às origens. Já quem teve próteses muito grandes ou tem pouco tecido mamário pode precisar de técnicas complementares para sustentação da região, que incluem manipulação da pele e/ou preenchimento com enxerto de gordura da própria paciente”, explica o cirurgião plástico Alexandre Munhoz, chefe do Setor de Reconstrução Mamária do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo.

Segundo o médico, apesar da tecnologia das próteses encontradas hoje em dia, não é preciso esperar sinais de que algo vai muito mal para fazer trocas ou explante. “A mulher pode estar assintomática e com um bom resultado estético, sem assimetrias, enquanto os exames de imagem acusam rompimentos, ondulações ou outras alterações na prótese. Por isso, são importantes como rastreio”, explica Alexandre. Também vale lembrar que quanto mais velha a prótese dentro do corpo, maiores os riscos de contratura – eles chegam a 40% em implantes com mais de dez anos e a 70% em 20.

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A DOENÇA DO SILICONE

É fundamental instrumentalizar pacientes com informação, ainda mais quando se fala num procedimento que corresponde a 18,8% de todas as cirurgias plásticas feitas no país – número que cresce entre as jovens. São cerca de 319 mil intervenções ao ano, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, que ainda não contabiliza as taxas de explante.

O primeiro implante do mundo aconteceu em 1962, nos Estados Unidos, mas eles só se tornaram populares em meados das décadas de 1980 e 1990. No Brasil, a onda bateu nos anos 2000. Hoje, o país realiza 12,9% de todas as cirurgias desse tipo no mundo.

O dado considera também quem vai para o bisturi depois de uma mastectomia em razão de um câncer ou em busca de empoderamento, no caso de mulheres transexuais. Entretanto, boa parte dos procedimentos ainda se dá por consequência da exposição prolongada a padrões de beleza cruéis. Isso ajuda a explicar por que ainda é difícil falar sobre explante de próteses sem levantar argumentações contrárias relacionadas à beleza e à sexualidade.

A movimentação atual é pautada pela saúde, embora os estudos sobre o tema ainda sejam escassos. “Estamos atentos para que as pacientes sejam ouvidas com atenção ao compartilhar seus sintomas e questões”, afirma o médico Felipe Coutinho, presidente do braço regional de São Paulo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

De acordo com ele, não há dados exatos sobre as brasileiras que decidiram optar pela remoção, mas a SBCP acompanha as resoluções da FDA sobre o assunto. No site do órgão americano, há informações e recomendações acerca da Breast Implant Illness (BII), ou doença do implante mamário.

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Segundo o texto, atualizado em setembro deste ano, “sintomas como fadiga, perda de memória, erupção cutânea, ‘névoa cerebral’ e dor nas articulações podem estar associados aos implantes mamários”. Eles completam dizendo que pesquisadores estão investigando esses indícios para entender melhor as causas.

As autoridades sanitárias pedem que casos do gênero sejam reportados em detalhes, incluindo a especificação da prótese e da marca fabricante. O reconhecimento é importante e torna-se referência, pois o movimento de explante já demonstra força nos Estados Unidos também.

Explante da prótese de silicone
(Bordados: Clube dos Bordados / Foto: Carlos Bessa/CLAUDIA)

No Brasil, o radiologista Eduardo Fleury, coordenador da equipe de Imaginologia Mamária do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC Oncologia), em São Paulo, conduziu um estudo que analisou cerca de 3 mil exames de imagens de pacientes com próteses nos seios.

Era 2016 quando ele leu os primeiros relatos que havia sobre o linfoma anaplásico de grandes células na literatura médica. Por encontrar imagens parecidas nos seus rastreios, passou a prestar mais atenção nos laudos e a pedir biópsias. Foi criado um protocolo de pesquisa.

“A primeira biópsia, de um caso típico, veio com resultado negativo. Estava intrigado, então pedi uma análise de silicone livre e foram encontradas micropartículas de silicone nas lâminas”, relata. Nesse mesmo ano, também começou a ter contato com pacientes que chegavam, encaminhadas por reumatologistas, queixando-se de olho seco, manchas na pele, dores nas articulações, problemas de memória.

A observação demonstrou que alguns implantes mamários, especialmente por volta de sete a dez anos de uso, apresentavam deterioração ou extravasamento do gel. Isso formava um tecido de granulação na cápsula do implante, descrito por ele como granuloma induzido por silicone (ou Sigbic, sigla para Silicone Induced Granuloma of Breast Implant Capsule).

Das pacientes avaliadas, 40% apresentavam sinais de Sigbic. A explicação para os sintomas seria, portanto, uma resposta imunológica local ou sistêmica do organismo às partículas microscópicas de resíduos que circulavam livres pelo corpo.

Os achados reforçam a importância de checar as mamas com regularidade. “Não é o caso de entrar em pânico, principalmente na ausência de sintomas, mas faz-se necessário acompanhar as próteses”, diz Eduardo. Para ele, também é parte fundamental do trabalho dos profissionais da saúde validar as queixas das pacientes, que estão se mobilizando para criar redes entre si. “A organização que vemos hoje vem do encontro de vozes antes isoladas que saem em busca de respostas”, afirma.

Estou com câncer de mama. E agora?

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