Como a dança ajuda a combater a depressão
Confira a história da bióloga Aranaí Guarabyra e sua luta contra a doença através do movimento
” Jamais imaginei que uma pessoa como eu pudesse ter depressão. Sou de uma família de mulheres que dão conta de tudo. Orgulhava-me de nunca ter sido abatida. E, de uma hora para outra, eu me vi tão mal, desconectada, sem nenhum motivo que justificasse. Minha vida, antes vibrante, foi ganhando tons cinzentos. Cada dia uma parte do meu corpo doía. Uma dor crônica, morna, contínua.”
O relato é da bióloga Aranaí Guarabyra, 44 anos, que vive em São Paulo com o marido e os filhos, de 15 e 10 anos. Ela descreve a doença que atinge uma em cada cinco pessoas no mundo; 11,5 milhões de brasileiros, duas vezes mais mulheres do que homens.
Como Aranaí, os pacientes notam que o problema se instala lentamente, afetando o humor e a capacidade de sentir prazer. Demole a motivação e a energia, dá a sensação de corpo pesado, altera o apetite e o sono e traz desesperança. Com tanto sofrimento, a pessoa se isola e a produtividade no trabalho cai.
A bióloga fez o caminho ortodoxo para sair do labirinto – foi ao médico. Mas valeu-se de algo que não imaginava ser tão eficaz para enfrentar a doença da tristeza profunda. Ela dançou em um espetáculo.
A ciência tem demonstrado que as atividades que põem o corpo em movimento e colocam a alma em conexão com o bem-estar, aberta para ajudar o outro, podem funcionar como remédio auxiliar. Evidentemente, só podem ser obtidos bons resultados quando esse tipo de ação está associado à prescrição correta de medicamentos, que corrigem a química cerebral, e à psicoterapia, que atua no sentido de modificar a forma de agir. É preciso recorrer a todos esses recursos para combater a doença.
A Organização Mundial da Saúde havia anunciado que em 2020 a depressão seria a primeira causa de adoecimento e de afastamento do trabalho, superando as complicações cardiovasculares. O prognóstico foi antecipado; isso vai acontecer em 2018. A razão é simples. “Muitos permanecem sem diagnóstico, com culpa ou medo do estigma e, pior, sob risco de suicídio”, afirma a psiquiatra Giuliana Cividanes, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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Ela aponta a conturbada rotina e os hábitos contemporâneos como responsáveis pelo crescimento do número de casos. “As pessoas estão adoecendo menos pelos fatores genéticos e mais pelo jeito de viver”, explica a psiquiatra. Alimentação rica em produtos industrializados, sedentarismo, obesidade e stress desgastam as células, que liberam toxinas inflamatórias capazes de prejudicar várias partes do corpo, inclusive o cérebro.
Quanto mais cedo a depressão for detectada, mais rápida é a recuperação. Giuliana ressalta que nem sempre o deprimido consegue dar um passo sozinho para buscar tratamento. “Não adianta dizer a ele para ir ao médico. Um amigo ou familiar precisa marcar a consulta e levá-lo quando ele não tem forças para fazer isso.” A mesma recomendação se estende às outras estratégias não convencionais.
“Vá junto a uma aula de ginástica, por exemplo. Não espere a pessoa ter vontade”, sugere. A psiquiatra acredita que, se ela for levada a romper a dificuldade, a vontade aparece depois. “A repetição e o condicionamento ativam o cérebro, criando novas vias de comunicação entre os neurônios, o que pode ser transformador para quem se vê no fundo do poço.”
O estímulo das amigas foi fundamental para Aranaí. Ela só foi compreender que seu problema era depressão quando uma delas colocou o dedo na ferida. “Fomos tomar um café. Era um dia chuvoso. Comecei a chorar dizendo que não sabia o que estava acontecendo comigo”, lembra. A amiga a abraçou e disse que Aranaí precisava de ajuda. “Ela me abriu uma janela; minha doença tinha nome, depressão. Voltei para casa, me joguei na cama e passei três dias chorando. Eu não me sustentava mais. Foi assustador.”
A bióloga conta que parecia impossível redescobrir-se aos 44 anos. Procurou um psiquiatra, um terapeuta e acreditou que o remédio a devolveria ao prumo. Mas parecia pouco.
“Tomei coragem e contei em um grupo de WhatsApp sobre a tristeza profunda que eu sentia. Uma amiga me apresentou ao projeto depressão e dança. Participei do processo seletivo. Aquilo acendeu uma chama em mim”, recorda ela. Ao chegar em casa, cansada e suada, ouviu do filho um comentário animador. “Mãe, fazia muito tempo que não te via feliz!”, disse o garoto.
Aranaí foi um dos cidadãos dançantes, elenco de 40 participantes de Próximo Passo. Apresentado em outubro no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, o espetáculo foi uma parceria entre o dançarino e coreógrafo Ivaldo Bertazzo e o laboratório Libbs. “Ensaiamos por quatro meses; um trabalho intenso e difícil, mas prazeroso”, diz ela. O grupo começou engessado, cheio de dúvidas e acanhamento, como observou Ivaldo.
“Por meio dos movimentos, ajustaram a respiração e a postura, criaram força muscular, ampliaram a circulação sanguínea”, afirma ele. “E ainda tiveram de sair da sua redoma para perceber o coletivo. Isso é terapêutico.”
Para Giuliana, a dança associa a eficácia do exercício físico aeróbico aos benefícios da socialização. A dança requer que um confie no outro.
“Ela nos tira do sedentarismo de maneira lúdica. Enquanto a depressão provoca lentidão motora, os movimentos têm efeito mobilizador e ainda trazem a possibilidade de elevar a autoestima.” Sem contar que estimula o desejo de executar as performances com maior senso estético. A psiquiatra ressalta que não é preciso procurar um grupo especial, como aquele composto de pessoas que estavam se tratando ou que haviam superado a doença.
Pode-se matricular numa escola de dança de salão ou mesmo de balé, que parece um gênero impossível para quem não frequentou aulas na infância. Há várias instituições oferecendo lições de balé clássico a adultos iniciantes.
“A dança me beneficiou de uma forma que eu, sempre tão racional, jamais esperava”, conta Aranaí. “Sou outra pessoa.” Estar em movimento a ajudou a perceber e respeitar o ritmo interno. “Saí da depressão reconectada com a vida. Quem diria que essa dor me traria, depois, tanto prazer.”
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