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Marina Silva: “a pior coisa que tem é a velhice sem sabedoria”

A Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima sabe que não há tempo a perder. Ativista há mais de 40 anos, ela só enxerga uma possibilidade: persistir

Por Karin Hueck
Atualizado em 12 jan 2024, 13h28 - Publicado em 12 jan 2024, 07h00

Marina Silva tinha razão. Há décadas, a ex-seringueira e atual ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima vem alertando sobre os perigos de um planeta em desequilíbrio ambiental — nem sempre para ouvidos atentos, porém. Isso vem mudando. “Sinto que está acontecendo um aprendizado rápido”, diz a acreana, que conversou com CLAUDIA um dia depois de voltar da COP28, a Conferência da ONU para o Clima, em Dubai. De lá, saiu com uma proposta de transição para o fim do uso dos combustíveis fósseis, fruto de noites sem dormir e inúmeras reuniões. 

Escolhida em 2023 pela revista Nature uma das dez personalidades mais influentes do mundo para a ciência, Marina relançou o Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia, desativado por Jair Bolsonaro, e conseguiu uma queda de 50% no desmatamento da região nos primeiros dez meses de 2023, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) — no Cerrado, porém, a destruição subiu.

A derrubada pelo Congresso do veto presidencial ao Marco Temporal e a atitude negacionista em relação à crise climática são alguns dos reveses no seu horizonte. Mas ela segue.

Para quem aos 10 anos já trabalhava com o pai no seringal, foi empregada doméstica, cogitou ser freira e atuou como ativista ao lado de Chico Mendes, desistir não é uma opção. A indignação — como a que sentiu ao saber de uma família gaúcha que, em 2023, perdeu três vezes tudo que possuía para enchentes — vira impulso para a ação.

“Não me considero uma otimista, nem pessimista — me considero uma pessoa persistente”, diz. Ao que tudo indica, persistência é exatamente o que o planeta vai precisar.

 

Marina Silva ontem

A senhora ocupa cargos políticos há mais de 30 anos, um período em que o espaço das mulheres mudou muito. A senhora percebe essa transformação nas arenas institucionais? 

Acho que houve uma mudança muito maior no comportamento das mulheres que estão na política. Elas não permitem mais serem moldadas para as estruturas preexistentes. O fato de a gente colocar esse limite e não permitir que as estruturas nos engessem começou a ter um efeito inverso. São as estruturas que estão tendo que se adaptar à nova postura das mulheres.

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Eu me lembro que, quando cheguei ao Senado a primeira vez, em 1995, as pessoas criticavam muito a minha maneira de ser. E eu nunca permiti me engessar. Hoje, você tem um Congresso em que cada uma é da forma que se sente adequada. De certa maneira, me sinto pioneira.

Quando comecei, estávamos experimentando, era uma coisa de tentativa e erro. Nem sempre a gente era assertiva. Em algumas coisas a gente via o machismo e o racismo — e em muitas outras a gente nem percebia. Hoje, a gente vê uma mulher como a Erika Hilton, que se coloca tão bem na cena política, sendo ela mesma. Aí a gente vê que houve realmente uma evolução incrível. 

Como era a situação quando a senhora chegou ao Senado?

Lembro de alguns casos. Um que me marcou muito foi quando eu levei a minha filha pequena para o plenário do Senado. Era uma sexta-feira, uma sessão super esvaziada, e geralmente eu viajava à noite para o Acre e ela ficava muito apreensiva com isso. Então eu comecei a levar as duas mais novas para o gabinete, a Moara e a Mayara.

A Moara era maiorzinha, então concordou em ficar desenhando na minha mesa. Mas a Mayara não queria ficar de jeito nenhum longe de mim. E, como estava muito vazio, ela sentou do meu lado na cadeira. Aí o secretário da mesa avisou: “De acordo com o regimento interno, não podem haver pessoas estranhas neste plenário”.

Então um guarda veio andando na minha direção e eu falei: “Você não vai tirar minha filha de mim!”. O [Eduardo] Suplicy e o Pedro Simon começaram a me defender e foi uma coisa completamente nonsense.

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Saiu até uma matéria grande no jornal na época, com a foto da ‘pessoa estranha’, valente, se agarrando para não sair da cadeira. Minha filha pequena, essa grande ameaça à democracia, à autonomia dos poderes [risos]. Isso me marcou por causa da falta de bom senso com a maternidade, mas teve outros. 

Foto de frente de Marina Silva
(Julia Mataruna/CLAUDIA)

A senhora se lembra de outros episódios?

Sim. Eu era jovem, tinha 35 anos [em 1994, Marina foi eleita a senadora mais nova da história do país], uma mulher negra, de origem humilde. Fui entrando no Senado, e uma pessoa que trabalhava na segurança veio correndo: “Ei, moça, por aí não. Esse é o elevador privativo dos senadores”.

Eu expliquei que era senadora e que tinha acabado de ser eleita. E ele era uma pessoa humilde, uma pessoa preta também e ficou muito preocupado: “Senadora, me desculpe pelo amor de Deus, eu não sabia”. E eu falei: “O senhor não precisa me pedir desculpa. É que a gente não tem costume de ver pessoas como nós nesse lugar aqui, né?”.

Dei um abraço nele e ele ficou super emocionado. Eu vou chamar aquele guarda que também era preto de racista? Não, é uma coisa estrutural. Ser uma pessoa preta de origem humilde — isso são coisas que ficam estampadas na nossa marca. Para ele, o Senado não era o lugar da gente.

Ser uma pessoa preta de origem humilde – isso são coisas que ficam estampadas na nossa marca

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente
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Falando um pouco mais de maternidade: estamos vendo um fenômeno cada vez mais comum, de mulheres optando por não ter filhos. Muitas citam, inclusive, a crise climática como motivo. O que a senhora, como mãe, diria para essas pessoas?

Existe uma ansiedade climática — e também existe uma depressão de futuro. As primeiras palavras [que tenho para essas mulheres] são de respeito e solidariedade com essa falta de esperança. Não é debalde que as pessoas sintam isso.

A outra coisa que eu diria é minha sensação de empenho, porque é um peso muito grande o que a gente está deixando, sobretudo para os jovens. É uma dívida que não tem como ser paga, a não ser com muito trabalho, dedicação e sentido de urgência. Você não pode colocar o peso em cima das pessoas, claro.

Mas tem um momento em que a sociedade, sobretudo nas democracias, carrega um peso muito grande, que é quando ela faz as suas escolhas. Quando eu opto por um negacionista, eu estou comprometendo o meu futuro. Nossas escolhas individuais são fruto de uma ação coletiva.

Marina Silva hoje

A senhora já disse em entrevista que foi criada por pessoas idosas e sábias: avós, tias e tios. Como vê o envelhecimento? Percebe a chegada dessa sabedoria?

Acho que sinto mais o envelhecimento chegando do que a sabedoria [risos]. Tem uma frase, que é do Rei Lear [peça de Shakespeare], em que o bobo fala para o rei: “Tu não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio” [mais risos]. Eu sempre peço a Deus que a sabedoria vá chegando à medida que eu for ficando velha, porque a pior coisa é a velhice sem sabedoria.

A sabedoria dá a noção de que o tempo está ficando curto e precisa ser usado da melhor forma possível, dentro de uma lógica intergeracional. A gente precisa se esforçar para ter a sabedoria do laço social, e entender que nos estendemos para além de nós mesmos. 

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Marina Silva
(Julia Mataruna/CLAUDIA)

A senhora chegou ontem de Dubai. Hoje, teve evento de manhã e está aqui de tarde. Como  se cuida com tantos compromissos?

Quando você tem a felicidade de fazer o que acredita, o que gosta, é difícil trabalhar tanto, mas tem uma parte que também é regenerativa do corpo, da alma, da mente. Sei que infelizmente nem todas as pessoas conseguem ter isso. Às vezes o trabalho é extenuante, difícil, e não o que você gostaria de fazer. Mas no meu caso, graças a Deus, tem essa feliz coincidência.

Eu sou uma pessoa que gosta de ler, gosta de cuidar das minhas plantas, da minha horta. Gosto também de escrever e fazer aquilo que generosamente eu chamo de poesia [risos]. Faço as minhas leituras espirituais, as minhas orações, isso me fortalece. E gosto de fazer artesanato.

Que tipo de artesanato?

Eu gosto de fazer os meus colares. A maioria deles sou eu que faço. Ultimamente, não tenho tido tempo, então ganhei uns muito parecidos com os que eu faço. Esse aqui [amarelo, nas fotos] não fui eu que fiz. Foi uma amiga que me deu de presente.

Já que mencionou seus colares… A senhora tem alguma ligação particular com a moda e a vestimenta? 

Eu tenho uma forma quase orgânica de me vestir, que é minha desde sempre, e que foi evoluindo com meu amadurecimento. Mas eu sempre gostei. Eu trabalhei em um grupo de teatro amador [Grupo Semente de Teatro Amador, entre 1979 e 1982, no Acre], e eu era a figurinista. Então eu gosto de compor as coisas de acordo com o meu estilo, claro. Eu gosto de coisas sóbrias, muito sóbrias. E tenho um amor chamado “marrom” — se eu pudesse, só vestia marrom [risos].

Se a gente depende da vida dos rios, da fertilidade do solo e da pureza do ar, tudo aquilo que agir contrário a eles é anticientífico

Marina Silva
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Infelizmente, é comum na sua vida ser alvo de ataques especialmente cruéis nas redes sociais. Como lida com isso? 

A gente vai aprendendo a criar uma espécie de escudo de proteção emocional, sem deixar a indignação necessária quando preciso. Se não, você permite que essas pessoas desidratem a sua força. E essas pessoas não têm o poder de dizer quem eu sou. Ter essa clareza é uma força.

Há uma ideia que eu gosto muito e sempre repito: a gente não se revela naquilo que a gente diz que é, nem no que as pessoas dizem da gente. A gente se revela quando diz o que o outro é. Então, sempre que as pessoas falam alguma coisa muito perversa, elas estão mostrando quem são. Isso me dá um conforto interior, são pessoas revelando a sua feiura e inferioridade.

Marina Silva amanhã

Marina Silva
(Julia Mataruna/CLAUDIA)

Em junho de 2023, o município de Guajará-Mirim, em Rondônia, concedeu direitos legais ao rio Laje, como um ente “vivo e sujeito de direitos”. Foi a primeira decisão no Brasil a estender direitos a um ser não-humano. O que pensa desse caminho jurídico?

Pensar em um rio como um ser de direitos, ou o planeta como um ser vivo e digno de direitos, tira de nós esse sentido de onipotência que temos — e onipotente é só Deus. Afastar o homem desse lugar é uma forma de nos perceber dependentes uns dos outros e das outras formas de vida. Eu sou uma mulher de fé. E, não por acaso, se você ler os textos sagrados do cristianismo, Deus criou todas as coisas e o último a entrar no processo foi o ser humano. Ou seja, sem essa ambiência nem teria como a gente existir.

Hannah Arendt diz que “a ação humana desprovida dos cuidados que lhe são inerentes destrói não apenas a nossa própria vida, mas também as condições em que a vida nos foi dada”. Nós queremos ter o gozo absoluto sobre todas as coisas, inclusive sobre o corpo da Terra — e aí que surge o desequilíbrio que estamos vendo.

Eu até estava lendo uma frase outro dia…  [Marina Silva procura o livro, é um exemplar de “O Decrescimento” do economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen]. Diz assim: “As atuais leis da física e da química não explicam inteiramente a vida — entretanto, a ideia de que a vida possa violar uma lei natural não tem lugar na ciência”. Isso é incrível.

Se a gente depende da vida dos rios, da fertilidade do solo, da pureza do ar, tudo aquilo que agir contrário a eles é anticientífico. Então não é estranho pensar em direitos para um rio.

As consequências do aquecimento da Terra parecem estar mais visíveis do que nunca. Como a senhora fica quando testemunha Manaus coberta de fumaça ou vê partes do país debaixo de água?

Para quem está nessa luta há mais de trinta anos dizendo que isso ia acontecer, é doloroso verificar que o alerta foi dado tão cedo e os cuidados estão sendo tomados — ainda de forma insuficiente — tão tarde. Quando você vê pessoas morrendo, casas sendo destruídas, e ouve as pessoas falando em “desastre natural”, a gente sabe que aquilo não foi natural. Aquilo poderia ter sido, na maior parte, evitado. Isso causa tristeza e indignação.

Por outro lado, eu sinto que está acontecendo um aprendizado rápido. Agora já não é mais apenas um diagnóstico da ciência, são pessoas vivendo o próprio enunciado, em três dimensões. Eu fico pensando em todo esse CO2 que já inviabiliza o equilíbrio do planeta…

Vamos usar a imaginação um pouquinho. Se esse CO2 fosse se acumulando e formasse um meteoro que se aproximasse da Terra e que em 10 anos nos alcançasse e destruísse, todos estariam trabalhando com a maior urgência, com toda a inteligência tecnológica disponível para tentar dissipá-lo. Tem até aquele filme, né? Não Olhe Para Cima — tem tudo a ver.

Mas a mudança do clima é um mal difuso, todo mundo acha que não é responsabilidade sua. O bom é que eu sinto que essa COP28, a COP29 e a COP30 que vai ser aqui no Brasil estão colocando às claras que não temos mais tempo, só para a ação. Se não, a vida aqui vai ficar insuportável. O meteoro está chegando.

Marina Silva
(Julia Mataruna/CLAUDIA)

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