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Viramos todos adolescentes?

Nossa editora e colunista Liliane Prata comenta as dores e as delícias de um tempo em que ninguém quer envelhecer

Por Liliane Prata
Atualizado em 28 out 2016, 07h27 - Publicado em 9 dez 2015, 15h09
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“Na minha infância, uma pessoa era considerada criança se tivesse de 0 a 11 anos; adolescente, de 11 a 18; jovem, de 18 a 30, adulto, de 30 a 50; e velho era alguém com mais de 50 anos. Hoje, tenho a impressão de que tudo mudou: criança é alguém de 0 a 20 anos (fase de dependência dos pais); adolescentes, de 20 a 40 (fase de indefinições – casa, descasa, muda de trabalho etc); e jovem é qualquer pessoa com mais de 40 anos, ainda que tenha 60 ou 90 anos…”.

O trecho é do livro Palavras de Poder, do jornalista Lauro Henriques Jr. A trilogia reúne entrevistas com grandes nomes da espiritualidade e do autoconhecimento, como Frei Betto, autor das aspas acima, mas imagino que essa impressão ecoe em muita gente. Eu, bem mais jovem que ele – estou com 35 anos –, olho para quando era pequena e vejo grande diferença nos significados e hábitos de cada faixa etária de ontem e de hoje.

Na minha opinião, não se trata de exaltar os velhos tempos, achando que o passado é que era bom e tudo mais. Cada época tem suas maravilhas, tolices e nostalgias. (Nunca me esqueço de que, em textos do Platão, que viveu antes de Cristo, já li personagens dizendo coisas como “os jovens de hoje estão loucos” ou “o mundo está de pernas para o ar”.) Mas é difícil ignorar essa mudança. Assim como é difícil deixar de notar os traços meio ridículos que ela carrega. O caso é que comportamentos que eram esperados só dos adolescentes até não muito tempo atrás hoje se estendem até… Bem, o céu parece ser o limite (literalmente, para os que acreditam que depois da morte a gente vai para lá).

Veja a ansiedade, por exemplo. Passei minha adolescência, no início dos anos 90, ouvindo minha mãe dizendo que isso era um mal da idade e que os adultos são muito mais serenos. Hoje, olho à minha volta e vejo a agitação mental em gente mais velha que eu. E não são só motivos “adultos” que andam fazendo as pessoas ficarem ansiosas, não, como a instabilidade econômica ou o Zika vírus. Estou falando de mulheres bem crescidinhas que estão arrancando os cabelos porque não chega mensagem “dele” ou porque “ele” não curtiu suas fotos… De homens que já chegam cansados ao trabalho porque ficaram até de madrugada na balada, ou perderam a hora nos jogos de computador ou então, quem sabe, tenham ficado até tarde vendo vídeos de humor ou pornografia: tem hábitos mais adolescentes?

Também não faltam pessoas crescidas e superinseguras com a aparência. Ser complexada por causa do nariz, da bunda, da celulite, ter vergonha de usar biquíni na praia, fazer dietas malucas ou ficar comparando o próprio corpo com o corpo das famosas: minha mãe jurava que isso era coisa de adolescente.

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Olhe à sua volta: adolescemos todos?

Cito outro texto agora, esse chamado Juventude, juventudes: pelos outros e por elas mesmas, de Luiz Carlos Gil Esteves e Miriam Abramovay.

“Ao centrar o foco no caso brasileiro, Maria Rita Kehl (2004) constata que o prestigio da juventude é recente. Para tanto, lança mão de escritos do grande dramaturgo Nelson Rodrigues, que, em crônica sobre sua infância, constatava que o país, nos anos 1920, ‘era uma paisagem de velhos [onde] os moços não tinham função nem destino. A época não suportava a mocidade’. Naqueles anos, homens e mulheres eram muito mais valorizados ao ingressarem na fase produtiva/reprodutiva de sua existência do que ‘quando ainda habitavam o limbo entre a infância e a vida adulta chamado de juventude ou, como se tornou hábito depois da década de 1950, de adolescência” (p. 90). Por esse motivo, não mediam esforços para parecerem mais velhos, assumindo posturas e adotando hábitos geralmente associados às pessoas maduras – bigodes, roupas escuras e com um que de solenidade, aspecto grave etc. – como forma de inspirarem respeito e seriedade.”

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Querer parecer mais velho: nada mais fora de moda. O que todos querem é parecer mais novos fisicamente, além de assumir um estilo de vida, um olhar, uma agitação mental, uma intensidade, uma vaidade acompanhada de insegurança, uma preocupação com a opinião dos outros e uma sexualização exagerada que, até outro dia, ficavam lá junto com os hormônios da adolescência.

Vai ver, os adultos sempre foram assim, inseguros e fanfarrões, e só disfarçavam. Vai ver que agora, com as redes sociais, o culto às celebridades, a explosão do consumismo, o imediatismo moderno e tantos outros elementos que caracterizam o tempo e a sociedade em que vivemos, a ansiedade só ficou mais escancarada. Ou, vai ver, tudo isso é novo, ao menos, depois dos 20, 20 e poucos anos.

Bom, embora eu acredite que, em qualquer período histórico, sempre existiram pessoas conservadoras e sérias aos 13 anos de idade e imaturas aos 90, parece que a epidemia da adolescência fora de época é meio recente, mesmo. E, como tudo na vida, essa mudança pode ser lida de maneira mais impiedosa ou mais generosa. Se, por um lado, soa meio patético tantos adultos roerem as unhas por situações que poderiam ter ficado no passado, ou distraídos como eram naquele tempo em que não conseguiam prestar atenção à aula de matemática, ou desfocados e viciados em joguinhos e brincadeiras… Por outro, é lindo que se tenha perdido a vergonha de brincar, de se divertir, de se descontrair. Lembro de ver meu pai jogando Atari várias vezes com meu irmão, mas ele jamais ligava o Atari para ele passar o tempo – afinal, aquilo era “coisa de criança”. Hoje, meu pai baixa vários joguinhos no celular não só para minha filha, mas para ele mesmo. E tudo bem.

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Lembro que os avôs tinham cara fechada, os pais eram rabugentos, as mães sérias e centradas. Se não eram assim, rolava uma culpa, um julgamento, um desencaixe social. Ou, ao menos, essa era a minha impressão.

Que bom é envelhecer sem abrir mão de coisas que nos faziam bem quando éramos mais jovens. Que delícia é poder abraçar nosso espírito mais brincalhão e menos engessado. Que pena que ele veio acompanhado de tanta neura com o corpo, tanta superficialidade, tanto imediatismo… E tanto medo de uma fase da qual todos que não morrerem jovens não vão escapar: a velhice. Aí, não estou falando da velhice do espírito, dos hábitos e das atitudes, mas da velhice da pele e das juntas, mesmo.

Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve esta coluna toda quarta-feira. Para falar com ela, clique aqui!

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