Ryane Leão lança livro com poemas sobre militância negra
Em livro de estreia, escritora negra e lésbica transforma sua dor e luta em versos marcantes
A resistência move Ryane Leão, 28 anos, poeta e professora nascida em Cuiabá. A vida em São Paulo e a dificuldade enfrentada ao perder o pai, negro, ser criada pela mãe, branca, ter de lidar com tantas batalhas levaram-na a fazer Tudo nela Brilha e Queima (Planeta, 34,90 reais), lançado em outubro. “A gente cresce com uma solidão tão grande sendo mulher negra, sem ter nada palpável, que precisa escrever coisas românticas”, diz sobre o livro de estreia.
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CLAUDIA: Como foi sua formação?
Ryane Leão: Estudei minha vida toda com bolsa num colégio de padres. Não tinha condições financeiras, e a mensalidade daquela escola era praticamente o salário da minha mãe. Foi difícil. Quase ninguém falava comigo por eu ser pobre, mas a gente se fortalece. Depois fiz moda na USP Leste para me encontrar, mas no fim virei escritora. É o destino.
CLAUDIA: Você nasceu em Cuiabá e mudou-se para São Paulo. Como é viver aqui?
Ryane: Morei em muitos lugares por questão de grana. Agora vivo no Jardim da Glória (Zona Centro-Sul). Gosto daqui, mas não quero ficar muito tempo. Chega um momento em que precisamos expandir, até porque as oportunidades não são iguais para todas as pessoas.
CLAUDIA: Quando você começou a escrever?
Ryane: Escrevo desde criança. Sempre tive muitos diários, e um dos temas recorrentes era o amor. Passei a frequentar saraus e a fazer blogs. Tornei públicos os meus textos a partir de 2008.
CLAUDIA: O título de seu livro, Tudo Nela Brilha e Queima, refere-se a quê?
Ryane: Tem gente que só quer ver a parte boa da vida, o brilho, e outros só sentem a ardência, o lado ruim. Por que não sentir os dois? Podemos arder de amor ou dor. E falar sobre amor-próprio nem sempre significa encontrar esse sentimento. Geralmente dizem isso sobre as escritoras feministas. As pessoas romantizam demais, acham que a gente nunca cai. Existe o mito da mulher negra forte, que não fraqueja. Mas podemos e devemos cair para emergir.
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CLAUDIA: Você se assume como feminista?
Ryane: Eu já era feminista antes de conhecer o termo. Mas é preciso dizer que o feminismo branco não me contempla. Nem às minhas manas.
CLAUDIA: Você foi criada somente por sua mãe?
Ryane: Meu pai morreu com 38 anos, de cirrose, mas desde que eu tinha 8 anos ele já não vivia em casa. Minha mãe o expulsou depois de ter sido traída. Tenho memórias ruins da infância. Queria que meu pai estivesse vivo porque gostaria de ter com ele esse papo de negritude.
CLAUDIA: Muitos de seus poemas falam de relacionamentos opressivos. São referências autobiográficas?
Ryane: Já tive relacionamentos abusivos, inclusive com mulheres. Sou lésbica e já fui agredida física e verbalmente. Os poemas são sobre mim, mas também sobre muitas outras mulheres.
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