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Ministério da Saúde ignorou exigências legais ao editar portaria do aborto

A nova portaria, editada em setembro, exige que os hospitais notifiquem autoridades policiais em casos de aborto por estupro

Por Da Redação
Atualizado em 22 abr 2024, 11h21 - Publicado em 26 out 2020, 16h10

O Ministério da Saúde não cumpriu etapas legais para a adição de normas e não apresentou fundamentos técnicos para publicar as portarias que limitam o aborto legal em caso de estupro, segundo informações do HuffPost Brasil. Documentos mostram que houve motivação religiosa e política na elaboração dos documentos assinados pelo ministro da saúde Eduardo Pazuello.

Segundo a publicação, o Ministério da Saúde foi pressionado por entidades da sociedade civil e pela Defensoria Pública da União para editar a norma. O documento se refere ao Instituto de Defesa da Vida e da Família (IDVF) e à Associação Virgem de Guadalupe, representada por um defensor público.

Em um e-mail de 13 de fevereiro, divulgado pelo HuffPost, a presidente da Associação Virgem de Guadalupe, Mariangela Consoli de Oliveira, pediu que Danilo de Almeida Martins tomasse providência para a revogação da norma vigente referente ao aborto legal. “A revogação dessa norma se faz urgente, pois evitará fraudes em relação à comunicação de estupros e consequentemente salvará vidas humanas”, diz o texto.

No mesmo dia em que recebeu o e-mail, Danilo Martins enviou um ofício à Luiz Henrique Mandetta, então ministro da saúde, pedindo a revogação da portaria nº 1.508, de 2005, que determinava que não era necessário a apresentação de boletim de ocorrência para a realização do aborto legal em caso de estupro. Segundo ele, a portaria estava em desacordo com a Lei 13.718, de 2018, que tipifica os crimes de importunação sexual e estupro e torna pública incondicionada a ação penal em caso de estupro.

“Cientes de que este governo tem reiteradamente manifestado seu compromisso com a defesa da vida e que a exigência de boletim de ocorrência associada à previsão da obrigatoriedade de o médico comunicar a autoridade competente a existência de um crime contra a liberdade sexual resultará em um maior controle desse tipo de procedimento”, afirma o documento.

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Em resposta ao ofício enviado em fevereiro, o Ministério da Saúde emitiu o parecer técnico nº 55/2020 do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, ligado à Secretaria de Atenção Primária à Saúde, em 8 de abril. O texto nega o pedido de revogação da portaria e afirma que “é recomendável que manifestações dessa natureza tenham como destino o Conselho Nacional de Saúde, órgão pareado com o Ministério da Saúde (MS), responsável pela representação coletiva da participação da comunidade junto à União”. E o texto continua da seguinte forma: “Não é possível transigir, nesse momento, o peticionado, em função que a supressão de atos infralegais que dão curso ao que a lei determinou, pode significar hiato normativo gerador de barreiras de acesso ao cuidado, nas circunstâncias em que o Poder Legislativo já afirmou o interesse da coletividade brasileira”.

Apesar de negada por Luiz Henrique Mandetta, a nova portaria foi aprovada por Eduardo Pazuello, atual ministro, em agosto, e editada em setembro. Segundo o HuffPost, a pasta não apresentou mais nenhuma documentação que comprove que houve análise técnica de outras áreas, como é comum acontecer. Em geral, os pareceres são debatidos com a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), composta pelos secretários estaduais e municipais de saúde, e com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), antes da aprovação do ministro. Não houve qualquer debate sobre as alterações.

Em entrevista ao HuffPost, o advogado sanitarista e ex-integrante da Secretaria de Atenção à Saúde do ministério, Thiago Campos, afirmou que é dever das consultorias jurídicas dos ministérios avaliarem as mudanças nas normas e, caso isso não aconteça, a portaria pode ser questionada por uma ação civil pública. “O ato administrativo precisa ter motivação, elementos que o compõem que são essenciais para sua validade. Um ato produzido sem respeito a essas obrigações é inválido. As manifestações dos órgãos de assessoramento sempre são formais, seja uma parecer ou uma nota técnica. E há uma necessidade pelo processo administrativo que deve gerar atos continuados num fluxo, de ele ser também publicizado”, completou o jurista.

A Associação Virgem de Guadalupe, além de pressionar o Ministério para a mudança da lei, atuou para tentar impedir o aborto da menina de 10 anos que engravidou após sofrer estupros do tio por anos, no Espírito Santo. Além disso, a instituição foi beneficiada com repasses do programa Pátria Voluntária, presidido pela primeira-dama Michelle Bolsonaro.

O que mudou na Lei?

Desde 1940 o Código Penal não considera crime a realização de abortos em caso de estupro ou risco de morte para a grávida. Em 2012, o direito foi ampliado para casos de anencefalia. A portaria nº 1.508, de 2005, que Danilo Martins pediu para ser revogada, teoricamente tornava o processo mais simples, já que a gestante não precisaria provar a agressão sexual, bastava procurar o serviço de saúde e informar o caso para que a interrupção fosse feita. Porém, na prática, muitas mulheres e meninas já tinham o direito negado

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A nova portaria, assinada em 27 de agosto pelo ministro Eduardo Pazuello, obriga as autoridades de saúde a notificarem uma autoridade policial quando receberem uma mulher que deseja realizar a interrupção da gravidez decorrente de estupro. Além disso, a equipe médica deveria oferecer à vítima um exame de ultrassonografia para ver o feto antes do procedimento e a grávida deveria relatar o ocorrido para dois profissionais de saúde e assinar um termo de consentimento que apresentava uma grande lista de riscos que sofreria caso realizasse o aborto.

A portaria não foi bem vista por diversos movimentos sociais e parlamentares. Por isso, o governo recuou e, em 23 e setembro, publicou mais uma portaria, muito similar à anterior, mas menos explicita. O novo texto prevê que a equipe médica “deverá comunicar” as autoridades policiais se houver indícios ou confirmação do crime de estupro, enquanto o texto de agosto dizia que a notificação era obrigatória.

A obrigatoriedade de oferecer o ultrassom foi retirada, mas a necessidade de relato para dois profissionais se mantém. Por enquanto, ainda não há previsão de quando a mudança será analisada pelo Supremo Tribunal Federal.

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