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Após realizarem abortos legais, italianas descobrem túmulos com seus nomes

A suspeita é de que grupos anti-aborto estejam por trás da exposição das mulheres em cemitério de Roma

Por Da Redação
8 out 2020, 17h00
 (Angela Giuffrida/The Guardian/Reprodução)
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Mais de 100 mulheres italianas entraram na Justiça solicitando que seja investigada a existência de túmulos marcados com os nomes das mães em um cemitério de fetos localizado em Roma.

Segundo informações do The Guardian, os túmulos foram descobertos na última semana. Curiosa após ler nos jornais italianos sobre os chamados “campos de anjos”, uma mulher decidiu investigar e encontrou uma cruz de madeira com seu próprio nome e a data em que o feto foi enterrado em um terreno no cemitério da região de Prima Porta.

Ela compartilhou o ocorrido no Facebook e desde então outras mulheres se reuniram para apresentar queixa à promotoria de Roma, alegando violação de direitos humanos e de privacidade.

Composto por duas seções, o cemitério de fetos possui centenas de túmulos, alguns datando desde 2012. Em determinadas áreas, existem pilhas de cruzes antigas no chão, indicando que algumas sepulturas foram utilizadas mais de uma vez. Os lotes foram localizados com a ajuda de um banco de dados do cemitério.

Uma das mulheres, Francesca, de 36 anos, revelou ter quase desmaiado ao descobrir a existência de uma cruz com seu nome marcando o local onde estão enterrados os restos mortais de sua filha.

Ela encerrou a gestação aos seis meses, após descobrir uma malformação que provavelmente causaria a morte do feto. Mesmo o aborto sendo legalizado na Itália desde 1978, se passaram 10 dias até que um hospital concordasse em realizar o procedimento, feito em setembro de 2019.

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Pela legislação italiana, todos os fetos de abortos realizados após três meses de gravidez podem ser enterrados, desde que haja autorização materna. Francesca, porém, assim como todas as mulheres cujos nomes estão gravados nas cruzes, não havia consentido o sepultamento. Mesmo assim, o túmulo foi criado em dezembro, três meses após a interrupção da gestação.

“Depois da imensa dor de perder minha filha, descobrir esse ato bestial foi horrível”, disse ela ao jornal. “Eu perguntei várias vezes ao hospital o que havia acontecido com o feto e eles me fizeram acreditar que havia sido jogado fora. Então onde ele ficou por três meses? E enterrá-lo com o símbolo de uma cruz, o que não consenti, e com meu nome nela me parece uma punição.”

Procurada, a ASL, órgão de saúde italiano, não comentou o caso. Já o hospital San Camillo, onde a mulher que divulgou a existência do cemitério fez o aborto, negou responsabilidade.

Em comunicado, a instituição disse que a identificação dos restos mortais com os nomes das mães é feita apenas para fins de elaboração das autorizações de transporte e enterros. E que esses detalhes são fornecidos à AMA, empresa que administra os cemitérios romanos.

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“As atividades subsequentes relativas ao transporte, manejo e sepultamento do feto são de competência completa e exclusiva da AMA”, informou o San Camillo. “O hospital e a ASL de forma alguma contribuem em qualquer decisão relativa às atividades de sepultamento.”

Por sua vez, a AMA também negou responsabilidade, alegando realizar os enterros por instrução da ASL.

Culpabilização

Para Livia Turco, ex-ministra da Saúde, a hipótese é de que grupos anti-aborto estejam por trás da exposição dos nomes das mulheres nos túmulos. Junto com católicos e membros da extrema direita, esses grupos demandam há anos a criação dos “campos de anjos” e, muitas vezes, encontram apoio entre políticos locais ou funcionários de instituições públicas.

A prática de marcar os nomes das mães nas sepulturas, porém, era desconhecida por Livia e outros ativistas até então. “A questão da privacidade é séria e precisamos descobrir quem é o responsável”, disse. “Mas é óbvio que essa iniciativa é fruto de uma mobilização promovida por grupos católicos que talvez tenhamos subestimado – não apenas em Roma, mas em toda a Itália.”

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Enquanto aguardam respostas, ativistas pedem que a prefeitura de Roma e o atual ministro da Saúde, Roberto Speranza, intervenham. Eliza Ercoli, presidente da Differenza Donna, grupo que entrou na Justiça por causa dos túmulos, afirmou que continua a receber diariamente dezenas de ligações de todo o país.

“Encontramos cruzes que datam de 2012 até 2020, mas existem mulheres reportando casos de 2005. Deve haver um procedimento sistematizado por acordos, mas com que motivo? Quem tomou essas decisões e por interesse de quem?”, questionou.

Apesar das quatro décadas de legalização, as mulheres italianas ainda lutam para ter acesso a abortos seguros, pois muitos ginecologistas ainda se recusam a fazer a interrupção por razões morais. Em Roma, somente cinco hospitais realizam o procedimento.

Uma das poucas ginecologistas que realizavam abortos enquanto estava na ativa, a médica Silva Agatone relatou saber da existência dos cemitérios para fetos, mas nada como que foi encontrado em Prima Porta.

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“Cemitérios como este existem desde 1937 e, na época em que a lei foi feita, de que importavam as mulheres? Assim, os grupos de direita vieram e os exploraram com seus ‘campos de anjos’. Ninguém verificou de quem eram os nomes nas sepulturas. Eu nunca teria imaginado algo assim.”

“Eu senti muita dor depois do meu aborto e gritei e gritei por sete horas, mas ninguém entrou na sala para me ajudar por objeção moral”, contou Francesca. “Na Itália, apesar da lei, não se pode abortar de forma civilizada. E é isso que precisamos discutir mais.”

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