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‘Mãe leoa’: ela matou homem que estuprou filha e ganhou perdão da Justiça

Nokubonga Qampi chegou a ser presa, mas conseguiu provar que agiu em legítima defesa

Por Da Redação
Atualizado em 18 fev 2020, 10h22 - Publicado em 1 abr 2019, 18h31
 (BBC/Reprodução)
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Nokubonga Qampi dormia quando um telefonema em plena madrugada a despertou. Do outro lado da linha, a 500 metros de distância, uma jovem contou o que poderia ser o enredo de um pesadelo: naquele exato momento, Siphokazi, filha de Nokubonga, estava sendo violentada por três homens, todos conhecidos.

A reação imediata da sul africana foi buscar ajuda da polícia, porém sua ligação não foi atendida. Sabendo que, de qualquer forma, o socorro demoraria a chegar até a aldeia onde vive, nas colinas da província de Cabo Oriental, Nokubonga percebeu que era a única que poderia fazer alguma coisa. Assim, ela controlou o medo e foi ao encontro da filha.

Eu ficava pensando que quando chegasse lá, ela poderia estar morta… Porque ela conhecia os agressores, e porque eles a conheciam e sabiam que ela os conhecia. Eles poderiam pensar que precisavam matá-la para não serem denunciados”, conta ela à BBC.

Por segurança, ela levou consigo uma faca. “Peguei (a faca) para mim, para andar daqui até onde o incidente estava acontecendo, porque não é seguro. Estava escuro e eu tive que usar a lanterna do meu celular para iluminar o caminho.” 

A cena do crime

Siphokazi estava na mesma aldeia, visitando alguns amigos. Durante a madrugada, eles saíram e ela ficou sozinha na casa, onde acabou adormecendo. Foi então que, por volta de 1h30, três homens que estavam bebendo em uma residência vizinha a atacaram.

Conforme se aproximou da casa, Nokubonga conseguiu ouvir os gritos da filha. E, ao entrar, com auxílio da luz do celular, pôde ver a jovem sendo estuprada.

“Eu estava com medo… Fiquei parada perto da porta e perguntei o que estavam fazendo. Quando eles viram que era eu, vieram na minha direção, foi quando eu pensei que precisava me defender, foi uma reação automática”, explica Nokubonga. Sobre o que aconteceu em seguida, ela se recusa a entrar em detalhes.

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Segundo Mbulelo Jolwana, juiz que conduziu o caso, o depoimento de Nokubonga deixa claro o quanto ela ficou abalada ao ver a filha ser violentada. “Entendi que ela queria dizer que estava tomada pela raiva”, disse. Por sua vez, Nokubonga admitiu ter sentido medo – por si própria e pela filha.

Hoje sabe-se que, quando os agressores tentaram atacá-la, ela reagiu, ferindo-os com a faca. Acuados, eles então tentaram escapar. No fim, um dos suspeitos morreu e os outros dois ficaram gravemente feridos. Nokubonga não ficou para ver o que aconteceria com eles. Sua maior preocupação era a filha, a quem levou para a casa de um amigo nas redondezas.

Presa

Quando a polícia finalmente chegou, foi para dar voz de prisão à Nokubonga e levá-la para a delegacia local. Presa, a mulher não deixava de pensar em Siphokazi. “Eu ficava pensando na minha filha”, diz. “Não tinha nenhuma informação [sobre ela]. Foi uma experiência traumática.”

No hospital, a jovem passava por algo semelhante. Sentindo-se arrasada pela perspectiva da mãe passar anos presa, ela desejava poder tomar seu lugar na cadeia.

O trauma acabou por apagar boa parte do ataque de sua memória. Siphozaki apenas sabe do que aconteceu por meio de sua mãe, que foi visitá-la dois dias depois, após pagar fiança e ser liberada.

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Na semana seguinte, as duas conheceram Buhle Tonise, que viria a ser a advogada representante de Nokubonga. “A mãe estava transtornada”, conta Buhle. “Quando você encontra pessoas que estão nesse nível de pobreza, você sabe que na maioria das vezes elas acham que a mãe vai para a cadeia porque ninguém vai ficar ao seu lado. O sistema de justiça é para quem tem dinheiro.”

Ainda assim, Buhle tinha confiança de que o argumento de legítima defesa poderia salvá-la. Seu maior desafio, curiosamente, era a descrença da própria cliente.

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Para a surpresa de ambas, contudo, a imprensa converteu-se em uma aliada importante da luta de Nokubonga. Protegendo a identidade de mãe e filha, um jornal noticiou o fato e deu à Nokubonga a alcunha de “mãe leoa”. Acompanhado de uma foto de uma leoa com seus filhotes, o apelido se popularizou.

Raridade

Tamanha atenção a um caso de estupro é coisa rara na África do Sul. Com cerca de 110 casos por dia, o país vive o que o presidente Cyril Ramaphosa classificou como uma crise nacional. Em Lady Fere, a vila onde moram Nokubonga e Siphokazi, apenas entre 2017 e 2018 foram registrados 74 casos. Considerando que a população local está abaixo dos 5 mil habitantes, o número é alto.

Receber um enorme destaque em meio a tantos casos não foi algo bem compreendido, ao menos no começo. “A princípio, eu não gostei porque não conseguia entender”, diz Nokubonga. “Mas no final entendi que significava que eu era uma heroína, porque quando você pensa em um leão, ele protegeria seus filhotes.”

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Comovida pela história, a população chegou a fazer uma espécie de vaquinha para ajudá-la a arcar com os custos da defesa. Mas a real dimensão do apoio só foi assimilada um mês após o ataque, na primeira vez que Nokubonga compareceu ao tribunal.

“Havia gente de toda a África do Sul. Eu agradeci àquelas pessoas, porque o fato de o tribunal estar cheio significava que elas me apoiavam. Elas realmente me deram esperança.”, conta ela.

Justiça

Ao se apresentar diante do juiz, veio a segunda surpresa. As acusações haviam sido retiradas. “Eu fiquei lá parada, mas estava animada, estava feliz. Naquele momento, eu soube que o sistema judiciário era capaz de separar o certo do errado, que eles eram capazes de dizer que eu não tinha a intenção de tirar a vida de alguém.”

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O arquivamento do caso também aliviou Siphokazi. De acordo com Buhle, ao receber a notícia, a jovem riu pela primeira vez em muito tempo. Seu outro desejo agora era ver os agressores presos. O que levou mais de um ano para acontecer.

Em dezembro de 2018, os suspeitos sobreviventes, Xolisa Syeka, de 30 anos, e Mncedisi Vuba, de 25 anos, foram sentenciados a 30 anos de prisão cada.

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“Fiquei feliz”, diz Siphokazi. “Me senti mais segura, mas uma parte de mim dizia que eles mereciam prisão perpétua.”

Aos 27 anos, ela abandonou o anonimato para encorajar outras vítimas de estupro. “Eu diria a essas pessoas que há vida mesmo depois de um ataque como esse, que você ainda pode voltar para a sociedade. Você ainda pode viver sua vida”. Sem ter recorrido à terapia, ela conta com a ajuda materna para se recuperar.

Já Nokubonga surpreende por não nutrir raiva dos estupradores. “Espero que, quando terminarem de cumprir a pena, voltem transformados”, diz ela, “para contar esta história e ser um exemplo vivo”.

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