Bebê de 2 meses morre sufocada em carrinho
Alice escorregou e prendeu a cabeça na estrutura lateral do equipamento. "Não deixem seus bebês sozinhos, vou ao cemitério todos os dias", diz mãe da menina
Eram pouco mais de 10h30 da manhã de um domingo quando a esteticista Francine de Oliveira Viana, 32 anos, encontrou sua bebê Alice Vitória, de apenas dois meses, pendurada pelo pescoço no carrinho de passeio onde ela havia sido colocada para tirar um cochilo depois de mamar. A bebê dormia no quarto com o irmão Davi, 4 anos, enquanto a mãe preparava uma mamadeira para a outra filha, Ester, 2 anos. Os poucos minutos que Francine se ausentou do quarto foram suficientes para que Alice se mexesse no carrinho e escorregasse, prendendo a cabeça na estrutura lateral do equipamento.
Sozinha em casa com os filhos (Francine é mãe de seis crianças), a esteticista pegou a filha no colo e imediatamente ligou para os bombeiros, que a orientaram a virar a bebê de barriga para baixo e bater nas costinhas, para que ela voltasse a respirar. Levada às pressas para o Hospital Regional de Sinop (MT), Alice chegou a ser reanimada, mas precisava de uma UTI neonatal, não disponível na unidade. Morreu sete horas depois, em março.
“Não fiquei mais do que cinco minutos longe do quarto. Quando eu vi, minha filha estava com a cabecinha presa e os joelhinhos apoiados na proteção das rodas do carrinho. Até hoje eu busco uma explicação, já me culpei muito, faço terapia e vou ao cemitério todos os dias. Alice foi um presente que Deus me deu, mas infelizmente fiquei muito pouco com ela”, diz Francine ao contar que sofreu um AVC 13 horas depois do parto, no início do ano, e ficou 21 dias internada longe da filha. “Se eu pudesse voltar no tempo, não deixaria mais minha filha sozinha nem por um minuto. E isso é o que eu aconselho outros pais: não deixem seus bebês sozinhos.”
Apesar de rara, a tragédia na casa de Francine não é exceção. Um caso praticamente idêntico aconteceu há dois meses em Itajaí (SC), envolvendo Lorenzo, um bebê de sete meses que também foi colocado para dormir no carrinho de passeio e escorregou sem que seus pais percebessem, prendendo a cabeça no cinto de segurança. Quando os pais acordaram, encontraram Lorenzo já sem vida. O Conselho Tutelar da cidade foi acionado e foi feito um boletim de ocorrência de acidente doméstico.
“Fui acionada pelos bombeiros. Quando eu cheguei, a mãe estava com o bebê no colo, chorando desesperadamente. Pelo cenário e pelas condições da criança [era um bebê grande, bem vestido, saudável], a gente consegue perceber que não havia maus-tratos naquela casa. Foi uma fatalidade”, diz Anadir Schneider, conselheira tutelar que atendeu a ocorrência.
Sufocação
Os dois casos envolvendo Alice e Lorenzo são registrados como morte por sufocação e servem de exemplo para endossar os dados mais recentes sobre morte de crianças por acidentes domésticos: apesar de ter ocorrido queda geral, o número de mortes por sufocação aumentou 2% de 2015 para 2016, último dado disponível – o suficiente para acender a luz de alerta e fazer a ONG Criança Segura lançar neste mês a campanha “Dormir Seguro”, com dicas para que os pais evitem essas mortes acidentais.
Na campanha, é feito um “retrato falado” dos potenciais causadores de problemas na hora do sono: pelúcias; almofadas; naninhas; protetores de berço e excesso de cobertas. “Qualquer objeto macio que possa tampar o nariz e a boca do bebê ao mesmo tempo são perigosos e representam risco de sufocação. Por isso sempre desaconselhamos o uso de protetores de berço e decoração com pelúcias”, explica Gabriela Guida de Freitas, gerente executiva da ONG. Ela ressalta, ainda, que a chegada do inverno costuma aumentar os casos. “Os pais tendem a colocar muitas cobertas, o que é um risco. O recomendado é agasalhar bem o bebê com roupas e colocar apenas uma manta leve”, diz.
Sobre os casos envolvendo os carrinhos, Gabriela ressalta que o equipamento não é adequado para os bebês dormirem por conta da inclinação. “Carrinho de passeio não é um local seguro para colocar um bebê para dormir. Ele deve ser usado apenas para transporte. A inclinação dos carrinhos, por menor que seja, é suficiente para fazer o bebê escorregar”, orienta. Segundo Gabriela, a cabeça de um bebê corresponde a 25% do peso da criança – enquanto em um adulto ela representa apenas 6% do peso. “Por isso o primeiro ano de vida é tão crítico. O bebê não tem forças para segurar ou puxar a cabeça”, explica.
Segundo levantamento da ONG Criança Segura com base nos dados do Ministério da Saúde de 2016 e divulgados ontem, a sufocação é a principal causa de morte em bebês com menos de um ano: de um total de 826 casos, 77% aconteceram em crianças dessa idade; 32% por inalação de conteúdo gástrico (como vômito, por exemplo); 22% por engasgo com alimentos (como uva, tomate cereja, pipoca); 6% por estrangulamento acidental na cama/leito (onde se enquadram os dois casos do carrinho) e 4% por inalação de pequenos objetos.
Outros casos
E não é apenas a sufocação que pode causar problemas às crianças. Casos como quedas, queimaduras, intoxicação e afogamento também são preocupantes e ocorrem com frequência dentro de casa – a queda é a principal causa de hospitalização, totalizando 51.928 casos em 2017, seguida de queimaduras, responsáveis por 20.864 casos de internação. Segundo Gabriela, 90% dos casos de acidentes domésticos poderiam ter sido evitados.
É o que aconteceu na casa da administradora em comércio exterior Flávia Monik de Souza Nicolau, 42 anos. Mãe do casal de gêmeos Miguel e Clarah, ela passou por um susto pouco antes do Carnaval. Flávia conta que estava com as crianças na sala e se levantou rapidamente para ir ao banheiro. Como sua funcionária estava na cozinha, deixou os gêmeos brincando. Menos de um minuto depois, ouviu o choro desesperado de Miguel. O bebê, que tinha 11 meses na época, subiu no braço do sofá e, provavelmente, tentou entrar no cercadinho e acabou com o pescoço preso.
“Como ele não conseguiu, ele deve ter tentado voltar para trás, mas acabou prendendo o pescoço entre o ferro da grade do cercadinho, o sofá e a parede da sala. Quando cheguei, ele já estava com os olhinhos arregalados e ficando roxo, foi desesperador”, relembra Flávia, que afastou o cercadinho da parede segurando o bebê para que ele não caísse. “Ele estava quase desmaiado.” Sem perceber a gravidade do caso, a funcionária continuou na cozinha. “Ela foi incapaz de perceber que o menino estava aos berros”, conta.
Depois da experiência traumática, Flávia diz que não deixa mais os dois sozinhos por nenhuma razão, encheu a casa de tapetes de EVA, além de proteger os outros cômodos com portões para evitar que as crianças saiam da sala. “Fiquei muito mais detalhista. Observo tudo o tempo todo e virei ‘prisioneira’ da minha própria sala”, conta.
Na casa da motorista Kátia Beltrão Guimarães, 27 anos, o susto foi no dia 9 deste mês e envolveu sua filha Kauanny, 2 anos. Eram quase 23h quando a menina enfiou um pequeno brinquedo no nariz, enquanto Kátia arrumava a cama para irem dormir. “Ela começou a chorar e a gritar que estava com dor. Ela havia colocado a pedrinha de um anel de plástico dentro do nariz e não estava conseguindo respirar”, diz Kátia, que passou por três hospitais até chegar ao Hospital das Clínicas de São Paulo, onde enfim conseguiu resolver o problema. “A médica enfiou uma pinça bem grossa e conseguiu puxar. Foi um alívio”, conta a motorista, que desde então passou a ficar de olho nos brinquedos pequenos.
Rafael Santos Gonçalves, então com dois anos, queimou as mãos ao retirar o protetor da tomada de casa e colocar duas chaves nos buracos. O circuito fechou e pegou fogo na hora. Tudo aconteceu em questão de minutos, depois que o pai de Rafael chegou do trabalho e deixou as chaves em cima do rack da sala. A auxiliar de enfermagem Jéssica Camila Santos Gonçalves, 29 anos, mãe de Rafael, estava na sala com o filho, mas acabou cochilando. “Acordei com o barulho do estouro e dele falando que a mãozinha estava pegando fogo. As chaves derreteram”, lembra.
O resultado foi uma bolha na palma da mão do tamanho de um limão e dois dedos queimados. Por ser da área de saúde, Jéssica cuidou do filho em casa e conta que demorou mais de 15 dias para a bolha secar definitivamente. “Mudamos totalmente a rotina. Estávamos acostumados a fazer coisas em outro cômodo da casa enquanto ele assistia TV. Hoje isso não acontece mais. Na cozinha, por exemplo, não tinha porta e colocamos por causa disso”, diz.
Gabriela diz que a maioria dos casos poderiam ter sido evitados e reforça que não pretende colocar as crianças numa bolha. “Os acidentes domésticos são muito comuns, mas pouco se fala disso. São a principal causa de morte de crianças, mata mais do que doenças. Todos acontecem muito rápido, num piscar de olhos”, diz. A orientação, por mais simplista que seja, é a de sempre: nunca deixe uma criança sozinha sem supervisão. Qualquer descuido pode ser fatal.
Veja também: Como deixar a casa à prova de acidentes domésticos
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