Quase nada: a decoração enxuta da estilista Paula Kim
A estilista abre as portas do seu apartamento em São Paulo e compartilha sua jornada movida pelo triatlo, que a despertou para o minimalismo
É na tranquilidade de um apartamento de paredes em tons neutros, luz natural e uma decoração enxuta e escolhida a dedo que Paula Kim cria seu refúgio criativo. Formada em moda com foco em design de estamparia, é quase irônico que seja num espaço tão sóbrio que a estilista sinta-se mais inspirada para criar suas peças coloridas.
Adepta do minimalismo, Paula teve a ideia de viver com menos após adotar um estilo de vida nômade, guiado pelo amor ao esporte. “Quando trabalha-se com moda, sempre existe a questão do consumo intenso. Eu tive a minha fase ‘patricinha’, queria ter a bolsa da época, o sapato de salto. Por conta da prática esportiva, passei por uma transição orgânica. O que eu buscava era conforto”, conta a paulistana de 34 anos, que já trabalhou para as grifes Burberry, Tommy Hilfiger e Dior.
Aos 18, foi morar em Londres para cursar moda na Central Saint Martins. Já formada, viveu anos intensos transferindo-se a trabalho de um país para outro. Durante uma passagem por Corunha, cidade portuária na Espanha, mergulhou de cabeça no triatlo. “Sempre gostei de correr e de andar de bicicleta, mas o triatlo me encantou pelo sentimento de persistência, de superar limites e me ajudar na concentração”, conta.
Depois de tantas mudanças e anos vivendo sem local fixo, os pertences da estilista eram poucos, mas foram reduzidos a zero depois de um incidente. Quando retornou ao Brasil, o contêiner que transportava todos os seus bens foi inundado por uma enchente. “Eram itens e memórias de um período de dez anos. Tinha tudo que você possa imaginar: livros, diários, roupas. Perdi absolutamente tudo e chorei por três dias. Mais tarde, me dei conta de que não precisava daquilo, que não fazia falta”, conta sobre o imprevisto que ocorreu há quatro anos.
No seu atual apartamento, localizado no bairro paulistano da Vila Mariana, ela divide a missão de viver com o mínimo possível ao lado de Pedro Andrade, seu parceiro de vida e profissão. Juntos, eles administram as marcas P. Andrade e Piet, mais o laboratório criativo M.I.L. Workshops. Eles têm móveis sóbrios com texturas naturais e paleta de cor em cinzas, marrons e brancos que preenchem da sala ao quarto, junto à vivacidade de alguns vasos e plantas que Paula e Pedro ganharam de amigos.
Nesse espaço, compartilham a rotina de alimentação orgânica, meditação e yoga indoor – veja pelo perfil @paulakkim – com Palí e Popô (expressões que significam, respectivamente, “rápido” e “beijo” em coreano). Os galgos italianos seguem Paula pelo apartamento como duas sombras, e fazem jus aos nomes que receberam. Há também elementos que representam a paixão da estilista pelo movimento: na sala, no lugar do tapete, ela optou por uma esteira de tatame feita em palha de arroz trançada. Confortável, a peça ajuda os moradores em momentos de relaxamento e ainda é prática para uma casa com cães.
Dessa vibe de entrelaçar o esporte com o conforto na rotina surgiu também a vontade de criar roupas esportivas ao lado da amiga Gabriela Brandileone. Em 2020, elas fundaram a Lapô (pronúncia de la peau, “a pele”, em francês), marca com a premissa de exaltar a sustentabilidade e a diversidade de corpos. “Sempre tive dificuldade de achar um tênis do meu tamanho. Por calçar 34/35, só encontrava modelos cor-de-rosa com glitter. Quando ia comprar um look de treino, tinha que ir para a seção masculina, porque na feminina era sempre o neon ou caimentos muito justos, com preenchimento no bumbum. Nunca encontrava nada com o qual me identificasse”, comenta.
Com tamanhos que vão do PP ao GG, as peças são feitas a partir de tecidos desenvolvidos com uma tecnologia que utiliza o fio de poliamida biodegradável: ao ser descartado corretamente em condições de aterro sanitário, se decompõe no período de três anos, sem deixar resíduos têxteis. As peças também são livres de produtos tóxicos para a pele e produzidas com água de reuso.
A linha fluxo perfeito, por exemplo, ainda foi pensada para ser usada durante a menstruação, sem a necessidade de calcinha ou absorvente. “Queremos prezar pela saúde física e mental. O mundo está tão intoxicado, de poluição e das imposições sociais… A marca precisava ser minha porta-voz, ser alegre através das cores, das escolhas das modelos. Por mais que ainda pequena, eu acredito que seja uma semente que vai se transmitindo para as outras pessoas”, declara.
Não são só as experiências e informações absorvidas ao longo de sua trajetória que influenciam no seu trabalho. Nascida no Brasil, Paula vem de uma linhagem de coreanos – seu pai imigrou para cá aos 3 anos de idade. “Acredito na questão genética. Acho que tenho influência das minhas origens. O Pedro fala bastante que meus designs têm uma coisa diferente, que ele não sabe explicar. São pedacinhos da cultura coreana, sabe? De ser o mais mínimo possível, de não ter muita informação. Não é sobre o macro, mas sobre o micro. Não digo nem que seja perfeccionismo, mas é uma questão de detalhes. Não tem como fugir disso, é engraçado”, diz. E é na casa que nossas referências são refletidas, não tem como negar, né, Paula?