Paulo Rocha: o nome por trás das sobremesas dos restaurantes de Érick Jacquin
Nascido na Chapada do Norte (MG), o chef é o responsável por comandar a operação das complexas sobremesas que saem dos empreendimentos do jurado do MasterChef
Desde muito cedo, Paulo Rocha só tinha uma certeza na vida: a de que precisava “dar certo”. Nascido numa comunidade quilombola na Chapada do Norte, situada no Alto Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, ele enxergava que os jovens de sua idade não tinham muitas perspectivas profissionais.
“Talvez hoje em dia esse cenário tenha mudado um pouco, mas naquela época era diferente. É um lugar maravilhoso, mas com poucas oportunidades”, conta ele na cozinha de sua casa, agora em São Paulo, enquanto faz os ajustes finais nas sobremesas preparadas para acompanhar este texto.
Paulo cresceu vendo as mulheres de sua família cozinharem: para o lar e para sobreviver. Sua avó, assim como sua bisavó, era quitandeira e tinha uma barraca na feira onde vendia bolos, pães e biscoitos caseiros. Paulo sempre foi um jovem curioso e inconformado, mas pela falta de referências, nunca enxergou a gastronomia como algo que poderia ir além daquilo que observava em sua família.
Ao seu redor, as matriarcas eram a grande referência: sua avó Zizi aprendeu a cozinhar com a mãe e vendia as receitas para o sustento da casa. “Eu entendia que aquilo ali era uma inspiração, só que de uma maneira diferente. Porque ela fazia de uma forma ancestral, com um forno de barro e tudo era muito lindo, mas de uma perspectiva de sobrevivência pela comida”, relembra ele.
“Quero ser a referência que eu não tive para aqueles que não acreditam que podem ganhar o mundo”
Paulo Rocha, chef de cozinha
Quando se mudou com o pai para São Paulo, na adolescência, o chef ainda não sabia exatamente o que gostaria de seguir como carreira — o que o deixava extremamente aflito. Mas o primeiro emprego veio logo para definir seu caminho: “Aos 16 anos, por coincidência, consegui um emprego numa confeitaria na Zona Leste. Eu falo coincidência, mas foi o destino. Porque eu vim de uma família que já transformava o alimento”, afirma.
“Logo no primeiro dia tive a certeza de que estava no lugar certo. Acho que ter vivido naquele ambiente de cozinha ficou enraizado em mim”, conta o chef, que todos os anos não abre mão de retornar à Chapada do Norte para visitar a família e ter a sensação de “sempre voltar melhor do que foi”.
Na gastronomia, Paulo agarrou a oportunidade com todo o afinco que podia. Passava horas a mais treinando técnicas que ainda nem estavam nas suas funções, mas queria absorver tudo. A inspiração que permanecia nas suas idealizações era a confeitaria francesa, sua grande paixão desde que viu pela primeira vez um macaron nas páginas de uma revista. Com isso, o objetivo foi sempre brilhar entre os melhores.
“Para muitas pessoas talvez não seja nada, mas só eu sei de quão distante eu saí para estar onde estou”
Paulo Rocha, chef de cozinha
“Aprendi a me superar para conseguir sair da bolha, daquele núcleo que vim, onde as oportunidades eram sempre as mesmas: as pessoas iam para o corte de cana ou para a lavoura, que são trabalhos muito dignos, mas eu queria figurar em outro cenário, sair dessa caixa de referências”, reflete.
Com as conquistas realizadas, seus sonhos passaram a ser substituídos por outros, além do que imaginava que seria possível no passado. “Quando comecei, eu ligava a televisão e não via um menino preto ou da periferia fazendo receitas. Mas eu já tinha saído de um lugar comum, então quero ser a referência que eu não tive para aqueles que não acreditam que podem ganhar o mundo.”
Do primeiro emprego até os dias de hoje, a vida sorriu para o esforço do chef mineiro. Ele se formou em gastronomia e passou por outros lugares, como a cozinha do extinto Villa Jockey, espaço de eventos em São Paulo, onde colocou em prática todos os aprendizados mais técnicos.
Por fim, em 2019, veio a oportunidade de liderar a equipe do centro de distribuição de onde saem sobremesas e pães direcionados aos restaurantes de Érick Jacquin. Atualmente, o centro conta com uma equipe de 27 profissionais, liderados por Paulo, que produzem para um total de nove restaurantes, incluindo um café.
Ele encontrou a oportunidade de trabalhar com o chef e empresário quando viu um anúncio no próprio Instagram de Jacquin. Conseguiu uma entrevista e logo encantou o jurado do MasterChef Brasil por seu talento e trajetória.
“Antes do restaurante inaugurar, ele me chamou pra uma reunião na casa dele, onde me contou sobre o projeto e elaboramos algumas sobremesas. Só que, até então, eu tinha buscado vaga de confeiteiro, não para chef pâtissière. Era algo que eu almejava, mas quando dizia que queria a vaga, me falavam: ‘não, o chef aqui sou eu’. Mas chegou a hora, e assim começou minha história com o Jacquin, com quem estou até hoje.”
UM MENU DE SOBREMESAS FRANCO-BRASILEIRAS
A complexidade de sabores é um dos pontos que mais cativam o chef em suas criações, principalmente ao elaborar as sobremesas empratadas. Aqui, ele traz duas opções opostas em sabores, mas similares na diversidade de texturas e sensações ao prová-las.
A compota de manga e maracujá com sorbet, plaquinhas de suspiro e crumble de amêndoas traz um misto de sensações na língua: do geladinho ao aveludado.
Já a mousse de chocolate é recebida como um afago para o apetite, tem base de pão de ló de chocolate umedecido com licor de cacau, e é finalizada com crumble, ganache de pistache e creme inglês.
Num mix entre suas origens e a cultura presente em seu trabalho, ele traz um menu açucarado, que vai de um quindim de superfície brilhante até um macaron recheado com amoras, de massa tão delicada que derrete na boca.
O cardápio criado pelo chef ainda é composto por torta de mascarpone e choux cream recheada com pistache, que representa a elaboração das confecções clássicas francesas. Caso também da lua de framboesa, recheada de mousse branca com geleia da fruta, pão de ló com licor de laranja e base de pâte sucrée.
Observar o chef em cada detalhe nessa orquestra que é a cozinha de um confeiteiro é ter a certeza de quão longe a confiança, o trabalho duro e o otimismo podem nos levar.
“Você sair de um lugar tão distante para chegar numa cidade grande, como é São Paulo, é ter que adentrar nesse mundo e falar para si mesmo: ‘Eu vou dar certo nisso porque eu vou figurar entre os melhores’. Quem não conhece essa realidade, pode achar que é fácil, talvez não consiga entender. Para muitas pessoas, talvez não seja nada, mas só eu sei de quão longe eu saí para estar onde estou. Então, sempre acreditei demais, fui muito perspicaz e também um pouquinho cara de pau.”
CRÉDITOS DE PRODUÇÃO
TEXTO E PRODUÇÃO Marina Marques
FOTOS Wesley Diego Emes
EDIÇÃO DE ARTE Catarina Moura
AGRADECIMENTO Louças por Na Mesa Com Ju
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