Santa Rita do Sapucaí: uma cidade criativa de verdade
Dentro de uma incubadora pública em Santa Rita do Sapucaí, a Clear Purpose impulsiona novos negócios a colaborarem em prol da felicidade coletiva
Dentro da voraz lógica das startups, a máxima da escalabilidade não é segredo: faça o que for preciso para conter custos e aumentar o faturamento. “Nessa mentalidade, a competição e o burnout têm muito espaço”, constata a designer estratégica e facilitadora criativa Joana Mao. E se a próxima inovação verdadeira estiver em fazer diferente disso? Fundadora da Clear Purpose, dedicada à aceleração de lideranças, ela decidiu tirar essa hipótese do campo das ideias e testar na prática como seria fomentar um novo ambiente de empreendedorismo.
Entre as premissas da empresa criada por ela em 2020 está o desenvolvimento coletivo: “Acreditamos que o poder deve ser distribuído e que liderança é inevitável. Acreditamos também que a direção da mudança é a unidade e o futuro da economia é circular”. Foi na comunidade de Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas Gerais, que a venture builder encontrou o ecossistema ideal para estabelecer um programa de aceleração inovador que, desde o início deste ano, está acompanhando 24 negócios, sendo 70% deles liderados por mulheres. As práticas disruptivas começaram pelo método de seleção dos empreendedores ativos na cidade de pouco mais de 40 mil habitantes.
No lugar de empresas exclusivamente voltadas para a tecnologia, foram escolhidas pessoas envolvidas com a economia criativa, algo inédito até então no Brasil. “O empreendedorismo criativo naturalmente está servindo a comunidade, tem uma razão social de existir”, afirma Joana. Nesse sentido, o desenvolvimento econômico deixa de ser a única obstinação para ser o reflexo de uma comunidade saudável em que os indivíduos trocam o investimento no egoísmo pelas interações conscientes, que trazem benefícios para o grupo. “As comunidades precisam olhar para as suas atividades econômicas com uma meta maior: não é competir, é colaborar, é servir.”
Como se aplicação de tais valores altruístas não fosse ousadia bastante, a facilitadora estabeleceu mais um passo: a felicidade como meta. “O mundo conhece muitas histórias de trabalhos pessoais e internos de descoberta da autorrealização, mas ainda não conhece uma sociedade que está se estruturando para que esse caminho de realização seja social. Santa Rita do Sapucaí é uma cidade que está nesta rota”, diz Joana. Mais do que um destino final, a felicidade é o próprio caminho, um parâmetro de reflexão sobre o real sucesso de qualquer empreitada. Com o foco claro na geração de resultados sustentáveis, a motivação para trabalhar fica mais sólida. “Quando você entende que está sendo significativo para alguém surge o verdadeiro entusiasmo”, conta Joana.
Para sonhar e realizar essa perspectiva mais consciente, foi preciso abandonar paradigmas. “Porque colocamos como meta a felicidade, tivemos que questionar toda a herança do empreendedorismo masculino. Essa energia de ‘vai lá e faz, faz, faz’ teve que ficar para trás. Dentro do time, queremos praticar a escuta e o entendimento, acompanhar empreendimentos que tenham esse olhar de cuidado para si e para a comunidade”, completa Joana.
O QUE É ACESSÓRIO E O QUE É ESSENCIAL
Dentro da Incubadora Municipal, o Programa de Aceleração de Empreendedores Criativos funciona em parceria com a prefeitura e o Sebrae. Numa perspectiva mais ampla, integra ainda o movimento Cidade Criativa, Cidade Feliz, que, desde 2013, une a sociedade civil e os agentes públicos numa agenda de eventos que valorizam a arte, a cultura e a cidadania na região (leia mais no quadro). Quem chega de longe logo percebe uma vibe diferente por lá. Foi o caso da gaúcha Sandra Fernandes Colombo (@guriafazendoarteoficial). Forma – da em Direito, ela enfrentou situações de estresse e depressão que a impulsionaram a dar uma virada profissional e dedicar-se à criação de acessórios femininos.
“Quando cheguei e fui aprovada para o projeto, percebi que não é preciso ter medo de recalcular a rota e se reinventar”, conta Sandra. “Com o artesanato, me conecto com minha ancestralidade. Dou corda para a autoestima das mulheres.” Paolla Alves também faz trabalhos manuais, mas com marcenaria moderna e ambientes planejados (@idealize.interiores). “Não esperava algo tão profundo. Num dos primeiros encontros, com todos os empreendedores em volta da fogueira, me caiu a ficha: não seria só uma mentoria para a empresa, seria uma coisa daquelas que te viram do avesso para te colocar no caminho certo”, diverte-se Paolla. “Percebi infinitas possibilidades que estava perdendo porque estava fechada numa caixinha, fazendo igual todo mundo. A Joana me apre sentou o design thinking e outras ferramentas que ajudam na hora de criar.”
Para ter impacto, não é preciso começar grande. Autodenominada uma nanocervejaria, a @cervejaposdoc, de Luciana Guimarães, está mudando a cena gastronômica ali. Luciana conheceu o Framework de Clareamento de Propósito, uma das metodologias da Clear Purpose, no ano passado. Selecionada para a aceleração neste ano, a marca passou a focar na aproximação com os restaurantes e turistas. “Santa Rita é uma cidade em que as mulheres despontam, desde a sua fundação”, diz Lucia – na, que homenageia uma das figuras femininas fortes da região, Sinhá Moreira, com um rótulo feito com café de produtores locais. Cheia de entusiasmo, Joana Mao brinda cada aprendizado da turma como sua maior gratificação. “O sentimento com o que observo é de esperança. Acredito que estamos diante do renascimento do objetivo mais antigo que temos como sociedade: a felicidade.”
Como a criatividade e a felicidade viraram a marca turística de Santa Rita do Sapucaí
No clássico As Cidades Invisíveis, Italo Calvino escreve: “De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas”. Na criação da marca turística de Santa Rita, também a cargo da Clear Purpose, o objetivo era honrar o que há de mais singular acontecendo por lá: o movimento Cidade Criativa, Cidade Feliz. “Essa é a Torre Eiffel de SRS, uma rede de suporte para que qualquer cidadão seja uma liderança disruptiva. É a confiança social que a colaboração gera que aumenta o nível de satisfação de uma pessoa com a sua própria vida e com o território”, afirma Joana Mao.