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“Meu abusador vive como se não tivesse feito algo monstruoso”, diz atriz

A atriz Karen Junqueira foi estuprada aos 12 anos pelo pai de uma amiga. Passados 25 anos, ela quer encorajar vítimas a falar e romper o ciclo do silêncio

Por Karen Junqueira
Atualizado em 3 ago 2020, 12h26 - Publicado em 21 jul 2020, 10h00

“Aos 37 anos, decidi contar minha história. Senti necessidade de acalentar aquela menina que aos 12 anos sofreu abuso e ficou calada. O objetivo deste relato é encorajar aos que foram abusados a não se calarem. Não podemos mais normalizar a cultura do estupro e do silêncio. Eu conheço os sentimentos que os permeiam: culpa, medo e muita vergonha.

Durante muito tempo a terapia me ajudou a enxergar a força que tenho. Decidi transformar feridas em combustível para seguir em frente. É uma longa estrada de erros e acertos comigo mesma. O abuso que sofri me gerou muitas questões emocionais. Desconfiança excessiva e insegurança foram algumas delas. Durante muito tempo tive que procurar entender e reestabelecer meu valor e lugar no mundo. Poder falar abertamente sobre isso está sendo uma libertação pra mim. Não tenho mais vergonha de me expor.

Sou natural de Caxambu (MG). Na minha infância, já percebia coisas que não pareciam muito certas. A cidade é pequena e tinha sempre o “tio” da banca que me oferecia uma bala e, quando ia pegar, apalpava meu seio. Se é que posso chamar de seio essa parte do corpo de uma criança em desenvolvimento. São situações que, ainda criança, não se sabe discernir. Ainda mais quando o abusador é amigável. Não enxergamos a maldade e, por muitas vezes, esse assunto acaba não chegando ao conhecimento dos nossos pais. Mas o “tio” da banca foi só o início.

Era aniversário da minha melhor amiga e acabei passando a noite na casa dela. Eu me lembro de cada detalhe. Estávamos juntas, lado a lado, dormindo na mesma cama. Era tarde da noite, usávamos o mesmo pijama branco estampado com palhacinhos vermelhos. Foi quando meu sono foi interrompido pelo pai dela. Naquele instante meu mundo parou. Eu congelei e sequer consegui abrir os olhos ou a boca para gritar. Lentamente, ele abaixou meu pijama e com seus dedos e língua começou a me tocar. Foram poucos minutos que se transformaram em uma eternidade massacrante.

Enquanto ele me abusava, sua filha dormia grudada em mim e eu escutava sua esposa tomar banho. Quando o chuveiro parou, ele rapidamente me vestiu o pijama e deixou o quarto. Eu me contorcia chorando e passei o resto da noite em claro, ainda estarrecida. 

No dia seguinte, uma repulsa enorme tomou conta de mim. Fui embora e me afastei da minha melhor amiga na época. Senti muita vergonha de contar o ocorrido e ser culpada de alguma forma, afinal, aquela família era muito próxima dos meus pais. Minha cabeça não entendia.

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Fiquei calada durante 10 anos até que, no dia do falecimento do meu pai, tomei coragem e finalmente contei para minha mãe. Alertei que aquela pessoa não era amigo da família, e sim um pedófilo que me abusou. Pedi para que não tocasse mais naquele assunto comigo, pois me machucava. Um pacto silencioso começou entre nós duas. Ela não mencionou mais, me respeitou. Mesmo aquilo ficando em minha alma, sem expor, não cicatrizou sozinho.

O tempo passou, eu já não morava mais em Caxambu desde meus 18 anos. Meu costume era fazer apenas breves visitas em esporádicos finais de semana durante o ano. Quando a pandemia chegou, resolvi passar um mês com a família. Foi aí que veio tudo à tona novamente. Tive que cruzar com a pessoa que me abusou, vivendo livremente como se nunca tivesse feito algo tão monstruoso. Tomei a decisão de não mais me calar. Ter que relembrar questionamentos da minha mãe (“Será que isso não foi um sonho minha filha?”) me fez refletir profundamente a seriedade disso. É claro que ela não queria acreditar como alguém tão “legal e inofensivo” poderia fazer tal coisa. Não quero julgá-la. Ela é apenas mais uma vítima do machismo estrutural que impera na sociedade. A submissão sempre esteve encruada dentro da minha casa. Reservo à minha mãe sororidade.  

Aos pais e mães, deixo aqui o meu alerta. Olhem para seus filhos, conversem com eles e interpretem os sinais. As crianças possuem suas maneiras de demonstrar que existe algo errado através do comportamento. São vulneráveis, por isso se calam.

Dados do Ministério da Saúde dizem que mais de 70% dos casos de abuso infantil acontecem por pessoas próximas. Quando penso que meu silêncio pode ter levado a mais uma vítima daquele pedófilo, sinto ainda mais necessidade de falar. Um pedófilo não age apenas uma vez.

O intuito deste relato é, além de servir de alerta, fazer com que minha história chegue em todos aqueles que, de alguma forma, sofreram qualquer tipo de abuso e se calaram por qualquer motivo. Você não tem culpa, você não precisa ter vergonha de nada. Fale! Esteja onde estiver, cidades pequenas ou maiores, você pode ser ouvido e defendido! Acredite: guardar para si é uma dor maior e os danos podem ser ainda piores.

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Se eu conseguir tocar o coração de alguém e encorajar para que denúncias sejam feitas, ficarei imensamente grata e feliz por ter contribuído para que este ciclo de abuso seja quebrado. Não se calem, vocês não estão sozinhos. Que os meninos e as meninas possam ter a liberdade de descobrirem o verdadeiro sentido do amor, de fazer sexo de forma consciente e na hora certa. Espero que descubram o carinho entre duas pessoas da forma mais bonita e inocente possível.

A luz sempre ofuscará a sombra! Lembrem-se disso! Obrigada.”

A partir de agora, CLAUDIA mantém esse canal aberto e oferece acolhimento para quem quiser libertar as palavras e as dores que elas carregam. Fale com CLAUDIA em falecomclaudia@abril.com.br.

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