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“Metade de mim entendia o aborto, mas a outra acreditava na mentira dele”

Para CLAUDIA, vítima relata o processo de luto que viveu após a perda do filho. O aborto sem o seu consentimento foi causado pelo ex-namorado

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 9 dez 2020, 18h31 - Publicado em 8 dez 2020, 22h35
aborto
 (Freepik/Reprodução)
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No horário combinado com Fernanda* para fazer esta entrevista, ela sofreu mais uma crise de pânico, que infelizmente se tornou recorrente após o aborto que teve na 13ª semana. A perda do filho foi causada por seu ex-namorado Giuliano Augusto Trondoli Cunha, 28 anos, preso em flagrante após ter introduzido comprimidos de um abortivo em sua vagina sem o seu consentimento. “Eu quero que ele seja exposto para saberem o que é capaz de saber”, diz a vítima.

Para tratar os danos do estresse pós-traumático, Fernanda saiu de São Paulo, onde morava e vivenciou o crime, e passa por um acompanhamento psicológico. “Não conseguia ficar mais em casa, já que tudo aconteceu lá. Também enfrento pesadelos diariamente com ele”, relata.

Mesmo sem a liberdade sob fiança estar prevista no crime de indução de aborto sem consentimento, a defesa de Giuliano consegui um Habeas Corpus após o pagamento de 10 mil reais, porém os advogados abandonaram o processo depois que o recurso foi concedido. No boletim de ocorrência, o acusado confirmou que introduziu três comprimidos na então namorada, mas que havia se arrependido.

Por meio do promotor Neudival Mascarenhas Filho, o Ministério Público de São Paulo denunciou Giuliano por crime doloso contra a vida, que pode gerar uma pena de 3 a 10 anos de condenação. Irineu Ruiz, advogado de Fernanda, conta que irá “fazer um pedido para fixação das medidas protetivas de urgência para evitar todo e qualquer tipo de contato físico ou por meios virtuais”. No momento, Fernanda já está protegida por esse recurso.

Pronto para fazer todos os agrados e dividir tarefas. Para Fernanda, esse comportamento impedia com que ela esperasse qualquer atitude violenta ou desrespeitosa do ex-namorado. “Ele era uma pessoa perfeita até demais, sempre muito gentil e agradável. Com a gravidez, ficou ainda mais”, lembra sobre os cuidados que ele demonstrou a partir do terceiro dia que recebeu a notícia de que seria pai.

A gestação não foi planejada, o que deixou dois apreensivos com a novidade. Ao chegar na casa de Fernanda, no dia 14 de setembro, depois de receber a notícia por mensagem, Giuliano chorou e começou a propor o aborto. “Ele começou a pesquisar sobre aborto, falar de doar a criança e até propor a pagar o procedimento em país que fosse legalizado. Só depois de todas as minhas recusas, ele parou de falar e pediu desculpas”, conta.

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Com isso, Fernanda deu início ao pré-natal e Giuliano demonstrava preocupação em todas as consultas e no dia a dia. Na noite de 14 de novembro, eles saíram para comprar uma vitamina recomendada pela médica, jantaram e, por fim, tiveram uma relação sexual. “Começamos a ter uma relação sem penetração, mas com um vibrador clitoriano que ele comprou. Não desconfiei de nada e fomos dormir”, descreve Fernanda, que acordou às 7h da manhã com fortes dores no abdômen.

Segundo ela, a dor era uma espécie de cólica. “Fui no banheiro e vi dois pedaços de compridos. Acordei ele e perguntei o que era. Ele tomou os comprimidos da minha mão e falou que era um viagra feminino, que tinha comprado para fazer uma surpresa”, disse o ex-namorado, enquanto ela começava a ter um sangramento.

“Queria ir para o hospital, mas ele fazia de tudo para eu não ir. Tínhamos combinado de votar e depois cada um iria para a casa dos seus pais. Então, acho que ele calculou que eu teria o aborto no meio do caminho ou na casa da minha mãe”, diz Fernanda. No boletim de ocorrência, Giuliano diz que prestou socorro a ela no momento, mas para a vítima ele apenas viu que seria impossível mantê-la dentro de casa.

Ao entrarem no hospital, Fernanda lembra que o ex-namorado perguntou do terceiro comprimido, já que ela havia encontrado apenas dois. “Já achava que era o fim da picada alguém colocar algo em mim sem me avisar, mas nessa hora me deu um estalo de que tinha algo ainda pior. Ele perguntou se não queria ir no banheiro antes da consulta, falei que não e segui para o consultório sozinha”, comenta.

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Em uma pesquisa rápida, a informação de Giuliano dada a Fernanda logo caiu por terra. O médico informou que a recomendação do fabricante era de que o estimulante deveria ser consumido via oral, e não pela região da vagina. Além disso, o aspecto do produto descrito por ela não condizia com o do estimulante. “Quando ele me examinou, falou que eu já estava em um processo de aborto e não podia fazer nada”. As duas coisas que conseguiu fazer no momento foi pedir para chamar a polícia e ouvir o coração do seu filho.

O médico explicou que não poderia chamar as autoridades. Enquanto esperava pela ultrassonografia, Fernanda conseguiu ligar para o 190. “Saí do exame sabendo que realmente meu filho estava morto e não tinha o que fazer. Foram tantos piores momentos, mas esse foi o mais traumático, porque no fundo tinha uma esperança até ali. Metade de mim entendia que ele tinha colado alguma coisa, mas a outra queria acreditar que ele tinha sido enganado”. Enquanto isso, Giuliano mandava mensagens da recepção do hospital, com a bateria do celular quase acabando.

Com medo dele sair, encontrar a viatura e fugir, Fernanda pediu para a enfermeira buscá-lo. “Quando chegou na enfermaria, puxei o cobertor para ele ver o tanto de sangue e falei que não precisava ter matado o nosso filho e nem ter me causar isso. Ele dizia que não sabia o que estava acontecendo”, explica.

Em seguida, a polícia chegou e os dois não se viram mais. Fernanda contou o que havia acontecido. Já Giuliano foi preso em flagrante com mais quatro comprimidos.

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“Mandei mensagem para ele pedindo a minha roupa. Ele me respondeu dizendo que entregaria da forma que eu achasse melhor e que era um idiota, tinha surtado e desejava que no futuro eu tivesse um bebê maravilhoso com alguém melhor do que ele”, conta Fernanda sobre a conversa que teve quando ainda estava no hospital.

“Respondi com uma foto do Vicente, porque na hora ele já tinha nascido. Não importa que era pequeno, era o meu filho. Mostrei para ele ver o menino que ele tinha matado”, lembra Fernanda às lágrimas. Giuliano também informou no momento o nome do abortivo e disse que tinha errado e pagaria legalmente por isso. “Nunca mais nos falamos”, diz Fernanda, que teve alta no dia 16 de novembro.

Na próxima semana, acaba o prazo para Giuliano apresentar a sua defesa, a resposta à acusação. Já a defesa de Fernanda aguarda a aprovação do promotor de justiça para dar seguimento ao processo e buscar uma condenação definitiva do réu.

*Nome trocado a pedido da personagem

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