Ao combater fórmulas prontas, Manu Gavassi evita “carreira descartável”
A artista solta sua criatividade em projetos que carregam sua personalidade autêntica – sem medo de, no processo, mostrar vulnerabilidades
Exatamente um ano antes desta entrevista para CLAUDIA, passava pela porta da casa mais vigiada do Brasil (para quem não está familiarizado com o termo, estamos falando do Big Brother Brasil, da TV Globo) uma jovem de blusa tie-dye e mochila nas costas. Ela não tinha como saber, mas só sairia por aquela porta três meses depois. E nada seria como antes. Mesmo.
Do lado de fora, encarávamos uma pandemia – algo inédito para a maioria da população mundial – e nos distraíamos com o reality que ia além dos corpos padronizados e das festas regadas a bebida: gerava discussões sociais.
Manu Gavassi, a cantora que fez sucesso ainda na adolescência, se revelava a rainha da estratégia. Não de um jeito pejorativo, manipulador, mas com talento e criatividade. Ela deixou nada menos do que 130 vídeos gravados para serem postados em suas redes sociais no desenrolar do programa.
“Imprimi uma apostila que dizia: ‘Se tal coisa acontecer, vá para a página x. Se for assim, usar legenda y’ ”, conta ela em uma videochamada leve e divertida. “Acredito muito em astrologia, e meu mapa explica essa veia estratégica, porque sou capricorniana com ascendente em Virgem”, completa a paulistana.
“Minha maior crítica sou eu mesma. Se as pessoas acham que são cruéis comigo, posso ser mil vezes mais”
O Big Brother foi um passo que a cantora e atriz jamais teria pensado em tomar algum tempo antes. Manu é, como ela mesma se descreve, controladora. Por que, então, entrar numa casa com desconhecidos e aceitar ser julgada por todo o país?
“Não consigo explicar, acho que foi um chamado espiritual mesmo. Reuni meus familiares, amigos e equipe três dias antes e falei: ‘Pessoal, tô indo pro BBB’. Ninguém acreditou, mas hoje falam que eu parecia extremamente segura e certa da minha decisão.”
A jovem, hoje com 28 anos, não queria apenas curtir a experiência; aquilo tudo fazia parte de um plano – alô, virginianas! Manu andava meio chateada com o caminho que sua carreira havia tomado e enxergou o BBB como uma oportunidade de mostrar quem ela realmente era – “uma mina muito daora”, como ela se descreve – e assim virar a chave para seu jeito de fazer as coisas.
“Dos 21 aos 25, eu fiquei bastante perdida e triste, apaguei meu otimismo. Eu me sentia injustiçada porque não tinha sido apresentada como eu gostaria ao público e achei que tinha perdido a oportunidade de mostrar quem eu sou de verdade. Aos poucos, fui recuperando minha essência e queria ganhar uma segunda chance”, conta ela, que sempre sonhou em ser artista.
Um grande passo mesmo
“Eu chamei ela num canto e falei: ‘Filha, você tem certeza disso? Você é autêntica, original, muito diferente do padrão de quem normalmente vai pra esse reality. Tem raciocínio rápido, é irônica. Acha que o Brasil vai entender isso?”, conta Zé Luiz, jornalista, radialista e pai de Manu.
“Eles a chamavam de esquisita e eu respondia: ‘É claro, ela é normal”, diverte-se ele, que admite que teve noites de sono pouco tranquilas nos três meses de isolamento da filha. Para Zé Luiz, Manu foi valente e legítima do começo ao fim.
“Era a Manu dos almoços de família.” Ela não teve o mesmo medo do pai e justificou: “Minha maior crítica sou eu mesma. Se as pessoas acham que são cruéis comigo, posso ser mil vezes mais. Ao mesmo tempo, não tenho medo das minhas falhas. Vou errar, pedir desculpas e dar um jeito de consertar”, fala ela, que não está assistindo à edição atual.
Lá dentro, Manu conquistou públicos que ainda não tinha atingido com a carreira musical e com a websérie Garota Errada, uma mistura de autobiografia com análise dos tempos que vivemos. O BBB ainda lhe rendeu amizades que levou para fora da casa.
“Nossa conexão foi logo na primeira semana. Temos gostos e hábitos muito diferentes, mas lá dentro isso é anulado. E num lugar onde ego e competição predominam, nossos valores se encontraram, formando uma conexão intensa e linda, com um carinho que só cresce”, declara a influenciadora e empresária Rafa Kalimann, sua parceira de confinamento.
Não foi de imediato, assim que saiu do reality, que Manu sacou que as coisas tinham mudado. Na verdade, demorou exatos três dias. Ela nem tinha voltado para casa ainda, estava usando as roupas da mala que havia levado ao programa e foi para uma reunião com a Netflix – com o característico elástico de cabelo chamativo no topo da cabeça.
Era um convite para protagonizar Maldivas, série escrita por Natália Klein e com Bruna Marquezine e Klebber Toledo no elenco. “A Manu é comprometida e não se contenta com mais ou menos. Ela entendeu exatamente o que eu vim dizer com Maldivas e vestiu a camisa de verdade. Vibramos na mesma frequência. Ela não só é carismática, mas intuitiva”, descreve Natália.
“Eu sei da importância do ócio criativo e fico estabelecendo essas brechas pra mim mesma, mas quando vejo já estou assistindo série ou lendo livro em inglês para treinar”
Por causa da pandemia que adiou as gravações, Manu ganhou algum tempo para se habituar à personagem e estudar atuação. “Fiz um curso com Natalie Portman. Quer dizer, falando assim, parece que eu fiz um Zoom com ela, mas eram aquelas aulas gravadas que todo mundo que pagar pode assistir. Fiquei me achando uns meses porque era amiga dela”, revela a artista rindo e mostrando um pouco do tal do humor irônico que seu pai destacou.
Maldivas só deve estrear no segundo semestre, mas já gerou muita especulação na internet. Enquanto isso, Manu segue se dedicando aos seus milhares de outros projetos. Com a cabeça fervilhando de ideias, ela admite que tem dificuldade de tirar folgas.
“Eu sei da importância do ócio criativo e fico estabelecendo essas brechas pra mim mesma, mas quando vejo já estou assistindo série ou lendo livro em inglês pra treinar, juntando referências pra outras coisas”, fala.
O que ela mais tem feito é se dedicar a trabalhos para marcas, montando campanhas em que ela é a garota-propaganda mas também a mente criativa que bola a ideia, pensa na identidade visual e, especialmente, na narrativa, o roteiro – habilidade que ela considera seu ponto forte.
Quem vê, acha que Manu é viciada em trabalho. Não é o caso, ela tem mais controle do que se imagina. Tanto é que, mesmo sabendo da importância das redes sociais na sua carreira, ficou um mês afastada depois que seu celular caiu no mar no dia do seu aniversário.
“Fiquei me comunicando por e-mail e entendi uma coisa muito importante: às vezes, entramos num ritmo imposto pelos outros que é frenético e desnecessário. Se eu estivesse sendo bombardeada por aquele monte de mensagens no WhatsApp, talvez fizesse um estardalhaço com uma questão que deu errado. Por e-mail, eu não vejo na hora, aí ganho tempo pra pensar e, às vezes, quando vou responder, o problema já nem existe mais”, diz.
“Estou aprendendo a levar meus projetos com calma, um sentimento que não é tão habitual na minha geração e no meu meio, onde você tem que lançar um single por mês para não ser esquecida. Não tenho pique nem criatividade para isso. Gosto de projetos longos, em que eu possa mergulhar neles para deixar uma mensagem. Não quero uma carreira descartável”, declara.
Vulnerabilidade sem medo
Manu descreve suas decisões artísticas como ir na contramão do mercado. Quando ouviu que o ideal era fazer músicas mais curtas, para que entrassem em playlists, achou curioso, porque seu último lançamento, Deve Ser Horrível Dormir Sem Mim, teve um clipe de 10 minutos com mais de 16 milhões de visualizações.
“Estou aprendendo a levar meus projetos com calma, um sentimento que não é tão habitual na minha geração e no meio”
“Assim que começamos a trabalhar juntos, seis anos atrás, apelidei Manu de ‘Madonninha’. As semelhanças com a artista norte-americana são muitas: as habilidades multifacetadas; a visão holística da própria carreira; a participação e o controle de todas as etapas dos projetos, sejam eles artísticos, publicitários ou empresariais”, fala Felipe Simas, empresário da artista.
Mas até a Maddoninha precisou de um empurrão – e Felipe estava lá para isso junto com o restante da equipe de Manu – quando começou a falar “não” demais para ideias que seriam superbenéficas para a carreira.
O medo barrava Manu, que tinha receio de aparecer na TV para divulgar seu trabalho e tudo dar errado. O que mudou isso, além do apoio de todos, foi o BBB, claro. “Depois do Big Brother, me prometi que faria todo ano uma coisa que me apavora, que nunca toparia antes”, diz.
A jornada de autoconhecimento proporcionada pelo reality – em partes pela distância do celular e das redes – e pela pandemia que encarou ao sair da casa provocaram grandes transformações em Manu, algumas até físicas. “Estou há três meses sem fazer progressiva e gostando do meu cabelo. Comecei a questionar por que sinto a necessidade de fingir para as pessoas que nasci com um cabelo que não tenho. Entendo que as redes tenham um peso sobre isso. Não pode ser benéfico ficar vendo fotos de modelos com filtros e cirurgias plásticas no Instagram. É uma pessoa que não existe, mas no nosso subconsciente ela se torna o padrão. Eu pensei se, de alguma forma, eu, usando filtros, estava sendo essa figura para outras meninas e fiquei com muito medo. Não quero passar essa imagem terrível”, fala ela, que entende que o detox do celular não pode durar para sempre por causa da carreira, mas que a relação deve ser transformada.
“Será que eu estaria nessa paz de espírito se continuasse consumindo aquela perfeição inatingível de vidas e marcas dos sonhos? Por mais que eu diga que não ligo, fica lá no fundo do cérebro cada comentário crítico sobre meu cabelo, sobre minha voz. Percebi que um pouco do meu medo na música era por causa disso também, o que me impedia de crescer e evoluir. Fui legítima no BBB pois não tinha acesso à crítica do público. Talvez, se soubesse a opinião dos outros, não estaria com roupas coloridas e xuxa na cabeça até o final, não estaria sendo a Manu. Não quero ser refém das redes, mas usá-las como ferramenta. Meu plano é descobrir quem eu sou sem todas as intervenções e ser fiel a isso.”
Que Manu é uma mina daora, não há dúvidas. Mas, muito mais do que isso, ela é uma representante de seu tempo que está disposta a transformar e repensar todos os espaços pelos quais transita, jornada que vale a pena acompanhar – com a garantia de uma boa trilha sonora e muitas risadas.
Styling Carol Roquete • Produção de moda Jéssica Neves e Nathara Imbá • Beleza Renata Brazil • Assistente de fotografia Murilo Salazar • Assistente de beleza Barbara Meinhard • Tratamento de imagens TriadeLab
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