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“Chique para mim é o simples. Acho ostentação cafona”, fala Rita Lee

Rita Lee conta sobre os verdadeiros luxos em sua vida e a luta assumida contra os maus-tratos aos animais. Ainda compondo, ela não recusa um novo álbum

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 21 set 2020, 15h44 - Publicado em 18 set 2020, 14h00

Quando eu era criança, minha mãe costumava assobiar Minha Vida enquanto andava pela casa. A melodia tomava conta dos ambientes, causando relaxamento imediato dos humanos e comoção por parte do gato, que se enrolava pelas pernas dela e deitava com a barriga para cima, em um gesto de devoção. A versão de Rita Lee para a música dos Beatles já foi tema de novela mais de uma vez e sempre que toca me traz a lembrança mais afetiva da minha mãe. Outras canções de Rita povoam minhas lembranças de infância. Dancei Lança Perfume em uma apresentação de sapateado e, na adolescência, achava Agora Só Falta Você o tema da libertação.

Milhões de pessoas têm Rita como trilha sonora da própria vida. Não à toa, com 55 milhões de cópias, ela figura na lista de artistas que mais venderam discos no país, junto com Roberto Carlos e Xuxa. Mesmo sem lançar nada inédito desde 2012, segue sendo paixão nacional – dá até para dizer internacional, com fãs declarados ilustres, como o príncipe Charles. Agora, quem tem a sorte de ouvi-la cantar ao vivo, além do companheiro, Roberto de Carvalho, com quem vive há 45 anos, são os animais de estimação, como o Nino (que aparece na foto acima) e as plantas de seu extenso jardim.

Rita assumiu a vida de quarentena que levamos nos últimos meses há cerca de oito anos. Ela já usava tie-dye, praticava jardinagem e saía apenas para coisas essenciais quando nem imaginávamos viver uma pandemia. A saudade dos fãs ela mata em algumas aparições no Instagram ou por meio dos livros infantis, sua paixão. Já publicou mais de cinco histórias com personagens como o Dr. Alex, um ratinho que protege a natureza, e a Vovó Ritinha. “Escrever é uma terapia. No momento, estou interessada em oferecer histórias para crianças sobre como respeitar todas as formas de vida. O Alex morava na casa da minha família nos anos 1980. Publiquei quatro livros com ele naquela época, quando meus meninos eram pequenos”, conta a mãe de Beto, João e Antônio, citando a quadrilogia que foi relançada em setembro com ilustrações inéditas.

(Guilherme Samora/CLAUDIA)

A cantora foi uma das representantes legítimas do rock n’ roll no Brasil. Na verdade, aos 72 anos, ainda é. Se o estilo musical é famoso por retratar o espírito jovem da época e revolucionar o que não lhe agrada, Rita é sua mais perfeita tradução. Durante a ditadura, comprou muitas vezes a briga com os militares para falar sobre sexualidade feminina e prazer no sexo. Em uma de suas letras mais emblemáticas, se refere à menstruação, supertabu da época.

Nos dias de hoje, a causa assumida é a da natureza, pela preservação e contra os maus-tratos aos animais. Ela se tornou vegana há muitos anos e é criteriosa com as roupas que entram em seu guarda-roupa – na capa, o visual é da estilista Renata Buzzo, que não utiliza nada de origem animal em suas criações. Admira o trabalho da ativista Luisa Mell, que virou uma amiga. Acredita que os animais são uma face selvagem do divino, enquanto as plantas são a face sutil. Em casa e nos livros, assume essa aura de fada, espalhando pelo mundo a mensagem de dias melhores com doçura. É o que ela faz na emocionante entrevista a seguir.

Em Rita Lee – Uma Autobiografia (Globo), você conta que seu pai mantinha uma horta em casa, na Vila Mariana, em São Paulo, e que ele levava você e suas irmãs para cuidar das plantas do Ibirapuera antes de o lugar se tornar parque. Vocês davam até nome a elas. Herdou dele esse hábito que pratica até hoje?

Isabella querida, plantas são a face sutil do divino, criaturas que conversam entre si e também conosco. Adoram quando a gente se alegra vendo um brotinho novo de alface surgir ou uma flor desabrochar. Tenho uma árvore espatódea aqui no jardim que se chama Luiza. Todo dia abraço seu tronco e vibramos amor. É ela quem protege nosso jardim encantado. Meu pai tinha “dedão verde”; o que plantava dava. Certa vez, ele inventou um adubo caseiro e espalhou numa plantação de couve e de tomate. A couve gostou tanto que cresceu mais alto que o muro do quintal, e os tomates ficaram do tamanho de melões. Era algo tão surreal que até os vizinhos vinham tirar foto.

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O que tem na sua horta hoje? E o que significa, para você, plantar e colher?

É emocionante ver nossa Mãe Terra parindo de uma semente que eu enterrei em suas entranhas. Ela entrega o filho que fez com orgulho. Temos aqui alface-crespa e americana, brócolis, quiabo, tomate, todos os temperos, milho, mandioquinha, cenoura, espinafre. Tivemos umas semanas de frio e de chuvas tão intensas que algumas coisas acabaram afetadas, mas a gente torna a plantar e a se emocionar com a generosidade da Mãe. Na verdade, a parte da jardinagem é mais a praia de Roberto, que também tem “dedão verde”. Minha função é cuidar dos nossos filhos bichos e lavar a louça.

(Guilherme Samora/CLAUDIA)

Você cresceu numa casa cheia de mulheres e agora vive entre os homens. Sente falta da energia feminina no dia a dia?

Sinto uma saudade da mulherada da minha vida que chega a doer a alma e toda noite agradeço pelo amor e carinho que elas me deram. Com Roberto, tive três boys lindos e no lugar das calcinhas vieram as cuecas (risos). Rob e meus meninos me ensinam sobre o mundo masculino, que, aliás, é interessantíssimo. Beto Lee, meu primogênito, me deu uma neta, a Ziza, que tem 15 anos e me fala sobre o mundo feminino de hoje. Por meio dela, percebo com orgulho que devo ter aberto caminhos para as tão batalhadas conquistas das mulheres.

Você e o Roberto, parceiros musicais há anos, postaram alguns vídeos cantando durante o isolamento. É uma coisa comum ou momentos raros?

Nunca paramos de compor. Rob e eu temos um material musical inédito para gravar uns três discos. Abandonei os palcos, mas a música nunca.

Isso quer dizer que nós, fãs, podemos esperar músicas novas em algum momento?

Só se a preguiça permitir (risos).

Você já compôs muito para amigos e deve ser procurada pela genialidade das composições. Já cogitou vender suas letras?

Nunca! Eu compunha especialmente para eles e elas. E fazia por amor.

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Você foi a artista mais censurada durante a ditadura, chegou a ser presa. Mesmo assim, bateu de frente muitas vezes até conseguir lançar as canções. Por que a perseguição? A persistência e o desafio às autoridades são características suas desde a infância?

Querida, se há alguma característica minha desde criança, além da defesa animal, é o prazer em desacatar autoridades (risos). Eu representava uma mulher que ousava contra os “bons costumes da família brasileira”. Na minha época de pré-juventude, uma mulher artista era considerada puta. Agora, imagine eu cantando “me deixa de quatro no ato e me enche de amor” e “mulher é bicho esquisito, todo mês sangra”. Os meganhas tinham uma lista de artistas “perigosos” e entre eles lá estava eu, para orgulho do meu currículo.

Você fala da conexão com os animais surgida na infância. Como nasceu a paixão?

Desde pequena, não vivo sem bichos perto de mim. Animais são a face selvagem do divino, criaturas puras e inocentes. Fico revoltada com a covardia e a ignorância da raça humana ao desrespeitá-los, maltratá-los, humilhá-los publicamente em rodeios, circos, vaquejadas, touradas e tantos outros “eventos” pré-históricos. E ainda o fazem diante de crianças, como se bichos fossem coisas. Deixar de comer cadáveres de animais é uma espécie de epifania que acontece com quem se comove com a dor deles, com o medo que eles sentem e com o sangue derramado. Já comi carne nessa vida, e cada um tem seu tempo para sentir dentro do coração que animais são amigos, e não alimento. Ainda mais hoje, com tanta informação. Se você for a um matadouro ou aviário, pode apostar que não vai sair de lá sorrindo. Quando você começar a reclamar de seu confinamento nesta pandemia, lembre-se dos bichos que passam a vida inteira em zoológicos, longe de seus hábitats, para “entreter” os humanos. Eu me alimento das sopas saborosas que Rob prepara para mim com o que há em nossa horta. Mas, na noia dessa pandemia, estou sem apetite e emagreci três quilos. Estou um esqueleto ambulante, pesando 48 quilos.

(Foto Guilherme Samora/Ilustração Julia Lego/CLAUDIA)

Como se sente com a destruição da Amazônia a que assistimos agora?

A raça humana está espiritualmente doente e infectando o planeta com sua ignorância materialista; é um verdadeiro vírus para a Nave Mãe Terra. O mundo todo agora está vendo o que há muito tempo se faz na Amazônia. O absurdo crime ambiental que acontece hoje é um vexame para o Brasil; o desrespeito com os índios é praticamente um genocídio. Dói na minha alma e causa revolta o que há por trás dessa destruição toda. Assim como rezo pela preservação do verde, também sei rogar altas pragas para a gentalha responsável por tamanha tragédia.

Em seus livros, você fala dos nossos primos das estrelas e já citou diversos avistamentos de óvnis. Seu pai era ufólogo. Ele compartilhou a paixão com você?

Meu pai era um estudioso do assunto e eu herdei seus conhecimentos. Ele sempre me chamava para mostrar figuras dos “deuses” de várias culturas talhadas em pedras, retratados até em quadros renascentistas, as linhas no solo de Nazca e tantas outras representações de como os humanos percebiam a presença deles. Já notou a quantidade de avistamentos que têm acontecido ultimamente, desde que a pandemia começou? A ufologia é séria, não é algo maluco como a teoria da terra plana. Claro que há muito material fake por aí, mas a passagem de óvnis nos céus da Nave Mãe Terra é indiscutível.

Como nossos primos enxergariam a condição da Terra hoje?

Nosso planeta é um oásis no Universo, e a experiência humana tem se mostrado cada vez mais destrutiva no quesito reino mineral, vegetal e animal. O aquecimento global que muitos pseudoclimatologistas negam é uma realidade. Os irmãos das estrelas devem fofocar muito sobre nossa ignorância espiritual em contrapartida com nossa adoração por coisas materialistas.

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Você rompe com essa atitude capitalista do consumismo. Já falou que usa as mesmas roupas há anos e prefere uma vida tranquila em casa. O que é satisfação para você?

Chique para mim é o simples. Ter uma horta é muito mais luxuoso do que ter uma Ferrari. Acho qualquer tipo de ostentação cafona.

E o que é um luxo para você?

Uma extravagância de gente velha: tirar uma soneca toda tarde.

 

Clique aqui para ler um conto que Rita escreveu exclusivamente para CLAUDIA.

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