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Ícaro Silva fala de racismo e sua vontade de transformar a sociedade

Com 31 anos e a bagagem de um veterano, o ator deseja revolucionar a comunidade pelo estudo e pela arte

Por Luciana Ackermann
Atualizado em 18 fev 2020, 10h25 - Publicado em 29 mar 2019, 10h32
 (Lucas Landau/CLAUDIA)
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Prestes a integrar a trama de Verão 90, novela das 7 da Globo, Ícaro Silva, 31 anos, precisou comprar um secador de cabelo – acessório que nunca havia tido em casa. Além disso, passou oito horas na cadeira do cabeleireiro para fazer os dreads do personagem Ticiano, conhecido como o rei da lambada. “Tenho me realizado. Ele é extremamente solar, e eu pude investir no meu talento para cantar e dançar, algo que sempre me encantou”, conta o paulista.

Para compor o exibido lambadeiro, do tipo que mente sobre namoradas para bombar a carreira, inspirou-se no estilo de Sidney Magal, Ney Matogrosso, Beto Barbosa e Beto Jamaica. “É memória afetiva e lúdica. Afinal, vivi os anos 1990, uma estética de muita cor e leveza.” O visual, além de exigir adaptações e dedicação, despertou reflexão. “Eu gostei, é uma masculinidade diferente, tem certa sensualidade”, diz ele, que adotou uma argola dourada em uma das orelhas para o dia a dia, mesmo despido do personagem.

“Eu me animo para borrar fronteiras criadas entre masculino e feminino. São velhas, não dialogam com o futuro nem com a revolução feminista que vemos hoje.” Para o artista, os homens têm dificuldade em definir com assertividade seus papéis porque ainda se mantêm presos a estereótipos. “Não percebemos quão destrutivo é o machismo dentro da construção da masculinidade e, por isso, a criamos de maneira tóxica, deturpada e totalmente distorcida”, reflete.

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Segundo Ícaro, há outro fator de extrema importância para levar em consideração nesse caminho: ser homem negro. “Tem que ter jogo de cintura para fugir do tipo machão, viril, gostosão; para construir uma masculinidade que dialogue com os nossos tempos, em que o feminino tenha espaço dentro de mim. É uma grande batalha”, analisa.

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Diante do discurso rasteiro de que não há racismo no Brasil, recorre à empatia e apela para sua faceta cristã. “Fui criado no catolicismo; minha mãe é estudiosa da Bíblia. Eu me desliguei da Igreja Católica porque não me sentia acolhido e não concordava com todos os dogmas, mas há uma lição filosófica importante: ‘Amar o próximo como a ti mesmo’ ”, ressalta. O ator tenta abrir espaço para conversa e passar para o outro o conhecimento que adquiriu ao longo dos anos com estudo e experiências pessoais. “Se a pessoa não está a fim de aprender, é turra ou realmente racista, corto o papo. Estamos num momento de praticidade, pois os problemas estruturais a ser resolvidos são muitos”, dispara Ícaro, que teve a cabeça raspada até os 15 anos porque o convenceram de que seu cabelo era feio. “Meu filho preto não vai de jeito nenhum ser criado em um ambiente em que ele tenha que ser duas vezes melhor por causa da cor da pele dele, como eu fui.”

Ícaro Silva
(Lucas Landau/CLAUDIA)

Nascido em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, Ícaro cresceu em Diadema, cidade que já foi considerada a mais perigosa do país. Com os pais, Josefa, faxineira, e Zedequias, torneiro mecânico, e a irmã quatro anos mais velha, Marta, viveu em diferentes favelas, fugindo das constantes enchentes, desmoronamentos e violência extrema. Em um dos barracos, Josefa chegou a ser vítima de bala perdida enquanto dormia. Na memória do menino, restam as imagens da união dos moradores, que ajudavam a reerguer a casa dos vizinhos após tragédias – para ele, é daí que vem o senso de empatia que o anima a continuar lutando por mais igualdade. E tinha direito a churrasco após o mutirão. “É o que chamam de bater a laje. Só no nosso barraco, que era de madeirite, o processo se repetiu três vezes até a casa de concreto de três andares ficar pronta.”

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Desde criança, Ícaro ouviu dos pais que a educação era a melhor ferramenta para a transformação. Aprendeu a escrever aos 4 anos. Dos 8 aos 12, publicou três livros: Três Historinhas de Ícaro Silva, O Peixinho Dourado, As Aventuras de Gera. Ele e a irmã partiam para bairros de classe média para vendê-los de porta em porta. Também compunham e cantavam raps. Tudo estimulado pelos pais. “Eles sabiam que tínhamos que nos desenvolver para construir o mundo que queríamos viver”, resume o artista, com orgulho da trajetória familiar. Josefa e Zedequias passaram em concursos públicos. A irmã tornou-se mulher de negócios, é fluente em quatro idiomas e mora em Stuttgart, na Alemanha, onde fez mestrado. Ícaro já ostenta uma carreira de duas décadas. O talento precoce chamou a atenção. Em uma das entrevistas do autor mirim, a jornalista Silvia Poppovic alertou que Ícaro iria bem em uma carreira publicitária. Lá foi Josefa Silva com uma foto do filho à produtora O2, de Fernando Meirelles.

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O menino começou fazendo figurações e em 1998 estreou a primeira novela, Meu Pé de Laranja Lima, exibida na Band. “Sempre soube que a arte seria meu caminho, não sei fazer outra coisa”, afirma. Mais recentemente, em 2017, emocionou espectadores do quadro Show de Talentos, no Domingão do Faustão, interpretando canções de Beyoncé e Michael Jackson. Recebeu elogios de sumidades do mundo artístico, como Claudia Raia. “Ela me disse: ‘A dança gosta de você’ ”, conta, orgulhoso. No teatro, ganhou o papel do polêmico Wilson Simonal, em musical biográfico do artista. Nas telonas, foi Jair Rodrigues no longa Elis, também editado em formato de série, exibida recentemente na Globo. Este mês, além da TV aberta, aparece na nova série nacional da Netflix, Coisa Mais Linda. E prepara-se para voltar aos palcos com o espetáculo Ícaro and The Black Stars, que percorrerá sete cidades. Tanto trabalho não o assusta, e o futuro não é uma angústia constante. “Um aprendizado que veio de dentro de casa e que levo para a vida é dar valor ao presente. Eu paro e penso: ‘Como posso aproveitar ao máximo meu tempo com essas pessoas?’.”

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