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“Me tornei pai na pandemia e conheci meu filho por chamada de vídeo”

Washington Soares, de Belo Horizonte, terá seu primeiro Dia dos Pais depois de fazer a adoção solo de Kauan

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
9 ago 2020, 13h00
Washington e Kauan, que não pode ter o rosto divulgado enquanto a guarda definitiva não for concedida ao seu pai. (Arte/CLAUDIA)
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Lembrar da primeira memória do sonho da paternidade é difícil para o mineiro Washington Soares, 33 anos. A família sempre foi a maior fatia da sua vida e dar continuidade a esse alicerce nunca foi um peso, mas sim uma expansão na forma de amar. Com o tempo, o desejo de ser pai ganhou uma forma especial para ele: a adoção, que se tornou mais possível, quando seus tios conseguiram adotar um menino após quatro anos na fila de espera. “A família toda acompanhando eles, me motivou e serviu como um estalo de que seria possível realizar meu sonho”, relembra.

O projeto de vida, para ele, precisava ser compartilhado para sair do papel. “Quando me casei, falei com a minha esposa sobre a ideia de adotar, mas ela não demonstrou muito interesse. Então, decidimos esperar por um filho biológico”, conta Washington, que, em 2018, não estava mais no relacionamento. O fim do casamento veio em uma nova fase de sua vida, em que estava mais estabilizado financeiramente.

Caminhando pelas ruas de Belo Horizonte, em dezembro desse mesmo ano, deu de cara com a Vara Cível da Infância e da Juventude. “Resolvi entrar para ter mais informações. Foi assim que descobri que poderia fazer uma adoção solo. Como sabia que o processo seria longo, reuni os documentos e fiz o primeiro cadastro. Cinco meses depois, recebi um e-mail para agendar a visita técnica”, diz Washington. Até essa fase, familiares e amigos não sabiam de nada. “Não queria criar expectativas e deixá-los ansiosos”, explica.

A escolha precisou ser deixada de lado, quando a assistente social em uma das entrevistas pediu para conversar com seus pais. “Minha mãe aceitou bem e deu bastante apoio. Já o meu pai fez alguns questionamentos sobre a responsabilidade de assumir a paternidade só e sugeriu esperar para ter um filho biológico. Mas conversamos, e ele concordou”, comenta. Pelo fato da adoção ser monoparental, os futuros avós precisam ter conhecimento da chegada do novo familiar e demonstrar receptividade à ideia, já que caso venha acontecer algo com o pai, eles serão os responsáveis pelo menor.

Em fevereiro deste ano, o mineiro recebeu a habilitação da Justiça e passou a integrar o Cadastro Nacional da Adoção. “Comecei a pesquisar mais e percebi a falta de informações sobre adoções solo. Nesse momento, encontrei uma iniciativa do Rio Grande do Sul de busca ativa, que funciona como um registro de crianças e adolescentes com mais dificuldade para serem adotados”, aponta. A busca ativa é um serviço prestado pela sociedade civil ao Estado por meio de ONGs e instituições para facilitar a adoção de menores pertencentes aos seguintes grupos: irmãos que não devam ser separados, crianças acima de 5 anos, com deficiências físicas e/ou mentais.

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Uma lista com as histórias das crianças e adolescentes, mas sem identificação, como nome e foto. Foi por meio dela o primeiro contato de Washington com Kauan, 11 anos. “Quando li a trajetória dele, tive a certeza que era o meu filho”, conta. Em março, entraram em contato para saber se ele realmente tinha interesse em conhecer o garoto. “Fiquei muito ansioso para dar certo. Atualizava o meu e-mail direto na expectativa de receber a foto dele. Lembro que estava de férias, deitado, quando vi a notificação. Eles nos conscientizam bastante sobre não romantizar nada, mas na hora que olhei a foto dele, no Natal do ano passado, chorei e falei: ‘é o meu filho, ele acabou de nascer para mim’”, revela emocionado.

A chamada de vídeo mais importante de sua vida tirou seu sono literalmente. Por conta da pandemia, o encontro do mineiro com o gaúcho foi por intermédio de um sinal de internet e da tela do computador. “Tive crise de ansiedade, acordei cedo, me arrumei e pesquisei o que poderia ou não falar com ele, mas o coração só acalmou na hora que o vi. Como ele já tem 11 anos, pôde escolher estar ali e aceitou que, se desse certo, só teria eu, e não um casal. Segurei o choro para não o assustar, e engatamos uma conversa, tímida por parte dele, mas que ainda esboçava graça por conta do meu sotaque”, descreve Washington sobre o papo que durou duas horas.

As conversas passaram a ser de segunda a sexta, por uma hora, e depois três vezes por semana. 90 dias trocando impressões sobre a vida, desenhos e sentimentos. Esse último, inclusive, foi um dos maiores desafios para o aspirante a pai. “Não preciso de terapia”, pensava, mas no fundo sabendo que estava enganado. Para se conhecer e canalizar suas emoções, o acompanhamento psicológico foi uma das alternativas. “Tinha uma resistência, só que vi que precisava fazer. Também comecei a escrever, participar de grupos de adoção e produzir vídeos para o YouTube”. No seu canal, a identificação é assertiva com homens solteiros, que têm o mesmo desejo, mas desconhecem a possibilidade de adoção monoparental.

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Preparar o quarto para o filho, mesmo sem ter a certeza se daria certo, foi mais uma alternativa para amenizar a ansiedade. Ao mesmo tempo, entrava em contato a juíza da Comarca do Rio Grande do Sul na tentativa de conseguir uma autorização para conhecer o garoto pessoalmente. “Com o teste de Covid e o aval dela, viajei para o RS no dia 9 de julho. Foi uma surpresa para o Kauan. Me escondi no abrigo, mas na frente de uma parede que ele conhece, e fizemos uma chamada de vídeo. Na hora, ele reconheceu o lugar e foi me dar um abraço”, conta o representante, que comprou passagem só de ida e decidiu ficar no hotel fazendo home office.

Com as visitas controladas, Kauan tinha a autorização para ficar com Washington no hotel. “No nono dia, ele já não queria mais voltar para o abrigo. Nesses encontros, me chamou de pai pela primeira vez, assustei, mas me acostumei rápido”, lembra aos risos. Para a surpresa de ambos, a juíza deu a guarda provisória para Washington, que poderia finalmente ver o quarto que preparou com o seu verdadeiro dono ocupando. “Chegando em casa, disse a ele que tudo o que era meu, era dele, que éramos amigos, mas também pai e filho. O respeito não poderia faltar”, revela o pai, que preparou um cronograma de atividades. “Tem hora de brincar, estudar, mexer no celular, fazer tarefas da casa”, explica.

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Se a pandemia escancara as fragilidades e discrepâncias sociais, para Washington, ela também demonstrou a potência de transformação do amor. “É gratificante, mesmo nesse cenário, estou vivendo o melhor ano da minha vida. Acho que a maternidade e a paternidade nascem em algumas pessoas. Falo que nós dois somos um encontro de alma, que só demorou um pouco para acontecer”, diz. Para o futuro do Kauan, Washington só tem um desejo “que o passado dele não reflita negativamente no seu futuro. E estamos juntos nessa batalha. Um dia ele passou a mão na minha cabeça e disse que me amava. São esses momentos que vamos lembrar para sempre e que considero o melhor presente para o meu primeiro Dia dos Pais”.

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