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Yacunã Tuxá e sua arte antirracista

Foi no caleidoscópio de cores e culturas de seu povo que a artista visual baiana, de 29 anos, aprendeu as primeiras inspirações para seu trabalho

Por Joana Oliveira
13 jan 2023, 08h48
A artista visual Yacunã Tuxá.
A artista visual Yacunã Tuxá. (Marcus Leoni/Reprodução)
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Quando era criança, Yacunã Tuxá acreditava que sua aldeia era o mundo. Aos 29 anos, tem certeza que é assim. Foi no caleidoscópio de cores e culturas de seu povo, às margens do rio São Francisco, na Bahia, que ela compreendeu, antes de conhecer a palavra, o significado de arte. “Ela estava em toda parte, na dança da minha gente, nas histórias dos meus avós, na linguagem corporal das mulheres enquanto conversavam e fumavam o malako.”

Todas as referências e a estética de Yacunã estão mergulhadas na cosmovisão e espiritualidade dos Tuxá, e, também por isso, a ideia de ser artista lhe parecia distante. Algo reservado apenas aos brancos. “Eu nunca parei de desenhar, escrever ou de me expressar criativamente. Mas foi quando saí da aldeia que compreendi que a arte é uma potente ferramenta de luta, de prática antirracista”, afirma ela, que acaba de participar da Re-Ocupação de Arte Indígena Antirracista, no Museu de Arte Sacra, em Salvador — quiçá a primeira grande exposição de arte indígena na Bahia.

Yacunã considera que a própria expressão “arte indígena” não dá conta do universo criativo que foge da lógica colonial e sua ânsia de dar nome a tudo. “O movimento é semente que se espalha e reverbera em diferentes dimensões. É também uma flecha certeira. Aponta, afirma e alcança um nível de discussão que é profundo e engajado politicamente”, diz. Em uma de suas obras expostas, O Voo do Alvo, ela reflete sobre as dificuldades que o corpo de uma mulher indígena enfrenta por “voar” em espaços inesperados. “A lógica do racismo é perversa e insiste em dizer onde podemos chegar e permanecer. Busco com o meu trabalho sonhar outros mundos possíveis, dizer que todo lugar é lugar para a presença indígena”, afirma, ao retomar territórios antes inimagináveis para ela e para os seus.

Confira a entrevista completa com a artista.

CLAUDIA: Como e quando surgiu sua relação com a arte? Desde criança, já sabia que queria fazer isso?
A minha relação com a arte começou muito cedo, desde menina gostava de desenhar a observação que eu fazia do mundo. Eu achava que a minha aldeia era o mundo, e é. Costumo dizer que a minha cultura era para mim, na infância, como um caleidoscópio de cores e de saberes. A arte estava em toda parte, na dança da minha gente, nas histórias dos meus avós, na linguagem corporal das mulheres enquanto conversavam e fumavam o malako.

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A arte não se separa da vida. Está em tudo. Ainda assim, na minha adolescência a ideia de ser uma artista parecia muito distante. Arte parecia coisa que só os brancos poderiam fazer, estava nos livros e nas mídias a ausência evidente das autorias indígenas.  Eu nunca parei de desenhar, ou de escrever, ou de me expressar criativamente. Mas foi quando saí da aldeia que compreendi que a arte é uma potente ferramenta de luta, de prática antirracista. Eu sou uma artivista, articulo linguagens artísticas para falar o que quero dizer, para alcançar as pessoas e falar da minha gente, das nossas raízes, saberes e provocar uma reflexão ou uma aproximação da população brasileira com as pautas indígenas.

A arte tem o poder de comunicar, de dizer de um jeito único aquelas coisas que ficaram presas em armários, em quartos de empregadas diminutos, em fotografias antigas… O brasil inteiro é terra indígena, o Brasil precisa entender a força da memória e da presença originária. Há memória de nós na voz dos rios, das florestas, das cidades que antes foram aldeias.

Uma das obras de Yacunã Tuxá.
Uma das obras de Yacunã Tuxá. (Reprodução/Reprodução)
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CLAUDIA: De que forma sua arte é uma ferramenta de expressão também da sua cultura e ancestralidade?
A minha arte está toda atravessada pelas potencialidades que emergem da minha identidade, ela não se separa do meu ser Tuxá. As referências que trago, a estética, está mergulhada pela cosmovisão e espiritualidade do meu povo. Eu acho isso importantíssimo, porque, quando se trata da realidade dos povos indígenas, há ainda um grande desconhecimento por parte da população brasileira. Despertar o olhar das pessoas é o meu objetivo. Existem muitos povos indígenas Gosto de saber que as mulheres indígenas se identificam com o meu trabalho, que se reconhecem nele, isso é de uma força sem tamanho. Quando me propus a difundir o meu trabalho nas mídias sociais, eu tinha essa preocupação: romper com a imagens estereotipadas do que é ser indígena. Eu gosto de mostrar a diversidade para que as pessoas entendam de uma vez por todas que a cultura dos povos indígenas é plural e dinâmica, ela não é estática, ela não ficou no passado. Estamos em movimento, ativando frentes de resistência para seguirmos vivos.

CLAUDIA: Como você se sente em relação à expressão “arte indígena”? Acha ela limitadora ou sente que dá vazão à toda a produção criativa e artística dos diferentes povos originários do Brasil?

É difícil nomear esse movimento que se difundiu como arte indígena contemporânea. É isso, mas também é uma outra coisa. Está em constante devir. Observo que os artistas indígenas e as suas produções são difíceis de rotular e isso foge totalmente da lógica colonial que insiste em nomear tudo, em nos encaixar em moldes. O movimento que os artistas indígenas propõem é semente que se espalha e se reverbera em diferentes dimensões, mas é também uma flecha certeira, aponta, afirma e alcança um nível de discussão que é muito profundo e engajado politicamente.

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CLAUDIA: Temos visto cada vez mais artistas de diferentes povos expondo em museus no Brasil e mundo afora. Você acredita que a evolução no discurso e na narrativa das instituições acompanha esse aumento de representatividade?
Acredito que a pauta da representatividade está muito em alta e isso gera uma demanda de que “ah, é preciso incluir artistas indígenas” etc, mas essa inclusão, muitas vezes, tem o seu sentido esvaziado, é apenas para cumprir tabela, pois não há uma preocupação real em debater, ouvir propostas, descolonizar. É claro que existem espaços sérios que estão realmente interessados em construir algo em conjunto, de pensar a arte sob uma perspectiva antirracista e, nesse ponto, é preciso celebrar os trabalhos e a chegada de vários artistas indígenas a algumas instituições de arte.

CLAUDIA: Por fim, onde você sonha chegar com sua arte? Quais são seus maiores desejos nesse sentido?
Eu sonho muito. Tenho grandes sonhos para o meu trabalho e para os meus parentes indígenas. Quero ver os meus pares com mais frequência dentro dos espaços de arte, retomando territórios antes inimagináveis. A exposição da qual participo na Bahia chama-se Hãhãw, que quer dizer terra/ território na língua Patxohã do povo Pataxó. Essa é talvez a primeira grande exposição de arte indígena na Bahia. Um dos meus trabalhos em exposição chama-se O Voo do Alvo e reflete justamente sobre as dificuldades que o corpo de uma mulher indígena, alvo do racismo, enfrenta por “voar” em espaços inesperados. A lógica do racismo é perversa e insiste em dizer onde podemos chegar e permanecer, busco com o meu trabalho sonhar outros mundos possíveis, reverter essa lógica e dizer que todo lugar é lugar para a presença indígena.

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