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Exclusivo: a obra da deputada Stacey Abrams pelos olhos de Maju Coutinho

Redigido pela jornalista, CLAUDIA divulga com exclusividade o prefácio da autobiografia de Stacey Abrams, 'Você pode fazer a diferença'

Por Ligea Paixão (colaboradora)
12 nov 2021, 14h02
Você pode fazer a diferença - Maju e Stacey Abrams
 (Fotos: Hugo Toni/CLAUDIA/Editora Nacional/Divulgação/Earl Gibson III/Getty Images/Arte: Karoline Santos/CLAUDIA)
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Responsável por escrever o manual que guiou a campanha presidencial de Joe Biden e Kamala Harris em 2020, Stacey Abrams é hoje um símbolo da política estadunidense. Influente, dinâmica e imprescindível, a deputada fez história como líder respeitada e como mulher, algo tão significativo dentro de uma estrutura que ainda carece de representatividade.

Eleita em 2006 à Câmara dos Representantes da Geórgia, a parlamentar, que também é advogada e empreendedora, foi responsável pela virada pró-Biden durante as últimas eleições. Stacey foi contra o próprio perfil de liderança ideal de um cidadão estadunidense, sendo mulher e negra.

Racismo, poder e virada. É exatamente sobre isso que a autobiografia da deputada Você pode fazer a diferença: como construir o futuro e promover mudanças reais, indicação da última edição da revista CLAUDIA, nos fala. A trajetória desta referência política mostra como a ambição muda tudo.

Para a jornalista Maju Coutinho, seu caminhar e o da parlamentar se assemelham em muitos aspectos. A nova apresentadora do Fantástico, da Rede Globo, compartilha esse pensamento no prefácio que escreveu para a versão brasileira do livro, publicado pela editora Nacional. Para ela, Stacey é um incentivo a abraçar a ambição.

“Eu escrevi Você pode fazer a diferença porque queria desconstruir os sucessos e os fracassos que tive e redefini-los como potenciais guias para os outros”, avalia Stacey. Ela apresenta nesta obra observações contundentes a partir do ponto de vista de uma mulher negra ocupando uma cadeira geralmente restrita a uma maioria de homens brancos.

“Tenho que erguer minha voz porque o silêncio não é apenas perigoso, é corrosivo”, defende Stacey.

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“Entender como minha história liberou outros para contar suas próprias histórias me permitiu entender melhor porque decidi escrever este livro. É o mesmo motivo pelo qual me recusei a silenciar a respeito de quão injusto nosso processo eleitoral se tornou e o perigo que ele representa para o experimento democrático”, escreve a autora.

Confira com exclusividade o prefácio da publicação assinado por Maju Coutinho:

Maju Coutinho
(Editora Nacional/Divulgação)

A ambição como pulsão de vida, por Maria Júlia Coutinho

Ao ler Stacey Abrams, é inevitável estabelecer certos paralelismos entre a trajetória dela e a minha – e imagino que você também acabe fazendo isso. No meu caso, especificamente, temos idades próximas – tenho 43 anos e ela 47. Apesar de estarmos a milhares de quilômetros de distância uma da outra, eu no Brasil e ela nos Estados Unidos, nossas histórias inevitavelmente se cruzam em vários pontos porque somos ambas mulheres e negras. Teria sido tão bom se eu tivesse conhecido a trajetória de Stacey há mais tempo! Eu teria entendido que, para quem dificilmente se via ocupando os espaços de poder, era esperado sentir um medo quase paralisante, mas compreenderia também que o ciclo do pavor pode e deve ser interrompido. Com certeza, teria lidado melhor com minhas ambições, muitas vezes tratadas como arrogância.

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Para muitos, aliás, a palavra ambição vem carregada de negatividade. Chega a ser confundida com voracidade, agressividade, petulância. Para Stacey Abrams, ambição é pulsão de vida e precisa ser descoberta, compreendida e acariciada. É uma ferramenta que deve ser usada para criar um percurso para a liderança diante do sabotador que, muitas vezes, carregamos dentro de nós e também dos sabotadores que nos cercam: chefes, colegas, “amigos” e até familiares. Pessoas que insistem em nos dizer: “não vai dar certo”, “melhor parar por aqui” ou “quem é você na fila do poder?”.

A palavra ambição aparece pelo menos cinquenta e seis vezes em Você pode fazer a diferença e a autora nos oferece até a “planilha de ambição da Stacey” para que nos lembremos por que desejamos o que desejamos e do que precisamos para alcançar o nosso objetivo.

O guia de Stacey é útil para todos, mas principalmente para aqueles que foram ensinados que vieram ao mundo apenas para satisfazer o desejo do outro. Outro que geralmente tem determinada cor, determinado gênero e determinada conta bancária. “Eu escrevi Você pode fazer a diferença porque queria desconstruir os sucessos e os fracassos que tive e redefini-los como potenciais guias para os outros”, diz Stacey, uma mulher negra, nascida e criada em uma família de classe média baixa, que, não conformada com o destino que lhe foi estruturalmente reservado num estado norte-americano como o da Geórgia − de tradição conservadora, onde a ascensão de homens e mulheres não brancos (e até mesmo de mulheres brancas) é extremamente difícil −, destacou-se como legisladora, empreendedora e ativista cívica. E o seu destaque nesses vários campos possibilitou, ainda mais, sua candidatura a governadora do estado da Geórgia, em 2018. Se eleita, seria, na história dos Estados Unidos, a primeira mulher e também a primeira negra a ocupar a chefia de um governo de estado. Obteve grande votação e perdeu, por uma diferença mínima de votos. Segundo ela afirma, houve supressão de votos, fato que ela não se esquivou de denunciar.

Stacey Abrams foi considerada a arma secreta da vitória democrata na Geórgia, onde sua campanha em prol do registro de eleitores não brancos favoreceu o registro de cerca de 800 mil novos eleitores. Em virtude do dinamismo da influência de Stacey e do respeito que ela conquistou, a Geórgia – estado decisivo em termos de pleitos federais, onde normalmente os republicanos levam vantagem – acabou por favorecer a vitória do democrata Joe Biden.

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E o combo de conquistas “staceyanas” vem acompanhado também de um combo de fracassos e inseguranças, como quando ela foi selecionada para participar de um curso de verão em um acampamento para alunos com alto desempenho e, sentindo-se inferior diante dos colegas, implorou para que seus pais a deixassem ir embora. Seu pai, porém, a aconselhou a ficar confortável com a ideia de não estar nem perto de ser a pessoa mais inteligente no ambiente. Arrematou dizendo à filha que aceitasse o fato de não ter tido a mesma criação e educação que os outros, e que cabia a ela decidir se isso importava.

Stacey bota na conta dos pais boa parte da responsabilidade pelo seu sucesso. Sua mãe e seu pai, apesar de terem formação escolar de nível superior e de nunca enfrentarem desemprego, às vezes mal conseguiam fechar as contas no azul, o que ela atribui ao fato, também verificável aqui no Brasil, de que para os excluídos socioeconomicamente de forma estrutural nem sempre a escolaridade basta. Segundo Stacey, porém, sua mãe incutia na mente dela e de suas três irmãs e dois irmãos que eles deveriam obter conquistas além do que ela e o pai haviam realizado. Para tanto, seus pais propunham apoio em três pilares: a igreja, a escola e o cuidado mútuo familiar. Além disto, apresentavam aos filhos outros apoios culturais ao seu alcance, como a leitura de bons livros e o cuidado na escolha de bons programas de televisão.

Você pode fazer a diferença se dirige a quem deseja se tornar parlamentar ou diretor de uma empresa, a quem quer abrir o próprio negócio, aos outsiders, mas esta mesma obra tem muito a dizer, também, para aqueles que sempre estiveram no topo, no comando. É um alerta para a urgência dos chefões fazerem o teste do pescoço e olharem para o lado para verificar se há diversidade nos espaços de poder e, caso ela ainda não exista, descobrir como agir para garanti-la.

E a Stacey que nos incentiva a abraçar a ambição sabe que isso só é possível se mantivermos corpo e mente sãos. E, para manter a sanidade, ela passa longe do clichê da vida profissional e pessoal em perfeito equilíbrio. Stacey, na realidade, acredita no Jenga da vida profissional e pessoal. Explico melhor: Jenga é um jogo que consiste em construir uma torre perfeita empilhando blocos do mesmo tamanho e em seguida ir puxando bloco por bloco para reempilhá-los. O objetivo é fazer o máximo de movimentos possível, retirando as peças sem deixar a torre cair. No Jenga, assim que o jogo começa, já não se pode dizer que há equilíbrio perfeito, e o jogador tem de ter estratégia, sabedoria e precisão para não retirar uma peça fundamental ou fazer um movimento brusco demais, colocando tudo a perder.

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Mesmo admitindo ainda ser péssima no quesito autocuidado, Stacey acredita que ele é a peça-chave da torre do Jenga da vida profissional e pessoal, em que os blocos são acomodados de acordo com as circunstâncias.

Stacey pratica meditação e quem sabe seja essa a arma secreta para que alcance o que foi dito na abertura de um artigo de 2017 sobre ela na revista Cosmopolitan: “Se tudo correr como planejado, a iniciante Stacey Abrams concorrerá à presidência em 2028. Não em 2020 – é muito cedo. Não em 2024 – o democrata que derrotar Trump em 2020 será reeleito. Não, a primeira oportunidade é 2028. Esse é o ano dela”.

Como o clima é determinante na política, o tempo e o vento nos dirão se a planilha de ambição da Stacey se cumprirá. Que bons ventos a guiem!

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