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Poesia após a vertigem: os próximos passos da cineasta Petra Costa

A cineasta encara ataques virtuais sexistas com a mesma delicadeza que usa em seu trabalho ao retratar as brutalidades da sociedade machista contra mulheres

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 7 mar 2020, 07h00 - Publicado em 7 mar 2020, 07h00
(Diego Bresani/CLAUDIA)

Em meados da década de 1970, a fotógrafa Cynthia MacAdams propôs a amigas, artistas, escritoras e ativistas – todas feministas –, retratá-las. “Ela achava que as mulheres ficavam diferentes por causa do feminismo e queria ver se isso aparecia nas fotos”, narra Johanna Demetrakas em seu documentário Feministas: O Que Elas Estavam Pensando?.

No filme, de 2018, a cineasta procura, 40 anos depois, as personagens dos registros em preto e branco para falar sobre como elas se enxergavam, o que mudou nelas, no movimento e no mundo. “Cynthia descobriu algo mais complexo do que o fervor político, mais básico do que a identidade sexual. Ela captou essas mulheres em um momento em que se sentiam livres para serem quem são”, complementa Johanna.

O belo documentário é uma das indicações de Petra Costa para a iniciativa “Porque ela assistiu”, organizada pela Netflix em parceria com a ONU Mulheres. A plataforma pediu a mais de 50 mulheres do mundo que trabalham na indústria cinematográfica que sugerissem títulos feministas para celebrar o Dia Internacional da Mulher.

Quem viu Petra caminhando pelo tapete vermelho do Oscar, em fevereiro deste ano, enxergou ali a figura de uma mulher livre para ser quem é. Não a um custo baixo, porém. Observadora por natureza, a mineira testemunha violências contra mulheres há anos – e grava o impacto disso em seu trabalho, como aparece em Elena (2012) e Olmo e a Gaivota (2014). No mais recente, Democracia em Vertigem, descreve o ataque à então presidenta Dilma Rousseff durante o processo de impeachment. Mostra os chocantes adesivos distribuídos pela oposição em que a política é representada com as pernas abertas.

O filme foi indicado ao Oscar de melhor documentário, fazendo de Petra a primeira diretora brasileira a alcançar a façanha. Antes mesmo da premiação, a cineasta viu crescerem agressões sexistas contra ela nas redes sociais, mas também as recebeu de órgãos do governo e do jornalista Pedro Bial. “Há uma tentativa constante de usar a comunicação do governo para me chamar de militante anti-Brasil, quando, na verdade, estou fazendo o que acredito ser meu dever. O filme é um gesto amoroso, mostra que o Brasil com o qual eu sonhava não era esse que perde para o ódio, que é tão corrosivo às instituições”, explica Petra.

A conversa com CLAUDIA ocorreu no dia de sua volta de Los Angeles. Na mesma data, outra mulher havia sido vítima do machismo governamental. A jornalista Patrícia Campos Mello foi agredida pelo presidente com palavras obscenas e, nas redes sociais, virou protagonista de memes grotescos. “Quando esses ataques acontecem, é importante mostrarmos irmandade”, declara Petra.

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“É mais um sintoma da epidemia de machismo e fascismo que estamos vivendo em todo o mundo. Muitas pessoas acharam que se beneficiariam com a saída de Dilma porque não concordavam com suas políticas, mas o que vemos é que, quando há desrespeito às regras democráticas do Estado de Direito, abrimos brechas para ações que ferem a Constituição. É isso que acontece no Brasil hoje”, diz.

Você teve acesso aos bastidores da política, ambiente frequentado por poucas mulheres e nada amigável a elas. Acha que é possível ser otimista em relação ao futuro?
A transformação só virá com mais mulheres na política, e os partidos precisam ter iniciativa para formar lideranças. Não dá para viver em um país que em 2020 ainda não descriminalizou o aborto e onde se é linchado ao defender isso. Há casos de ativistas que se exilaram após receber ameaças por defender direitos básicos da mulher sobre o próprio corpo.

O machismo marcou o processo de impeachment de Dilma e parece conduzir declarações e decisões deste governo. Foi notório, inclusive, o aumento dos números de violência contra a mulher. Como foi seu embate com o machismo nos últimos anos?
Essa escalada autoritária deveria ser assustadora para todos, mas está acontecendo uma espécie de cegueira e silenciamento de quem tenta jogar luz nessas situações. A avalanche de ódio serve a interesses de homens brancos que querem preservar seus privilégios. As mulheres deveriam se sensibilizar com ataques como esses. Os que ocorrem online são, na maioria das vezes, contra minorias, dentre elas as mulheres. O aumento dos feminicídios nos últimos dois anos é o grito de agonia do patriarcado que não consegue aceitar o avanço dos direitos feministas e resolveu apelar para mecanismos antidemocráticos. Foi criado, desde as eleições, um discurso de ódio contra as mulheres.

A intensidade da polarização política brasileira é assustadora. É muito difícil abrir caminho para o diálogo. Seu filme, contudo, fez uma das raras pontes, juntou os dois lados para debater um momento político.
Estamos vivendo um momento de alienação, e ela abriu um precipício que impede o diálogo. A falta de comunicação provocou essa grande polarização. Ao mesmo tempo, há outro fator, o surgimento de um novo poder, que é o das redes sociais. Não nos adaptamos a elas ainda, nem desenvolvemos mecanismos de controle. Mas precisamos. Não dá para alguém espalhar fake news em tempo de eleição e não acontecer nada. Eu sinto que o filme conseguiu criar esse diálogo e abrir as mentes que não estavam antenadas ao que se passava, o que me alegra. Acho que gerou empatia mesmo entre pessoas que não concordavam politicamente. Esse respeito mútuo e autocontrole são regras essenciais para estabelecer a democracia no mundo.

Além dos anos de dedicação para produzir Democracia em Vertigem, que você mesma descreve como um processo pessoal muito difícil, ainda teve a divulgação, os festivais pelo mundo e a campanha do Oscar. Essa convivência constante com a política foi exaustiva ou você pretende continuar trabalhando e filmando nessa área?
Eu venho de um passado muito poético no cinema. Lembro quando cheguei ao Congresso, em 2016, e não tinha espaço para poesia. Essa barbárie que vivemos em três anos foi bastante desgastante. Meus primeiros filmes surgiram em sonhos e pesadelos. As imagens vieram do meu inconsciente. Gosto muito de uma frase da Pina Bausch que diz: “O que me interessa não é como as pessoas se movem, mas o que move as pessoas”. Eu crio um tipo de arqueologia do acesso, em que vou explorando esses sinais até chegar ao cerne, ao que me move. Fui percebendo que tenho mais autoridade para falar sobre coisas com as quais tenho intimidade, e é o que possuo de mais valioso. Então estou começando a reler poesia e me reconectando com esse mundo mais sutil.

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Você já falou anteriormente que teve poucos exemplos de cineastas mulheres. Isso tem mudado. Na sua categoria no Oscar, por exemplo, a maioria das indicadas era mulher. Como vê esse avanço no cinema?
Tem sido incrível conhecer diversas jovens mulheres que decidiram entrar no cinema inspiradas nos filmes que eu fiz, me deixa muito feliz. Até eu ver a Laís Bodanzky, não imaginava que fazer filme era algo tangível, parecia extremamente distante, então essas referências vão criando um universo de possibilidades para a gente. Seja na arte, no jornalismo, seja na política, cada mulher que consegue se colocar em um lugar acaba abrindo espaço para outras. No Brasil, o que mais faz falta agora são mulheres negras no cinema. É um absurdo a situação. Um estudo da Agência Nacional do Cinema sobre a indústria em 2016 mostra que os diretores negros, homens e mulheres, somam apenas 2,1%. O número se repete entre roteiristas e produtores executivos. Nenhuma mulher negra dirigiu filmes lançados comercialmente em 2016. Estatística estarrecedora em um país em que 54% são negros.

 

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