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Para Galciani Neves, do MuBE, democratizar a arte vai além do acervo

Curadora do Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia desde julho, a cearense Galciani Neves quer aumentar a pluralidade e tornar o espaço mais acolhedor

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
30 ago 2020, 10h00

Em sua casa, em São Paulo, a cearense Galciani Neves sonha com os ambientes amplos cercados por cimento queimado e vidro do Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia, o MuBe. O edifício, projetado por Paulo Mendes da Rocha, está fechado desde março, quando começou a quarentena na capital paulista. Em junho, a professora da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e do mestrado em arte da Faculdade Federal do Ceará (UFC) se tornou curadora da instituição. “É um desafio assumir a missão sem poder estar no prédio, sentindo a efervescência do público, testemunhando a convivência dele com as obras. Mas as questões humanitárias atuais são tão urgentes que o resto fica menor”, diz ela, que passou a quarentena com sua bebê nascida em dezembro.

Não só esse é um momento desafiador em termos de saúde pública, mas também em revisão de padrões e questionamentos sociais. Manifestações contra o racismo, por exemplo, alcançaram inclusive as artes. Em Londres e nos Estados Unidos, obras que perpetravam discursos preconceituosos foram removidas. A reflexão também cabe às nossas instituições, claro, mesmo que seja, por enquanto, só através das plataformas digitais.

Outra questão urgente e que precisa ser abraçada por um museu com ecologia no nome é a proteção do meio ambiente. A crise que o Brasil passa é profunda: recordes de desmatamento e de queimadas, vulnerabilidade de povos originários. Parece, portanto, que Galciani tem bastante trabalho a fazer e ela está ciente disso. A seguir, uma conversa com CLAUDIA sobre seu projeto para o MuBE.

Como foi a repercussão de você ter assumido esse posto tão importante? 

Eu entendo a representatividade de ser uma mulher ocupando um cargo como esse, é algo importante. Mas também tenho noção do meu lugar de fala como branca privilegiada. Tive acesso a boas escolas, me formei em uma universidade pública, algo que é mais comum na classe média do que entre a população vulnerável. Entendo, porém, que carrego outras questões. Eu sou nordestina em São Paulo. Isso não vai ser apagado do meu corpo, do meu sotaque, do meu jeito de pensar. Essa escolha por uma mulher diz muito do que o museu pretende. Não que o Cauê (Alves, curador antes de Galciani) não estivesse atento às causas identitárias e sociais do momento, mas ao escolher uma mulher para o cargo, o museu faz um posicionamento.

O mundo das artes tem discutido representatividade e equidade não só no acesso, mas na produção. Como o MuBE pretende tratar da questão em seu acervo, em sua proposta?  

Essa é uma discussão que começa com um novo entendimento do que é democratizar os espaços culturais. A pauta maior das instituições culturais tem a ver com ampliar o acesso inclusive de colaboradores do museu. Quem são os artistas, professores e professoras de cursos, pessoas que dão palestras pelo MuBE? A democratização do espaço é uma das ferramentas de construção e circulação de bens culturais, artísticos. Curadoria é uma atividade de construção de esfera publica de discussão. Como curadora, à medida que escolho e convido pessoas para estarem em programações e atividades, consequentemente essa decisão promove a legitimação de um trabalho ou de um artista. Inclui essa pessoa num circuito de fruição e participação. Ao mesmo tempo, eu deixo de selecionar outros trabalhos e pessoas. É preciso pensar nessas decisões para que se abra o espaço para a pluralidade, diversidade, complexidade. Construir um museu é um processo colaborativo, é um trabalho em teia. 

Há, neste momento, cobrança para que as instituições e até as prefeituras revejam obras expostas de acordo com o posicionamento defendido ou com as crenças do artista. Em outros países, estátuas de homens racistas exaltados pela história foram removidas. Vocês pretendem fazer uma revisão de acervo? 

O MuBE tem por base o comprometimento ético, político, poético. Essa tríade orienta nossas decisões. Trabalhos e pensamentos criminosos vão na contramão disso, não estariam na nossa instituição, portanto. Eu defendo que esses debates sobre a validade da arte sejam aprofundados, pois há argumentos de todos os lados. Há quem pense que trabalhos históricos sirvam para nos lembrar coisas que não queremos reviver, impedindo que sigamos por certo caminho. Há quem entenda que é uma reafirmação pela grandeza e destaque que se dá. O acervo do museu é recente e está em construção, portanto todas essas temáticas serão consideradas não só no processo, mas também na formulação de uma agenda de atividades, como eu citei anteriormente. Pluralizando e diversificando a programação, convidamos mais gente a estar junto. Acesso do público não tem a ver só com transportes, mas em oferecer um ambiente acolhedor, em que as pessoas se sintam bem-vindas. Isso é fundamental, pois muitas instituições não causam essa sensação. Em breve, quando o museu reabrir, também vai importar oferecer sensação de segurança.

Em um ambiente de crise, as expressões artísticas têm se destacado. Projetos se propuseram a reunir criações durante a pandemia, documentando as sensações de um momento tão único na história. Como uma instituição que precisou fechar sua sede física se inclui nesse movimento? 

A gente vive uma crise ecológica, social, política, cultural. A arte se alavanca como atividade social para discutir, militar, fazer inserção política e também como estratégia de sobrevivência. Para muitos, a arte foi o respiro em um período tenso. A atuação do MuBE nas redes sociais tem sido muito importante e envolvido diversos grupos. Fizemos contação de história, apresentamos histórias de artistas, promovemos visitas virtuais a ateliês, conversas semanais pelo Zoom. Falamos com as pessoas sobre arte como ativismo, a ligação de arte com meio ambiente.

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Falando em meio ambiente, como o museu tem trabalho esse assunto tão em voga? 

O MuBE tem ecologia no nome, então questões climáticas ou relacionadas ao ambiente, à paisagem estão no nosso escopo. Vale para discutir essas relações entre a pessoa e o ambiente ou numa escala global. Daremos mais ênfase à isso no próximo ano, de acordo com o planejamento de programações que estamos montando. Mas ainda este ano vamos promover essas conversas, debates online. O papel do MuBE é ampliar o foco nessas discussões, abrir o espaço e ser o canal para que elas existam. Aliás, para mim, essa é a maior vocação da arte: educar, formar o sujeito. O museu é uma escola e isso deve ser colocado em prática.

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