A artista Jeane Terra impede o apagamento da memória em suas obras
Grande exposição no Rio de Janeiro destaca o trabalho da artista, que pesquisa o apagamento de casas e cidades – e, consequentemente, de histórias de vida
O surgir e o desaparecer. Esses dois processos são inerentes à vida – não só a humana, mas a dos animais, de cenários naturais e também dos urbanos. Jeane Terra, 46 anos, não assistiu à construção da casa em que cresceu, em Belo Horizonte. Mas ali viveu com seus pais, avós, tios e irmã. Brincou no pátio que ligava as moradias de cada um dos núcleos. No final da adolescência viu a residência ser demolida; daria lugar a um prédio comercial.
A dor daquela perda se somava com a da morte da mãe, da avó, da irmã, da sobrinha e do pai – com intervalos de poucos anos entre elas. Enquanto assistia ao lar virar ruína, Jeane sentiu
vontade de guardar um pedaço daquilo. Fez isso literalmente. Entrou no canteiro de obras e recolheu partes da construção.
Algum tempo depois, aquilo a inspiraria a produzir uma obra sobre apagamento e esquecimento, o início de uma trajetória no tema. “A memória é algo muito importante para mim, morro de medo de perdê-la, pois é nela que moram essas pessoas tão queridas”, conta a artista plástica mineira radicada no Rio de Janeiro.
Foi quando se tornou, como ela descreve, uma garimpeira de memórias, procurando casas que seriam demolidas e registrando essas existências. O interesse a levou a Atafona, distrito fluminense que há mais de 50 anos sofre com a erosão.
Calcula-se que, até hoje, cerca de 15 quarteirões tenham sido destruídos pelo mar. “Existe um tipo de um ritual, parece um velório. Os moradores sabem mais ou menos quanto tempo terão
até que suas casas se tornem um lugar de risco. Quando dá o prazo, vizinhos ajudam na mudança, deixando a construção para trás”, conta Jeane, que ficou alguns dias na cidade para observar o movimento e conversar com quem mora no local.
“Todo dia, quando a maré baixa, algumas pessoas vão até a beira-mar para ver o que surge. São escombros de construções, quartos inteiros que existiam e agora estão debaixo d’água”, fala. Na
exposição Escombros, Peles, Resíduos, que acontece a partir de 3 de março na galeria Simone Cadinelli Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro, estarão diversas obras originadas na residência artística.
“Ressignifico escombros para que esses lugares não deixem de existir.” Um dos trabalhos inclui uma escavação na parede, que será folheada a ouro no formato do Pontal de Atafona, e depois, ao final da mostra, coberta. “Estará disponível apenas aos que estiveram ali, mas ficará permanentemente na estrutura do local”, conta Jeane.
O que falta para termos mais mulheres eleitas na política