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A artista Jeane Terra impede o apagamento da memória em suas obras

Grande exposição no Rio de Janeiro destaca o trabalho da artista, que pesquisa o apagamento de casas e cidades – e, consequentemente, de histórias de vida

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
23 fev 2021, 11h00
Jeane Terra está sentada no chão cercada por suas obras
Ao fundo, "Pele Mirada", obra feita com pele de tinta, técnica que consiste em recortar quadrados de 1 centímetro por 1 centímetro de camadas de tinta seca e aplicá-los à tela. O resultado final lembra um bastidor de ponto cruz, algo que remete à sua avó. O totem reproduz um mapa das ruas de Atafona que já foram destruídas. Foto (Fernando Souza/Divulgação)
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O surgir e o desaparecer. Esses dois processos são inerentes à vida – não só a humana, mas a dos animais, de cenários naturais e também dos urbanos. Jeane Terra, 46 anos, não assistiu à construção da casa em que cresceu, em Belo Horizonte. Mas ali viveu com seus pais, avós, tios e irmã. Brincou no pátio que ligava as moradias de cada um dos núcleos. No final da adolescência viu a residência ser demolida; daria lugar a um prédio comercial.

A dor daquela perda se somava com a da morte da mãe, da avó, da irmã, da sobrinha e do pai – com intervalos de poucos anos entre elas. Enquanto assistia ao lar virar ruína, Jeane sentiu
vontade de guardar um pedaço daquilo. Fez isso literalmente. Entrou no canteiro de obras e recolheu partes da construção.

Obra de Jeane Terra
“Fáscia 2”. Foto (Vicente de Mello/Divulgação)

Algum tempo depois, aquilo a inspiraria a produzir uma obra sobre apagamento e esquecimento, o início de uma trajetória no tema. “A memória é algo muito importante para mim, morro de medo de perdê-la, pois é nela que moram essas pessoas tão queridas”, conta a artista plástica mineira radicada no Rio de Janeiro.

Foi quando se tornou, como ela descreve, uma garimpeira de memórias, procurando casas que seriam demolidas e registrando essas existências. O interesse a levou a Atafona, distrito fluminense que há mais de 50 anos sofre com a erosão.

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Calcula-se que, até hoje, cerca de 15 quarteirões tenham sido destruídos pelo mar. “Existe um tipo de um ritual, parece um velório. Os moradores sabem mais ou menos quanto tempo terão
até que suas casas se tornem um lugar de risco. Quando dá o prazo, vizinhos ajudam na mudança, deixando a construção para trás”, conta Jeane, que ficou alguns dias na cidade para observar o movimento e conversar com quem mora no local.

Obra de Jeane Terra
Jeane Terra é uma artista plástica inventiva, que se dedica a desenvolver suas próprias técnicas para produzir obras únicas. “Abrigo Vazante” é uma monotipia sobre pele de tinta, método patenteado por ela. Foto (Vicente de Mello/Divulgação)

“Todo dia, quando a maré baixa, algumas pessoas vão até a beira-mar para ver o que surge. São escombros de construções, quartos inteiros que existiam e agora estão debaixo d’água”, fala. Na
exposição Escombros, Peles, Resíduos, que acontece a partir de 3 de março na galeria Simone Cadinelli Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro, estarão diversas obras originadas na residência artística.

“Ressignifico escombros para que esses lugares não deixem de existir.” Um dos trabalhos inclui uma escavação na parede, que será folheada a ouro no formato do Pontal de Atafona, e depois, ao final da mostra, coberta. “Estará disponível apenas aos que estiveram ali, mas ficará permanentemente na estrutura do local”, conta Jeane.

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Obra de Jeane Terra
“Quimera Submersa”, outra monotipia sobre pele de tinta. Foto (Vicente de Mello/Divulgação)

 

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