Janaína Torres Rueda fala sobre redescoberta, divórcio e alta gastronomia
Chef consagrada pelo Bar da Dona Onça assume a alta gastronomia d'A Casa do Porco Bar 7º melhor restaurante do mundo, e dá a volta por cima após a separação
Como encontrar seu caminho próprio depois do término de um casamento de 20 anos? Não há receita pronta, mas a chef Janaína Rueda decidiu começar pelo ingrediente principal: sua identidade. A escolha de assinar Janaína Torres Rueda representa a retomada da sua forma de se enxergar como mulher e também as pazes feitas com o ex-marido, o também chef Jefferson Rueda. Na tarde de entrevista com CLAUDIA, a notícia da ruptura que abalou a gastronomia paulistana ainda era segredo. Sentada na banqueta em frente à cozinha d’A Casa do Porco Bar, restaurante da dupla alçado à posição de 7ª melhor do mundo pelo ranking 50 Best Restaurants, Jana contou porque decidiu abrir o jogo: “Não ia falar para ninguém, mas eu não acho justo que as pessoas não saibam. Agora, por uma revista feminina, essa história pode ser contada de uma forma melhor ”. Na conversa a seguir, ela comenta sobre assumir seu lugar de direito na alta gastronomia, abraçar as emoções difíceis, viajar para apresentar a culinária brasileira e mudar o mundo através da alimentação.
A Casa do Porco está diferente. O que mudou?
Muita coisa. Está bem feminino agora o menu, é meu momento. Atuei sozinha com a criação e direção. Chamei só as mulheres da cozinha para fazerem isso comigo.
O que é uma energia feminina e como ela atua na cozinha?
Está bem nítido. Com as cozinhas masculinas em ascensão, a gastronomia trazia uma coisa celebrity, mais egocêntrica, visceral. Quando você começa a trazer a força feminina, a parte humana passa a ser desenvolvida. Com a gente aqui, não tem gritaria. Nós somos taxadas de loucas, mas, se você perceber bem, as histerias vêm das cozinhas masculinas.
Já há o reconhecimento externo da mudança?
Tenho rodado o mundo. As cozinhas que eu mais gosto, e não é porque eu sou uma, são as das mulheres. A natureza pediu para que as mulheres adentrassem em lugares que estavam agressivos e encaixassem uma mudança.
O jeito que você começou na cozinha é diferente do que você é hoje?
Eu nunca fui uma mulher brava na cozinha, apesar de ter o apelido Dona Onça. Sempre fui de conversa. Mas nunca centralizadora, deleguei muito, e por isso também não era vista. Como o Jefferson é uma figura máscula, ele era o chef e eu não, era coadjuvante. E eu fazia milhões de coisas ao mesmo tempo. O legal é que, quando precisei assumir mesmo a cozinha do Porco, a coisa funcionou muito bem. Nos dois últimos menus, tive ajuda de lapidação do Jefferson, neste não. No próximo, voltado para a América Latina, vamos fazer em conjunto. Não é mais só ele, nem só eu.
O que aconteceu que você precisou assumir esse papel?
Era uma coisa que eu queria para mim, sair daquele nicho da cozinheira popular que faz só comfort food. Queria me testar na alta gastronomia, depois de quase 15 anos do Dona Onça. Tinha esse desafio, e o Jefferson teve uma depressão, um burnout. Assumi, então, não só como um aprendizado, mas com a responsabilidade da chef.
Não dá para chamar de coincidência que nesse momento vocês tenham ganhado o reconhecimento de 7º melhor restaurante do mundo.
Tem muita gente por trás. Um prêmio é sempre motivador para a equipe. Gosto de festa, de fazer comemorações, tenho essa coisa comigo. Todos recebem uma placa para levar para casa. Aqui, é uma família também, com quem você lida todos os dias e eles são maravilhosos. Hoje, enxergo que a minha vinda trouxe uma calmaria gostosa. Quando comecei a trabalhar de forma coletiva, isso mudou o clima.
Como é desenvolver o conforto na liderança?
Eu sempre fui líder, em todos os trabalhos que tive, desde os 14 anos numa loja de sapatos na Av. Paulista. Comecei um pouco antes, com 12, vendendo lanche na rua, era ambulante. Com 16, cozinhava para uma barraca de comida baia – na, na Praça da República. O que eu gosto é o contato com o público, esse é meu grande tesão. Então, eu delegava para poder ter a proximidade. Sou muito confortável na posição de liderança, só tive um certo respeito, ou gratidão, pelo Jefferson porque ele tinha mais experiência do que eu quando comecei. Deixei sempre ele à frente e eu atrás dele. Não sei se foi tão certo. Ou tão errado… Você pode dar os créditos devidos, mas não precisa se esconder. Quando eu percebo, e me desabrocho, a casa tem mais ascensão. É uma loucura pensar nisso.
A sensação que você tem experimentado é de renascimento?
Vamos lá, eu vou falar o que eu tenho que falar. Estou separada do Jefferson, oficialmente. A gente é casado pelos negócios, com respeito muito amplo um pelo outro, mas nós nos separamos porque houve traição por parte dele. Eu perdoei, mas não consegui continuar casada sexualmente com ele.
Tem uma história que vocês construíram juntos. Como é assumir uma que é sua?
Ficamos casados 20 anos. Se isso tivesse acontecido antes de eu estar na Casa do Porco, talvez não desse conta. Eu virei workaholic ao invés de ficar deitada na cama, chorando. E chorei muito, quis sofrer para entender o sofrimento, entender onde eu errei, ou se não errei. Combinamos de estarmos casados para sempre aqui, que o nosso amor iria ser nos negócios. Dessa forma, perduraria o nosso amor.
O que teve vontade de fazer depois?
Fazia 15 anos que eu não dirigia. No dia que descobri que tinha alguma coisa errada, fui comprar um carro e voltei a dirigir. Foi muito gostosa essa sensação de liberdade.
Ao que recorreu para ter forças?
Rede de apoio. Ninguém consegue passar pelo que eu passei sem uma grande rede de apoio, por isso é importante não ser egoísta. Se eu tive uma certeza de sororidade, eu tive agora, nesse quase um ano de processo de separação, foi bem forte.
Você começou a se olhar de forma diferente?
Isso é importante. Quando eu perguntei para ele o porquê, ele me pediu perdão e falou que me amava, mas como mãe. Quando ouvi isso, fiquei tão chocada. Ao mesmo tempo, falei: “Tenho que mudar ”. Preciso me gostar, me entender, me olhar, me reestruturar. Preciso ser mulher, não só ser mãe. Passei a me ver como eu me via antes do casamento. Fiz uma plástica nos seios e fiz essa tatuagem [com pintinhas de onça, no braço esquerdo] até o fim. Comecei a me valorizar mais como pessoa. Isso tudo foi acontecendo naturalmente depois do meu grande sofrimento, porque obviamente fiquei meses chorando escondido de todo mundo.
Não precisamos ser fortes o tempo todo.
Eu ainda choro, por que não? Preciso falar sobre isso porque quero que as mulheres saibam como é esse luto da separação. É um luto que a gente supera. Se você tiver forças para levantar e se reconstruir, isso não tem volta. Você começa a enxergar sua força não só profissional, mas enquanto mulher. Estou com 14 viagens internacionais marcadas até o fim do ano, quero conhecer todos os lugares cozinhando. Vou adentrar cozinhas de homens. Vamos que estou amando essa profissão agora muito mais!
Além das viagens, vem algum outro sonho?
A minha voz está muito mais forte para desenvolver projetos sociais. É inaceitável, para mim, que não exista a disciplina alimentação nas escolas públicas. Eu me dei conta quando eu fui para as instituições e tive que desenhar uma galinha e apontar onde fica uma moela, para a professora parar de falar para as crianças não comerem aquilo. Sem alimentação, não mudamos o Brasil, nem o mundo. A gente está se alimentando errado e está matando o planeta.
Será o seu legado?
Mudança é um trabalho de formiguinha, mas tem que ir caminhando, não dá para andar para trás. Acordar de manhã e ter bons pensamentos é o melhor remédio. Só a gente consegue transformar a nossa energia. Pode fazer banho, fazer reza, ir para o terreiro, onde for. Se a gente não falar todos os dias “Onde eu posso melhorar para com o próximo? ” — mas lógico, sem ser trouxa —, a gente esquece da nossa essência. Não quero perder meus pedaços pelo caminho. Eu, Janaína Torres Rueda, porque não vou tirar o Rueda, mas o Torres vai aparecer, sei da onde eu vim e para onde quero ir.
FOTOS: LARISSA ZAIDAN
STYLING: DANIELA MÔNACO
BELEZA: VANESSA ROZAN E ANA SABADIN
DIREÇÃO DE ARTE: KAREEN SAYURI