Os desafios da produção à distância da nova série “Amor e Sorte”, da Globo
O figurinista Cao Albuquerque e a caracterizadora Lucila Robirosa revelam os bastidores de dar vida aos personagens longe dos atores
Para uma cena de novela, filme ou série chegar perfeita ao público, é preciso uma equipe de profissionais de diversas áreas, como técnicos de som, câmeras, roteiristas, atores, camareiras, apoio, entre outras. Com a volta das gravações, algumas obras foram adaptadas para o ambiente doméstico, longe da ampla estrutura dos estúdios e do trabalho presencial da equipe. Uma adaptação sem preparo prévio, mas que tornou-se real e palpável na prática, como o que aconteceu na nova série Amor e Sorte, da Rede Globo, criada por Jorge Furtado e com estreia prevista para setembro.
Os quatro episódios da série contam com um elenco familiar, literalmente. Taís Araújo e Lázaro Ramos, Luisa Arraes e Caio Blat, Fabíula Nascimento e Emílio Dantas e Fernanda Montenegro junto de Fernanda Torres. Todos de casa, com seus parceiros de vida e cena, o figurino e a caracterização também misturaram vida pessoal com ficção. “Com o Lázaro e com a Taís, parti do armário deles. Com a Fernanda Torres também”, diz o figurinista Cao Albuquerque, que ainda pontua a importância da antecedência para essa fusão. “Começamos uma semana antes. Quando o projeto foi aprovado, a Patrícia (Pedrosa, diretora artística), achou que valia investir um tempo antes para ganhar depois, testando e entendendo se aquilo tudo seria viável”, diz.
Acostumado com uma troca próxima com a equipe para entender o mood de cada personagem, Cao sentiu falta do estilo de trabalho pré-pandemia. Porém, ele enxerga uma mudança importante. “O coletivo, por incrível que pareça, está mais presente. A conversa entre as áreas está menos atropelada do que em um dia de gravação no estúdio”, explica. Agora, é reunião e teste de figurino por vídeo e aprovações à distância. “Depois disso, partimos para a pré-produção nos guarda-roupas da TV Globo e nos brechós”, explica o profissional sobre parte das peças higienizadas que são enviadas para os atores em suas casas.
Assim como nos estúdios, na prática, o planejamento não é sinônimo de resultado 100%. Nem sempre a produção pensada fica boa no vídeo e isso pode acontecer nos 45 do segundo tempo, ou seja, na hora do “1,2,3, ação”. “No primeiro episódio que gravamos, com Lázaro e Taís, tivemos dois dias de prova de roupa. No primeiro dia, ele usou a roupa dele. Mas quando ele colocou a outra roupa, que passaria menos tempo em cena com ela, vimos que ficou bem mais bonita. Então, resolvemos trocar”, revela Cao.
Em Amor e Sorte, os personagens, assim como nós, também vivem a pandemia e o isolamento. Sendo assim, a caracterização é bem diferente do que em um contexto de “normalidade”, em que atores dão vida a pessoas que circulam em eventos, por exemplo. A caracterizadora Lucila Robirosa foi fiel a esse contexto e defendeu a cara limpa sempre que possível. “A personagem acorda sem maquiagem, toma banho e só está maquiada quando realmente deveria estar maquiada. Faço como gostaria de ver como espectadora”, afirma.
Com suspeita de Covid, a personagem da Fabíula Nascimento ganha mais uma caracterização abatida por conta dos sintomas. Já no episódio que conta com Fernanda Montenegro e Torres, uma passagem de tempo exigiu uma transformação nos cabelos das personagens. “Mandei uns apliques para elas usarem em uma passagem de tempo. Como estavam sem conexão, na serra do Rio de Janeiro, fizeram tudo sozinhas. Falamos antes, mas na hora da gravação não sei como ficou. Estou curiosa para ver, na verdade”, conta aos risos.
Confira a entrevista na íntegra com Cau Albuquerque e Lucila Robirosa cedida pela Rede Globo para CLAUDIA.
Quais as principais diferenças entre o processo do seu trabalho no estúdio e feito remotamente, como em ‘Amor e Sorte’?
Cau Albuquerque: No estúdio, temos a presença do ator e vários insights que surgem na hora, a partir de outras opções que você tem na arara. Você prepara uma arara inteira, mas quando o ator chega e veste a roupa, você vê o que funciona ou não. Senti falta dessa troca presencial. Remotamente, começamos com a reunião por vídeo, fizemos as pranchas para serem aprovadas, de maneira condizente aos personagens, conversamos com elenco e diretores para entender se estamos no caminho certo. Depois disso, partimos para a pré-produção nos guarda-roupas da TV Globo e nos brechós.
Quais curiosidades você destacaria deste modelo de trabalho remoto?
Lucila Robirosa: Para o episódio dirigido pelo Andrucha, tive uma conversa com ele e com a Fernanda Torres, que foi mais uma consultoria. Mandei uns apliques para ela e Fernanda Montenegro usarem em uma passagem de tempo. Como estavam sem conexão, na serra do Rio de Janeiro, fizeram tudo sozinhas. Falamos antes, mas na hora da gravação não sei como ficou. Estou curiosa para ver, na verdade (risos). No capitulo do Lázaro e da Taís, eu mandei uma referência e ela tinha os materiais necessários, fomos nos falando por mensagem. No caso do Caio e da Luisa, tínhamos mais elementos, pois eles se conhecem na noite, então parti daí, com uma referência para fazer a chegada deles no apartamento. E eles têm também uma cena bacana em que imitam diversos filmes, então usamos mais maquiagem ali. No restante do episódio é aquela maquiagem básica, de pessoas que estão em quarentena. No caso da Fabíula, será maquiagem de uma mulher que está doente, como se fosse uma gripe, pois ela está com suspeita de Covid.
Como as roupas que vinham de fora eram entregues ao elenco?
Cau Albuquerque: O elenco fez provas via online. Definidas as peças, elas passaram por um processo de higienização e de lavanderia para que pudessem chegar prontas para uso na casa deles.
Você enviou muitas referências para o elenco ter em mente que caminho seguir?
Lucila Robirosa: Eu, particularmente, não gosto de de referências. Porque o que você pode pegar de uma foto ou de uma revista é de uma outra pessoa com um outro material. Eu prefiro ir testando ideias na pessoa mesmo. Na série, segui desta forma. Nós fizemos um dia de testes para ver como funcionava com o Lázaro e a Taís e depois com o Caio e Luisa. E elas foram colocando tudo na hora. Procuramos encontrar soluções boas e rápidas, pois eles estavam se maquiando, preparando cabelo, figurino, luz, som, acionando a câmera… Precisavam de tempo para fazer tudo.
No estúdio, quando o elenco veste uma roupa e não fica bacana, você está ali para avaliar e trocar na mesma hora. Como isso aconteceu remotamente?
Cau Albuquerque: Isso aconteceu algumas vezes. No primeiro episódio que gravamos, com Lázaro e Taís, tivemos dois dias de prova de roupa. Ainda assim, no dia da gravação, na hora que ligou a câmera para gravar, vimos o que funcionava e o que não funcionava e fizemos as alterações necessárias. No primeiro dia, ele usou a roupa dele. Mas quando ele colocou a outra roupa, que passaria menos tempo em cena com ela, vimos que ficou bem mais bonita. Então, resolvemos trocar. Deixar que a roupa mais interessante seguisse em um tempo mais longo dentro do episódio.
Usou alguma carta na manga que carrega com sua experiência?
Lucila Robirosa: Eu sou muito amiga de cara limpa mesmo. A personagem acorda sem maquiagem, toma banho e só está maquiada quando realmente deveria estar maquiada. Faço como gostaria de ver como espectadora.
Como foi essa experiência remota para você?
Cau Albuquerque: Eu acho que o mais legal foi que tivemos um trabalho coletivo, por mais que ele tivesse sido separado. Quando a gente faz um projeto nos estúdios, temos reuniões, cada um sai para o seu lado para produzir e depois volta para gravar. Ali, não. Estávamos juntos o tempo todo pela plataforma de vídeo. Então, o coletivo, por incrível que pareça, está mais presente. A conversa entre as áreas está menos atropelada do que em um dia de gravação no estúdio. Isso é divertido porque vamos ver que apesar de estarmos separados, ainda podemos fazer coisas juntos de qualidade.
Como está sendo essa experiência para você?
Lucila Robirosa: Estou adorando, acho que está funcionando bem. Mas o aprendizado é claro: valorizar o tempo que a gente tem para estar junto. Faço cinema e televisão há 25 anos, estou morrendo de saudades da aglomeração em volta do monitor. Ao mesmo tempo, é um aprendizado. No estúdio, fazemos cada um nossa parte. Aqui, não. Estamos todos “juntos” o tempo todo. É um jeito bom de todo mundo se ouvir e entender a função de cada um.
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