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“Babilônia”, de Damien Chazelle, é uma orgia de referências soltas

Diretor está mais preocupado em mostrar que sabe de cinema (e suas técnicas) do que aprofundar as histórias até interessantes de seus personagens

Por Paula Jacob
14 jan 2023, 08h19

Fazia tempo que não ia ao cinema para assistir uma coisa tão pitoresca quanto Babilônia. Damien Chazelle é um diretor que teve o seu momento de estrela logo após o sucesso do curta-metragem Whiplash (2013) para o qual conseguiu captar mais dinheiro e transformá-lo no longa de 2014. Não demorou muito para Hollywood colocá-lo no trono do jovem prodígio da vez e concedê-lo orçamentos obscenos para fazer filmes nem tão incríveis assim. Mas acho que nenhum outro me incomodou tanto quanto esse que estreia nos cinemas nacionais por agora. Aliás, uma das apostas para a lista de indicados ao Oscar esse ano. 

Ambientado na transição do cinema mudo para o falado, Babilônia – título que nos remete, entre outras coisas, ao livro Hollywood Babylon, no qual Kenneth Anger reúne os segredos das estrelas do cinema entre 1900 e 1950 – se propõe a dialogar sobre as mudanças bruscas que acontecem na indústria, por conta dos avanços tecnológicos, na tentativa de criar um paralelo com o que tem acontecido hoje em dia (a ascensão e domínio do streaming). Frustrado com o cenário atual, aparentemente, ele revisita de maneira nostálgica um dos primeiros auges cinematográficos. 

Nostalgia, por sinal, é um mal que acomete não só Chazelle, como toda uma geração talvez cansada de telas e informações demais que querem voltar com hábitos analógicos – daí nasce também o sucesso de Stranger Things, mas isso é outro assunto. Ele faz um movimento similar em La La Land (2016). E não só isso coloca esses dois filmes em convergência. A história de “amor” no caos narrativo de Babilônia traz Nellie LeRoy (Margot Robbie), uma jovem problemática que deseja ser estrela de cinema, e Manny (Diego Calva), jovem mexicano que vive há alguns anos nos Estados Unidos e trabalha como faz-tudo de um produtor de cinema milionário. Ambos compartilham o sonho de viver num set: ela nos holofotes e ele no backstage. Uma lembrança nem tão sutil aos dilemas do casal vivido por Emma Stone e Ryan Gosling no musical premiado. 

Babilônia, de Damien Chazelle, é uma orgia de referências soltas
Diego Calva é Manny Torres e Jean Smart é a jornalista de celebridades Elinor St. John. (Paramount Pictures/Divulgação)

Mas deixando o pôr-do-sol arroxeado e os sapatos de dança de lado, Chazelle nos conduz aos anais de Los Angeles criando camadas de tudo o que possa te dar ojeriza – até à piadas (no plural) com dejetos humanos ele recorre para criar cenas “cômicas” que parecem ter sido pensadas por um jovem de 15 anos que descobriu ontem a pornografia ou os takes non-sense de JackAss. A falta de elegância do roteiro coloca em risco a beleza técnica que vemos nas três horas e seis minutos de filme. E aí caímos de novo no limbo dos filmes-que-são-lindos-mas-não-dizem-nada. Sim, o figurino é bonito; sim, a direção de fotografia é impecável; sim, a direção de arte se esforçou muito para recriar cenas e contextos de época, mas nada disso salva Babilônia de sua própria falência. Ele parece vomitar na própria arte de seu ofício, just because he can – e isso é insuportavelmente petulante.

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Babilônia, de Damien Chazelle, é uma orgia de referências soltas
(Paramount Pictures/Divulgação)

Na mesma rapidez que a personagem de Margot ascende profissionalmente, ela se esvai entre joias brilhantes e jogos de pôquer que não sabe ganhar. Manny representa uma outra espécie de estereótipo: aquele menino bonzinho que é corrompido pelos maléficos tentáculos dos empresários. Outro que se perde pelas movimentações da indústria, que pouco liga para a sanidade pessoal de seus funcionários (leia-se produtos), é Jack Conrad (Brad Pitt), um ator-galã do cinema mudo (ele emula algumas personas da década de 1920) já consagrado pelos seus 85+ filmes no currículo, mas totalmente despreparado para a atuação falada. 

Babilônia, de Damien Chazelle, é uma orgia de referências soltas
Brad Pitt está no papel de Jack Conrad, um ator-galã do cinema mudo que enfrenta questões existencialistas da profissão durante as mudanças da indústria. (Paramount Pictures/Divulgação)

Enquanto Chazelle levanta todas essas premissas até interessantes (não originais), não consegue fazer nada com elas. Ele traça caminhos díspares para seus três personagens principais, que vivem se encontrando por acaso por conta da bolha do cinema. Orbita a eles ainda outras narrativas a partir da experiência de um músico negro (outro oportunismo de Chazelle), Sidney Palmer (Jovan Adepo), uma jornalista de celebridades, Elinor (Jean Smart), e uma artista com ascendência chinesa, Anna May (Li Jun Li), que faz um aceno para a grandiosa Anna May Wong. 

Babilônia, de Damien Chazelle, é uma orgia de referências soltas
O músico Sidney Palmer é interpretado por Jovan Adepo, e traz para a narrativa de “Babilônia” a ascensão do cinema musical negro. (Paramount Pictures/Divulgação)

Mais uma vez, querendo abraçar o mundo sozinho, o diretor não aprofunda em nada os arcos dos personagens, que são muitos, mesmo tendo tempo o suficiente para tal – ele quer fazer o que já fazem muito bem os irmãos Coen. São drogas, orgias, bebidas, festas, repete – tudo gravado num formato bastante similar aos filmes de Martin Scorsese. Talvez a intenção fosse boa: apresentar ao espectador a decadência de uma vida de fama e fortuna, com pessoas vazias de si próprias – também sem novidade, já que as sem número de cinebiografias de estrelas nos colocaram frente a frente com isso. Porém, não consegue tornar isso forte o suficiente na trama, já que está mais preocupado em mostrar que sabe gravar um plano sequência de orgia regada a animais silvestres e cocaína. São cenas extravagantes no sentido de montagem delas, mas pouco dizem sobre as coisas. 

Babilônia, de Damien Chazelle, é uma orgia de referências soltas
Li Jun Li é Lady Fay Zhu, uma artista com ascendência chinesa que faz referência a atriz (Paramount Pictures/Divulgação)

Se Babilônia foi pensado para ser uma espécie de crítica revisitada de um tempo nem tão áureo assim do cinema, tentando justificar o próprio ato de gravar um filme ser uma espécie de arte (porque o é – e o diretor coloca isso, em breves momentos, nas elucubrações do personagem de Brad Pitt), ele é falho pois deixa de lado a própria arte para se debruçar em fofocas de bastidores sobre a vida sórdida de seus produtos culturais: os atores. 

E se Damien Chazelle está tão preocupado com as mudanças da indústria hoje em dia a ponto de voltar cem anos no calendário, ele pode encontrar a resposta em si próprio: mais um homem-branco-cis que tem respaldo de um estúdio para gravar um filme milionário sem qualquer profundidade ou metalinguagem bem-sucedida sobre o próprio ofício. Tal qual o era dez, vinte, cinquenta, noventa anos atrás. Às mulheres, resta apenas o posto de “quem será a próxima jovem atriz magra e branca” a estrelar todos os filmes da temporada (tal qual Margot, aliás, e sua personagem Nellie). Pois bem, a indústria realmente não mudou muito, e Chazelle deixou isso ainda mais nítido.

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