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A avalanche sul-coreana chega ao cinema

"Parasita" entrou grande no Oscar e saiu de lá gigante. Vitória para a Coreia do Sul e para a pluralidade do cinema mundial.

Por Júlia Warken, Guta Nascimento, thiagoabril
Atualizado em 10 fev 2020, 14h54 - Publicado em 10 fev 2020, 14h45
 (Eric McCandless/Getty Images)
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Dez anos atrás, se você estivesse querendo aprender coreano, certamente teria trabalho para encontrar um curso com aulas presenciais. Fora das grandes capitais, então, a missão era quase impossível. Hoje, já existem até escolas públicas que disponibilizam aulas do idioma aqui no Brasil.

O motivo por trás disso é o k-pop (diminutivo de korean pop). O sucesso tem escala global e esse é, sem sombra de dúvida, o maior fenômeno musical dos anos 2010.

Agora, frente ao surpreendente resultado do Oscar 2020, é impossível não fazer a pergunta: seria esse o início da avalanche sul-coreana no cinema também?

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Depois de vencer o prêmio máximo em Cannes e virar o must watch de 10 entre 10 rodas de cinéfilos ao redor do mundo, “Parasita” entrou grande no Oscar e saiu de lá gigante. Primeiro longa sul-coreano indicado a Melhor Filme Estrangeiro, ele também concorreu a outras cinco estatuetas e saiu da cerimônia com quatro.

Tornou-se a primeira produção de língua estrangeira a vencer o prêmio de Melhor Filme e, como se não bastasse, Bong Joon Ho faturou a estatueta de Melhor Diretor. Fechando a lista de prêmios, levou também Melhor Roteiro Original – co-escrito pelo diretor e por Jin Won Han.

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Bong Joon Ho concorria com ninguém menos do que Martin Scorsese na categoria, que contava também com outros dois nomes de peso, Quentin Tarantino e Sam Mendes, e com Todd Phillips – cuja indicação e o incensamento são altamente contestáveis. Em seu discurso, Joon-Ho teve a humildade de tietar Scorsese e de agradecer Tarantino por ser um grande entusiasta de seus filmes. Momentos, antes, o cineasta coreano também amoleceu o coração do público ao mostrar-se fascinado pela estatueta que tinha nas mãos, ao receber o prêmio de Filme Estrangeiro.

Mas há um outro detalhe que precisa ser frisado nessa noite histórica. A presença da tradutora Sharon Choi, ao lado de Bong Joon Ho. Quantas vezes nós vimos alguém fazendo discurso em língua estrangeira no palco do Oscar? Pouquíssimas. É de praxe que os vencedores saibam falar o mínimo de inglês para subir ao palco. Frequentemente vemos um “merci beaucoup” e um “gracias a mi madre” aqui e ali, mas é muito rara a presença de tradutores simultâneos no palco do Oscar.

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Bong Joon Ho já deu entrevistas em inglês. Ele fala com dificuldade, mas consegue se comunicar. Poderia ter ensaiado discursos sucintos, para não fugir do protocolo. Mas o cineasta resolveu que levaria sua língua materna àquele palco, endossando o que já falou diversas vezes: está mais do que na hora de a gente valorizar o cinema que vem de fora dos Estados Unidos. Ele costuma direcionar essa alfinetada aos americanos, mas a mensagem vale para pessoas de diversos países – incluindo o Brasil.

Antes de “Parasita”, alguns filmes coreanos já gozavam de prestígio internacional. Lançados em 2003 e 2006, “Memórias de um Assassino” e “O Hospedeiro” e são os dois filmes de Joon-Ho que constam na lista de favoritos do Quentin Tarantino. Em 2017, ele lançou o elogiado “Okja”, pela Netflix. Lá em 2003, “Oldboy”, de Chan-wook Park, virou queridinho entre os cinéfilos – ganhando até uma desnecessária versão americana em 2013. Mesmo assim, nada se compara a “Parasita”.

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É difícil compreender ao certo o quão bem arquitetado foi o lobby nas prévias do Oscar. E também é evidente que os resultados do último domingo são favoráveis à imagem da Academia, que mais uma vez foi cobrada por dar pouco prestígio a artistas negros e diretoras mulheres. “Parasita” traz ares de diversidade a esse cenário.

Mas isso não tira os méritos do filme, de maneira alguma. Inspirado em experiências pessoais de Bong Joon Ho como tutor de um garoto rico, “Parasita” é carregado de crítica social e fala sobre desigualdade. Gira em torno de uma família pobre que consegue enganar um casal da alta sociedade. Pai, mãe, filho e filha são contratados contratados pelo casal para funções variadas – e passam a dominar a casa dos patrões.

Essa história poderia se passar em basicamente qualquer lugar do mundo e, por isso, tem um enorme poder de identificação junto ao público. Só que a trama é contada de maneira inventiva, mesclando comédia, drama, suspense e ação. É um filme politicamente engajado, mas que consegue prender a atenção do início ao fim – seja pelo riso ou pela tensão.

“Parasita” cumpre o papel de entretenimento palatável, entrega um senso de novidade e dá ao público a medida certa de “pulga atrás da orelha” – você sai do cinema intrigado ou até perplexo, mas não desconfortável. É louvável a mescla bem feita entre universalidade e frescor criativo, pois unir esses elementos não é tarefa fácil.

Parasita no Oscar
(Kevin Winter/Getty Images)

A Coreia do Sul já provou que coloca o mundo no chinelo quando o assunto é dominação pop. Bandas como BTS e cia não explodiram por acaso e é de conhecimento público a influência do governo sul-coreano na guinada estratosférica do k-pop.

Seria o cinema o próximo mercado bilionário do país? Ninguém duvida que sim. Resta torcer para que artistas como Bong Joon Ho possam continuar tendo soberania criativa sobre seus projetos. E, para além disso, os acontecimentos históricos do Oscar 2020 ainda podem ter impacto no cinema mundial. Mais do que aquecer o mercado sul-coreano, “Parasita” provou que não é preciso falar inglês para subir naquele palco.

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