Nomo é um refresco para a gastronomia do bairro Vila Madalena
Idealizado pela publicitária Patricia Werneck e menu elaborado pelo chef Nando Carneiro, as receitas da casa mostram como o simples pode ser extraordinário
“Conforme ao costume, à ordem normal; comum.” Essa é a definição de ‘ordinário’ no dicionário — e exatamente o conceito do qual Patricia Werneck e Nando Carneiro sempre quiseram se distanciar. O casal que comanda o Nomo, restaurante na Vila Madalena, em São Paulo, abriu as portas do empreendimento no ano passado com o desejo de fazer algo excepcional — o que, na maior parte das vezes, significa fazer o básico muito bem feito.
Com um cardápio enxuto, as criações do chef Nando brilham exatamente por transformarem ingredientes simples, como um repolho, em um prato extraordinário, em que as combinações de sabores surpreendem o paladar e confundem a mente.
Para alcançar tal criatividade e técnica meticulosa, o profissional passou por diferentes cozinhas, numa jornada que começou no Rio de Janeiro.
“Eu era uma criança muito quieta, então minha mãe me levava para as reuniões do trabalho, sempre em restaurantes diferentes. Foi aí que comecei a me encantar por aquilo. Aos 15, fui fazer um curso de sushi”, recorda o cozinheiro.
Natural de Resende, RJ, Nando mudou-se para São Paulo aos 17 anos para cursar gastronomia, após conquistar uma bolsa de estudos. Para conseguir pagar as contas, o jeito foi trabalhar cedo.
O esforço e a vontade de aprender logo o levaram para cozinhas renomadas, como a do hotel Renaissance, onde fez seu primeiro estágio. As oportunidades foram se emendando e tomavam tanto tempo, a ponto de estar na universidade já não fazer mais sentido.
“Quanto mais eu trabalhava, mais isso tudo ficava de lado. Apesar de ter boas notas, tranquei o curso. De trabalho em trabalho, demorou oito anos para eu voltar a estudar. Mas foi legal porque conheci outras pessoas, de outras gerações”, diz o chef de 34 anos.
Observador e ponderado, Nando se empolga mesmo é na hora de falar sobre suas obras de arte. Seus olhos brilham ao descrever os ingredientes do curry, prato que surgiu do improviso — como são muitas das criações geniais da cozinha.
“Estávamos fazendo um churrasco com amigos, mas eu precisava fazer algo para a Paty, que não come carne. Ataquei a geladeira e fui pegando tudo o que via pela frente”, explica sobre o prato.
“De trabalho em trabalho, demorou oito anos para eu voltar a estudar. Mas foi legal porque conheci outras pessoas, de outras gerações.”
Nando Carneiro, chef do Nomo
O resultado foi um curry verde picante (com chuchu, talo de espinafre e salsão), bem temperado, e acompanhado de uvas verdes assadas na brasa. “Ficou tão gostoso que todo mundo que estava ali, todos carnívoros, só queria comer esse prato”, orgulha-se.
“Falei pra ele que, no dia que abrisse um restaurante, iríamos colocar essa receita no cardápio”, complementa sua parceira. Assim foi.
Seus caminhos se cruzaram depois que Nando já tinha anos de experiência na cozinha, com passagens por casas como Lolla Meets Fire e Iaiá Cave à Manger, e Patricia já estava com a ideia fixa de abrir um restaurante.
Comunicativa, a idealizadora do Nomo fica à vontade no posto de contadora de histórias. Na busca de realizar um sonho que sempre a acompanhou, a publicitária mineira acabou vindo parar em São Paulo: “Comecei a trabalhar muito cedo em agências de publicidade e sempre quis empreender, mas não tinha ainda decidido o quê”.
Sua porta de entrada para a gastronomia foi por meio do café, quando mergulhou de cabeça nos estudos sobre os grãos para abrir uma cafeteria em Belo Horizonte, sua cidade natal.
“Tive a oportunidade de abri-la dentro do museu MM Gerdau, na Praça da Liberdade, é um lugar muito lindo”, detalha sobre o estabelecimento, que acabou fechando após três anos de funcionamento por conta do isolamento social, gerado pela pandemia em 2020.
Em busca de novos ares, mudou-se para São Paulo provisoriamente, mas acabou não voltando mais para sua cidade. “Conheci o Nando na minha primeira semana aqui”, conta sobre o encontro de almas. Foi assim que ela, procurando um chef para seu estabelecimento, e ele, em busca de uma oportunidade de fazer suas ideias brilharem, uniram-se para fazer acontecer esse projeto juntos.
GASTRONOMIA DESCOMPLICADA
No cardápio do Nomo estão receitas que mudam sazonalmente, de acordo com os insumos e a criatividade do chef. Em sua maioria, os pratos dão protagonismo a legumes e verduras, transformando os sabores e texturas desses ingredientes. “A gente colocou a carne para ser inclusivo, basicamente”, brinca Nando sobre o cardápio, que quase não apresenta pratos com carne vermelha.
O repolho e a alface romana, por exemplo, são preparados na brasa e fazem tanto sucesso que precisaram se fixar no menu. O sabor do fogo transforma os vegetais de tal forma a lembrar carne feita na churrasqueira: pasta de pimentão vermelho (muhammara), caramelo de romã, avelãs e pistache trazem dulçor e completam o prato.
Além dos vegetais, a preferência do chef é por frutos do mar, como as manjubinhas marinadas, preparo que exemplifica bem o conceito simples, mas não simplório, da casa. Os pequenos peixes são servidos sob azeite de salsão e acompanhadas de alga marinha kombu e pão de fermentação natural, crocante e assado na brasa.
Com uma pegada mais comfort food, a polenta de milho doce tem textura cremosa e ganha potência com o sabor umami dos cogumelos eryngui. O prato é finalizado com caldo de porcini e grana padano.
“O Nomo sempre girou em torno de ser um lugar diferente, no sentido de ser mais acolhedor, tanto para o cliente, como para o funcionário”, explica a proprietária.
Patricia Werneck, proprietária do Nomo
Outra particularidade da casa é não classificar os pratos entre entradas e principais: a ideia é compartilhar à mesa. Tarefa que só não é tão recomendada para a sobremesa: com sabores tão delicados, o melhor é devorá-la por inteiro, sem dividir. Trata-se de um surpreendente creme de pudim com banana depositado em delicadas folhas de massa filo e incrementado com crocantes nibs de cacau.
“Trabalhando em restaurantes, eu vi uma realidade muito dura nesse mercado, da forma como as pessoas são pagas e tratadas. O Nomo sempre girou em torno de ser um lugar diferente, no sentido de ser mais acolhedor, tanto para o cliente, como para o funcionário”, explica a proprietária.
“Sempre falei para o Nando que a gente tinha que abrir um restaurante não ordinário, para conseguir transformar um alface num prato principal de tão louco e maravilhoso. Não que seja algo extraordinário, mas que tenha um pouco mais de coração e alma, com uma equipe feliz. Que seja um lugar de luz mesmo.” Que essa energia se faz presente nos pratos, não temos dúvidas.
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CRÉDITOS DE PRODUÇÃO
Texto: Marina Marques
Fotos: Bruno Geraldi
Edição de Arte: Catarina Moura