O menu do Origem que está encantando a Bahia — e por que todo mundo só fala dele
Às vésperas dos 10 anos do Origem, os chefs Fabrício Lemos e Lisiane Arouca revisitam sua trajetória e apresentam um menu dedicado ao Recôncavo Baiano
O Origem nasceu sem o peso da ambição e sem o conforto da estrutura. Quando abriu as portas, em 2016, era uma casa pequena em Salvador, movida por uma vontade mais profunda do que simplesmente servir comida: entender o que a Bahia tem de essencial e como isso poderia ser traduzido num prato.
Fabrício Lemos e Lisiane Arouca, companheiros na vida e no trabalho, buscavam um sentido que fosse além da técnica. Queriam uma cozinha que contasse histórias: as deles, as de quem planta, pesca, colhe e vive em torno dos ingredientes.
Formado pela Le Cordon Bleu e com mais de dez anos de experiência nos Estados Unidos, Fabrício voltou ao Brasil com a sensação de que sua terra precisava ser apresentada de outro modo. Nas cozinhas do Ritz-Carlton, aprendeu rigor, precisão e gestão, mas foi o retorno a Salvador que lhe deu um propósito.
Percebia o contraste entre a riqueza natural do estado e a pouca valorização de seus produtos. Enquanto outros centros gastronômicos do país se organizavam em torno de ingredientes locais, percebia que a Bahia ainda se contentava com o que vinha de outros lugares.
“Eu via os outros estados integrados e aqui, com o potencial que tem, não via evolução”, conta. “As pessoas comendo filé bem-passado, arroz com brócolis e batata frita, e a gente com uma diversidade de fauna e flora ainda continuava olhando para o que é de fora.”
Lisiane trilhou um caminho diferente, mas igualmente instintivo. Desde criança, os doces eram sua linguagem. Aprendeu a fazer bolos porque ninguém os fazia em casa, e o cheiro do forno virou lembrança permanente.
Em meio às dificuldades da juventude, a confeitaria virou refúgio e sustento — fazia bolos em casa para manter as filhas enquanto estudava. Mais tarde, as receitas se tornaram profissão. Foi em meio a consultorias e trabalhos conjuntos que conheceu Fabrício. A afinidade foi imediata, e a parceria se estendeu da cozinha para a vida.
Os dois começaram de forma modesta, sem plano de negócios ou capital de investimento. No início, o Origem funcionava com recursos mínimos e uma ideia que se impôs por necessidade: o menu degustação. “A gente não tinha capacidade de armazenamento”, Fabrício recorda.
O nascimento de uma cozinha com identidade baiana
“Comprava o que encontrava na feira, cozinhava o que tinha na semana. Isso dava um resultado muito legal no final”, completa Lisiane. A limitação acabou definindo a identidade da casa. O menu se transformava constantemente, guiado pela sazonalidade e pelo que os produtores locais podiam oferecer.
O público estranhou, mas a curiosidade venceu. Aos poucos, o restaurante se tornou um símbolo da cozinha baiana contemporânea, capaz de aliar técnica e sentimento. O casal via, na prática, a formação de uma nova geração de cozinheiros. Muitos dos que começaram como estagiários hoje são chefs em outros restaurantes — alguns até fora do país.
“Esses dez anos representam o poder de transformação que a gente causou no nosso estado através da nossa inquietude”
Fabrício Lemos
“Não é o dinheiro na conta que nos motiva, é olhar para trás e ver que deixamos um legado. Esses dez anos representam o poder de transformação que a gente causou no nosso estado através da nossa inquietude”, diz o chef.
Para a confeiteira, esse legado se mede pelas pessoas: “Por um tempo, o Origem era formado, em sua maioria, por ex-estagiários. É muito gratificante ver o crescimento deles, a gente olha e pensa: vale a pena por essas vidas”.
Um legado que transforma pessoas e a gastronomia baiana
“Por um tempo, o Origem era formado, em sua maioria, por ex-estagiários. É muito gratificante ver o crescimento deles, a gente olha e pensa: vale a pena por essas vidas”
Lisiane Arouca
No novo menu do Origem, intitulado Recôncavo, o casal volta à região que moldou suas histórias e afetos. É uma viagem pela Baía de Todos os Santos e pelas cidades que a cercam — território de mariscos, cana, carne de sol e memória. A ideia surgiu das primeiras expedições feitas ainda nos anos iniciais do restaurante, quando os dois começaram a percorrer o interior em busca de ingredientes e histórias.
Foi nessa época que perceberam a força do Recôncavo, lugar onde o passado ainda pulsa em forma de ofício e comida. “Nossa primeira expedição foi por essa região”, conta Fabrício. “A gente saiu de Salvador e foi para Cachoeira, e ali entendemos que precisávamos nos organizar melhor para fazer as expedições. A missão era entender o que a Bahia tinha além do que era divulgado, pois não é só o dendê.”
A escolha do tema tem um peso pessoal. Fabrício passou boa parte da infância na casa dos avós, em São Francisco do Paraguaçu, e em Santo Amaro da Purificação, onde o avô era maquinista.
Ele lembra dos verões passados pescando siri, sarnambi e outros mariscos, de onde nasceu o gosto pelo sal e pelas marés. Lisiane carrega lembranças de Amargosa, também parte do Recôncavo, onde começou a cozinhar ainda criança e permaneceu até os 13 anos. “Foi lá que eu aprendi a me envolver com os ingredientes, ia para a feira, ajudava na cozinha”, recorda. “Eu não nasci ali, mas me sinto de lá.”
Recôncavo: espaço de memória, afeto e ingredientes
cuscuz e milho assado revela a influência francesa do chef (Amanda Tropicana/CLAUDIA)
O menu parte dessas lembranças para construir uma travessia em quatro atos: “Memórias da Terra e do Mar”, “Tradição e Axé”, “Profundezas, Cultivo e Ancestralidades” e “Terra Doce, Água Doce”. A abertura apresenta o pastel de queijo de cabra com mel de uruçu, seguido da moqueca de ostra, prato criado a partir da parceria com a Aliança Kirimurê, organização que reúne marisqueiras da Baía de Todos os Santos.
“O primeiro contato que tive com a ostra nativa foi em Kaonge, uma comunidade quilombola”, diz Fabrício. “Com o projeto da Aliança Kirimurê, tive a oportunidade de entender o processo de depuração e o trabalho que eles fazem. A moqueca de ostra é muito comum no Recôncavo, então a gente faz uma base de molho, cozinha a ostra rapidamente e finaliza com dois azeites e uma tuille feita com tinta de lula.”
O pão de dendê criado por Lisiane traduz a Bahia em forma e sabor. Ela adaptou a receita do tradicional pão delícia, adicionando azeite de dendê e ajustando o ponto. “O tradicional sai quase cru, e esse a gente deixa um pouco mais. Coloquei mais sal para trazer uma outra característica, mas é a mesma massa. A gente acrescentou dois elementos da Bahia.”
na tuille de batata-doce roxa, ingrediente local abundante (Amanda Tropicana/CLAUDIA)
Entre os principais, o peixe do dia com miniarroz de sururu e espuma de coco combina delicadeza e tradição, um sabor de Bahia sem o peso do dendê. Já a lagosta com bisque, cuscuz e milho assado revela a influência francesa de Fabrício, equilibrada por ingredientes locais e memórias de sua jornada. As sobremesas do ato final, criadas por Lisiane, encerram o menu com lirismo.
As Camélias, servida numa cumbuca em formato de flor, apresenta uma granita de frutas vermelhas com pêssego e mangaba: “Muito brasileiro não conhece a mangaba, e ela é uma fruta muito nossa e muito resistente, que sobrevive à seca”.
Já a Jabuticabeira, com sorvetes de jabuticaba, uva e iogurte, é uma homenagem ao pai e às feiras de Amargosa. “Me lembro de comer jabuticaba como se fosse pipoca”, conta. O doce é coberto por uma tuille de batata-doce roxa, típica da região, e pó de uva.
Um menu que celebra ancestralidade, técnica e território
Para os dois, o Recôncavo simboliza um ciclo que se completa. O menu revisita as origens do casal, mas também reafirma a razão de existir do restaurante: cozinhar como forma de preservar histórias. Fabrício define esse processo como uma tentativa constante de valorização. “A nossa missão é não perder conexão, mesmo tendo um empratamento contemporâneo”, diz.
“É uma forma de valorizar o ingrediente e mostrar que ele não está esquecido.” Lisiane acrescenta que o que move o restaurante é o vínculo com as pessoas e com a cultura que as forma. “A gente foi entendendo que gastronomia é sobre vidas, sobre famílias que estão por trás desses ingredientes”, reflete. “O Recôncavo tem uma parte muito cultural, uma história do que a Bahia é: de resiliência e resistência”, finaliza o companheiro.
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