No Virado SP, a diversidade de São Paulo se transforma em pratos saborosos
Restaurante no centro imprime a miscigenação da capital em ótimos comes e bebes assinados pelo chef Benê Souza e pela bartender Ingrid Shindo
No centro de São Paulo, o Virado imprime a miscigenação da capital paulista em ótimos comes e bebes assinados pelo chef Benê Souza e pela bartender Ingrid Shindo. Tudo em um espaço vintage que é um charme só, no lobby do Hotel San Raphael
Se existe uma certeza ao passar pela porta do Virado SP, restaurante no centro da cidade, é a de ser conquistado. E isso vai acontecer pelo paladar, com os pratos frescos que ali são servidos, ou pela simpatia de Benê Souza — ou por ambos, é bem possível.
Com ar leve e sempre circulando pelo salão distribuindo sorrisos, o jovem chef de apenas 26 anos é o antagonista da imagem de cozinheiro durão reforçada pelos realities shows gastronômicos.
Durante nossa conversa, fazia questão, de tempos em tempos, de reafirmar a gratidão pelas pessoas que passaram por seu caminho e colaboraram, de diferentes formas, para que ele estivesse no posto de hoje, gerenciando a cozinha de um espaço tão icônico da capital paulista. A ajuda veio daqueles que acreditaram no seu talento, e certamente conseguiram enxergar a sua paixão transbordante pela cozinha.
Nascido em Sumaré, município localizado na Região Metropolitana de Campinas, Benê conta que foi ali que passou um dos piores anos de sua vida, aos 16 anos. Criado por uma família sem muitos recursos financeiros, mas que acreditava no poder dos estudos para ter a vida transformada, ele foi incentivado pelo pai a estudar engenharia mecânica.
Mas, apesar de se dedicar ao curso, já sabia que não era aquilo que gostaria de fazer. “Nunca tive projeção de vida, não tinha sonhos. Meu pai era músico, mas me incentivava a ser mecânico pela ideia de que aquilo poderia me sustentar. Eu fui muito bem no curso técnico, porque era bom em contas, mas achava tudo horroroso. E a solidão de não saber o que fazer me fez viver o pior momento da minha vida”, relembra o chef.
Apesar de já saber bem o que não queria, continuava sentindo-se perdido — e aflito por ainda não ter conseguido sua independência financeira ao finalizar o ensino médio. Certo dia, um amigo perguntou quais eram suas habilidades. E, apesar de não acreditar muito que isso pudesse ser uma profissão, Benê relatou a paixão por cozinhar.
“Eu fazia receitas da Ana Maria Braga, tipo costela na panela de pressão — a glamourização era o bacon fincado nela, sabe? (risos). Era isso que eu sabia fazer e que impressionava minha família, nunca teve nada demais.” Inspirado pela conversa, decidiu pesquisar vídeos de receitas no YouTube e ali se encantou pelo mundo da alta gastronomia.
O jovem ficou fascinado ao descobrir que existiam chefs-celebridade, como Alex Atala, e se encantou pelas técnicas meticulosas. Mergulhou nos estudos em busca de uma oportunidade, mas, apesar de conquistar algumas opções de bolsas de estudo, o dinheiro não era suficiente para arcar com a moradia em outra cidade. Assim, o jeito foi fazer um curso básico próximo de casa e tentar encontrar um emprego na área.
“Eu não tinha nada e a gastronomia transformou minha vida de maneira muito generosa. Quero proporcionar isso a outras pessoas”
Benê Souza, chef de cozinha
A partir daí, a jornada de Benê se resume em milhares de cebolas cortadas em brunoise, centenas de horas extras na cozinha, pouco descanso e muita dedicação. Seu primeiro estágio em São Paulo foi na cozinha do Maní, onde aprendeu tudo sobre a excelência necessária para fazer parte da brigada de um restaurante premiado. Após cinco anos na casa de Helena Rizzo, partiu para novos desafios no Taraz, restaurante do chef Felipe Bronze no Hotel Rosewood.
No Virado, inaugurado em janeiro deste ano, veio a oportunidade de chefiar sua primeira equipe, além de criar seu primeiro cardápio. Exigente consigo mesmo, o chef fez e refez o menu incontáveis vezes até colocar os pratos em prática.
Hoje, as opções são formadas por criações que refletem sua leveza, dando protagonismo a vegetais — caso das beterrabas servidas com hortelã, pistache, alho-poró, iogurte e pimenta jalapeño.
Há também espaço para clássicos bem feitos, como o galeto, que é servido com batatas macias e cebolas assadas. Entre as sobremesas, o chef entrega preparos com dulçor equilibrado, a exemplo do pudim com coalhada e sumagre (tempero usado no Oriente Médio que traz acidez e picância).
“Não acho romântico ficar na cozinha por 16 horas, mas gosto de estar com a galera, de dar a oportunidade para uma pessoa que não a tinha. Porque foi o que aconteceu comigo, eu não tinha nada e a gastronomia transformou minha vida de uma maneira muito generosa. Quero, com minha carreira, proporcionar isso para outras pessoas.”
HOTEL SAN RAPHAEL: UM ÍCONE DE SÃO PAULO
Inaugurado em 25 de janeiro, aniversário da cidade, o Virado fica instalado no lobby do Hotel San Raphael, estabelecimento que funciona desde a década de 1970 e se mistura à história de São Paulo. Fundado por Raphael Jafet, recebe, ainda hoje, milhares de hóspedes todos os meses.
Nos tempos áureos do centro da cidade, hospedaram-se por lá nomes como Édith Piaf, Hebe Camargo, Roberto e Erasmo Carlos. Muito dessa história pode, inclusive, ser apreciada nas paredes do Virado, que tem o projeto assinado pelo escritório Zedy Arquitetura e traz referências das décadas passadas: com livros, retratos de família e maletas da época.
Além da gastronomia, o balcão é um dos espaços mais convidativos do restaurante para apreciar um drinque — fica “virado” para o Largo do Arouche. Quem comanda a coquetelaria da casa é Ingrid Shindo, chefe de bar, que se inspirou na miscigenação e diversidade do povo que compõe a cidade para suas criações.
A mixologista trouxe para a carta pitadas libanesas, em referência à ascendência dos donos do hotel: damasco, uva, água de flor de laranjeira, água de rosas e até mesmo áraque complementam suas receitas.
“Dizem que chefe de bar que não bebe não passa confiança. Porém, estou aqui para contrariar as estatísticas”
Ingrid Shindo, mixologista
“Trouxe, é claro, um pouco do Brasil, com cajuína e cachaça. Há também referências ao continente africano, com cordial de especiarias. Quis trazer ingredientes de diversas culturas, aplicando nas criações dos coquetéis autorais”, explica.
Referência na área, Ingrid atua na coquetelaria há dez anos e busca imprimir seu olhar otimista nos drinques. “Comecei quando havia poucas mulheres na área, dava pra contar nos dedos. Tive muitos problemas com meu pai também, em frente ao alcoolismo, e decidi ressignificar algo que me feria”, conta a bartender.
Assim, fez um curso e deu novo sentido a algo que sempre foi negativo em sua vida. “Eu não consumo bebida alcoólica, mas descobri que tenho um dom. Decidi insistir e deu muito certo. Dizem que chefe de bar que não bebe não passa confiança, né? Porém, estou aqui para contrariar as estatísticas.” Só nos cabe concordar.
CRÉDITOS DE EQUIPE
Texto: Marina Marques
Fotos: Bruno Geraldi
Edição de arte: Catarina Moura