“Já me acostumei. As pessoas reagem a atos revolucionários”, diz Bela Gil
Na missão de melhorar a alimentação do brasileiro, a chef lança livro sobre comida saudável com dicas naturais para cuidados de beleza e com a casa
Parece improvável que uma chef de cozinha natural seja uma figura polêmica, mas a internet consegue transformar cada ato de Bela Gil em uma discussão com threads infinitas no Twitter, memes que rodam as redes e até algumas sátiras.
Bela não se incomoda mais, aprendeu a lidar nos tantos anos como figura pública. A verdade é que se esse alvoroço leva as pessoas a repensar hábitos alimentares e crenças, sua função está cumprida. Isso porque a baiana de 32 anos não quer apenas fazer comida boa e saudável, mas transmitir conhecimento para que outras pessoas façam escolhas conscientes.
Faz parte dessa missão seu lançamento mais recente, Simplesmente Bela (Sextante), o que parece ser um guia do estilo de vida de Bela – mas sem ser definitivo, claro, já que estamos todos em constante mudança e evolução, como ela mesma pontua.
Bela havia escrito os capítulos sobre o poder dos alimentos – na mesa, no armário de cuidados de saúde e beleza, para limpeza – antes da pandemia, mas parece se encaixar perfeitamente ao momento. Nos meses que ficamos em casa, nos deparamos com diversas questões que nunca tínhamos parado para pensar, refletimos sobre nosso estilo de vida.
Bela fez o mesmo, a vida dela também teve transformações incríveis. Conseguiu convencer a família a trocar o campinho de futebol da casa de férias por uma agrofloresta, que agora começa a dar frutos.
Estamos, desde o começo da pandemia, falando sobre alimentação, origem dos alimentos e a relação entre essa indústria e o surgimentos de epidemias. Ao mesmo tempo, temos no horizonte uma crise com escassez de alimentos. No nosso país tão desigual, como promover uma alimentação saudável e justa com o planeta?
Existem muitos Brasis e às vezes nos esquecemos disso. Quando eu falo sobre alimentação, é difícil ter em mente um único público, então essa se torna a pergunta de ouro. A minha luta hoje é para dar a todos a oportunidade de escolher o que comer.
Se você sabe que seu consumo influencia no meio ambiente, na saúde do agricultor, na sua saúde, quais os impactos sócio-ambientais, nutricionais, culturais do que está no seu prato, e você quer mudar isso, você precisa poder saber escolher.
Essa não é a realidade da maioria da população brasileira. As pessoas são controladas pelo nosso sistema alimentar, que dita o que elas vão colocar na mesa e quando. Nem arroz estão podendo comprar mais. Conhecimento é o ponto de partida, e ele vai levar à ação. Acima de tudo, precisamos de políticas públicas, porque o problema alimentar do nosso país é estrutural.
Além disso, precisamos falar de consumo de proteína animal. Ele é excessivo, principalmente no ocidente, e faz mal para o planeta. Não estou dizendo que todo mundo precisa virar vegetariano, mas a redução é necessária. A carne precisa deixar de ser o ingrediente principal.
Acho que precisa ser analisado nutricionalmente. Crianças mais pobres, desnutridas, com pouco acesso não vão poder escolher se tornar veganas amanhã. Mas é uma arrogância você ter muito dinheiro, conhecimento, consciência e fazer festa de aniversário na churrascaria.
Você oferece no livro muitas receitas que usa em casa, com seus filhos. Tem quem questione essas receitas caseiras por não passarem por um processo de qualidade, por não serem testadas. Como você garante a segurança do que ensina?
Tudo que está no livro é seguro pelo fato de ser comestível ou de vir de produtos comestíveis. Esse questionamento é uma das desculpas que as pessoas encontram, assim como falta de tempo ou de acesso e dinheiro para fazer algumas mudanças.
Eu sei que é comum ter resistência quando o status quo é questionado. Fazer a própria pasta de dente é um pequeno ato de rebeldia. E vão querer massacrar, dizer o contrário. Mas são coisas tradicionais, usadas por muitas gerações anteriores à nossa. Não tem comprovação científica, mas tem experiência de uso. Até a medicina tradicional está cada vez mais de mãos dadas com os métodos alternativos.
Para você, quais reflexões a pandemia gerou?
A parte mais perturbadora, para mim, foi a social. Eu sempre fui muito introvertida, mas isso mudou. Gosto de receber as pessoas em casa, sou acolhedora. Meus amigos não precisam ligar avisando que vão almoçar comigo, basta tocar a campainha e vão receber carinho, afeto e comida.
Tive mais oportunidades com a família. Nos juntamos para ficar isolados na casa de férias que temos. Transformamos o campo de futebol em agrofloresta. Agora está apenas começando, mas vai dar muita comida. Foi uma experiência muito boa para mim, que gosto de plantar, da terra, da comida.
Um sistema desses na família é transformador, explicar como funciona. E faz a gente dar valor para o que come, porque entende o trabalho que dá, valoriza o agricultor que não parou nessa pandemia senão o Brasil não ia ter comida. Sugeri na mesa de jantar e meu pai achou legal, mas disse que tinha que perguntar para o Bento, meu sobrinho que é viciado em futebol – assim como meu pai, meus irmãos. Fizemos um campinho dez vezes menor, num canto, para ele.
Muita gente tem a impressão que mudanças por um estilo de vida mais sustentável precisam ser extremas e isso assusta. Você conta no livro de uma transição mais gradual. Quais os passos que recomenda a quem quiser tentar mudar?
Alimentação é uma questão central na mudança de hábito. No meu caso, comecei a praticar ioga e isso me trouxe curiosidade para outro tipo de comida. Quando a gente muda um comportamento, isso impacta nossa alimentação.
O que eu digo para quem quer tentar outra vida mas tem medo é: tente comer o mais natural possível, comidas mais próximas da terra. Reduza proteína animal, sal e açúcar. Evite o que for muito processado. A conexão com o que vem da terra, consequentemente com ela, faz você buscar mais a natureza em tudo que faz.
Com a alimentação se tornando um foco central, você muda em vários sentidos. Daí em diante, a transformação é gradual e certa. Você vai querer uma pasta de dente com menos química, produtos de limpeza mais naturais.
Você é, há muitos anos, usuária das Comunidades que Sustentam a Agricultura, ou CSA. Como descobriu isso? Como alguém pode passar a usar esse serviço?
Eu descobri morando em Nova York. Tinha uma feirinha perto da minha casa e era de um CSA. Você se torna sócio de um produtor, paga um semestre ou ano e recebe o que ele produz. É tipo um clube de assinaturas.
Depois disso, você fica sem saber comprar comida. Para o produtor é bom porque a comida dele já tem um comprador, um destino, então nada estraga e ele tem a renda garantida. E a gente tem um alimento de qualidade entregue em casa.
É comum você se tornar alvo de críticas quando lança algo ou dá uma declaração. Como encara essa questão?
Eu super me acostumei. É aquilo que falei: o fato de mostrar alternativas, fazer alguma coisa minimamente revolucionária faz com que as pessoas reajam. Você está negando a normalidade imposta e o ser humano tem medo desse novo.
Somos criativos e buscamos novidades, mas dentro do sistema é difícil furar a bolha. Ao longo do tempo, fui refletindo e eu tenho certeza que isso de chegar falando é potencializado por ser mulher negra. Qual é o problema da melancia grelhada? Sempre tem gente fazendo, me marcando em posts, mandando vídeos.
Não seria a mesma reação se outro chef, um homem branco, fizesse. Se a Kardashian come a placenta ok, mas comigo vira loucura. A minha palavra – e a da mulher negra – é mais questionada do que a das outras pessoas.
O livro está disponível da Amazon: Compre aqui
*A compra feita por meio dos links nesta página podem gerar uma parcela de retorno para CLAUDIA.
O que falta para termos mais mulheres eleitas na política