A insegurança nossa de todo dia
Outro dia, na cozinha de casa, enquanto preparava o jantar, conversei com estes medos do passado que me assombram como fantasmas no presente
Sim, muitas vezes fico insegura. Adoraria poder escrever o oposto, mas a real é esta: há momentos em que me sinto tão frágil como uma menina de 3, 4 anos.
Sabe aqueles medos de infância: que a mãe não volte do trabalho, que o seu pai nunca te aprove realmente, que você seja excluída da brincadeira, que alguém roube aquilo que é mais sagrado para você?! A sensação que tenho é que estas nuvens que encobriam meu céu quando eu era pequena, às vezes voltam a nublar meu dia a dia.
Andei pensando bastante nisso nos últimos tempos. E, outro dia, na cozinha de casa, enquanto preparava o jantar, conversei com estes medos do passado que me assombram como fantasmas no presente. Quero compartilhar com vocês o que eu percebi com o diálogo (aproveitei que não tinha ninguém em casa e falei com meus medos em voz alta mesmo): Em primeiro lugar, senti que estes fantasmas, quando não falo com eles, trazem uma sensação de aperto no meu peito, como se o ar estivesse mais rarefeito e a respiração mais curta. Quando decidi puxar papo com eles, a respiração se acalmou. Foi como se acendesse a luz e percebesse que aquilo que eu achava que me perseguia fosse apenas a sombra de um galho na janela.
Em segundo lugar, senti que, de tempos em tempos, é preciso fazer uma atualização de alguns dos meus softwares. Explico: não sou mais a menina de 3 ou 4 anos, mas às vezes me sinto apegada às suas inseguranças sem me dar conta disso. Com a conversa, pude atualizar o software, relembrar de tantos outros momentos em que já fui pega pelas mesmas inseguranças e consegui superá-las. Atualizar o software é como olhar com uma lente mais límpida para a nossa caixa de ferramentas, reconhecendo o poder daquilo que já construímos e aprendemos ao longo da nossa jornada.
Em terceiro lugar, senti um murchar das inseguranças, como uma bexiga que a gente solta o bico e o ar escapa. O balão não sumiu, mas já não ocupava mais tanto espaço dentro de mim. A minha respiração voltou a se tranquilizar.
Tudo isso aconteceu também porque me dei conta de que naquele momento – ali na cozinha – nenhuma das inseguranças realmente estava presente. Claro, elas existiam dentro da minha cabeça, mas como hipóteses, como promessas infundadas de medos do passado. Atualizar o software também é deixar para trás estas hipóteses e trocá-las por novas, que façam mais sentido.
Sabe o chat GPT, que aprende com cada usuário? Eu confesso que olho com uma série de ressalvas para a inteligência artificial, mas a gente não pode negar que a IA está em constante renovação, enquanto isso, nós, muitas vezes, ficamos presas nas nossas antigas versões, nos nossos antigos fantasmas e, o pior, tem gente que nem sabe quais são eles, apenas sente a sua presença assustadora numa experiência desagradável de convívio diário com suas inseguranças.
No livro Atlas do Coração, Brené Brown diz que mesmo pessoas com boa autoestima podem ser bem inseguras, especialmente se nutrem um senso de autocrítica e de perfeccionismo, e completa dizendo que estudos mostram que para construir segurança interna é preciso aceitar as próprias fraquezas e não julgar a si mesma.
Sem dúvida isso é relevante, mas eu acrescentaria que também é importante reconhecer-se na sua jornada, no seu lugar, na sua caminhada. Olhar pelo retrovisor para ver quão longa já é sua caminhada e sentir quais foram os passos em que você teve certeza que estava no seu lugar.
O nosso lugar, nosso lugar verdadeiro, é sempre um lugar confortável, coerente, acolhedor. Um lugar cheio de paz em que o caos do mundo externo e da nossa própria mente inquieta não têm espaço para entrar.
Antes de acabar, quero contar um trecho de uma entrevista que ouvi no podcast Jornada da Calma, quando Helena Galante entrevistou a apresentadora Cris Guterres. As duas se encontraram no TEDx de Blumenau: Helena como palestrante, Cris como mestre de cerimônias. Para Helena, Cris parecia super segura no palco, mas depois confessou que estava bem desconfortável com o vestido que havia escolhido para a ocasião. Cris disse que depois de se olhar no espelho no camarim, teria trocado de roupa se tivesse outro figurino, mas, como não tinha, subiu ao palco com o vestido azul colado no corpo. O bonito da história é que, depois, a própria Cris reconheceu que por estar no palco – algo que ela sente como seu lugar – esqueceu da insegurança e desfrutou do dia com grande entusiasmo e alegria. Foi se lembrar do vestido apenas quando se viu novamente no espelho, já em casa.
Como é bom esquecer destes espelhos que nos lembram das nossas inseguranças e nos deixar guiar pela visão interna do brilho do nosso lugar!