Toda mãe pode ser cronista
Minha filha mais nova não consegue lidar com o fato de, eventualmente, eu trancar a porta do banheiro
Estou trancada no banheiro. Tomei café, escrevi minhas páginas matinais e, em seguida, tive um papo cabeça sobre criação de filhos com meu companheiro. Separei duas brigas das crianças. Cortei mamão e servi com granola, mel e chia para uma delas. A outra está chateada, porque “nessa casa só tem banana, mamão e melão”. Tive uma DR comigo mesma sobre privilégios e sobre como ensinar gratidão aos filhos. Dicas?
Cheguei ao banheiro, tranquei a porta. Ufa! Meu momento. Número 1, número 2, esvaziar o coletor. Vou reservar meu sangue para plantar a minha Lua – outro dia eu explico. Estou muito conectada com o sagrado feminino. Uau!
Entro no Instagram e dou uma olhada nos stories. Uma amiga postou a foto de um churrasco vegetariano de dar inveja à Bela Gil. Tinha até tomates na grelha. Passo para o lado. Ah! É aniversário da Carol, uma menina que estudou comigo no colégio. Ela teve um bebê. Mandei um coração e palminhas. Pulei o anúncio de um aplicativo de meditação.
Comecei a assistir um vídeo compartilhado por uma amiga. É com uma atriz lendo uma crônica do Gregório Duvivier sobre ócio criativo. Começo a relaxar. Um suspiro, um sorriso. Caramba, uma risadinha. Esqueci da lista de tarefas que me espera, e já faz 2 minutos e dezessete, dezoito segundos.
Toc, toc, toc! Minha filha mais nova não consegue lidar com o fato de, eventualmente, eu trancar a porta do banheiro. Ela pergunta:
— Mãe, você sabe o que é uma zumbelha?
Parei de ver o vídeo e respondi:
— Não, filha. O que é?
— É um tipo de abelha zumbi que usa o mel para transformar as crianças em abelhas. Cuidado, viu?
Ri alto.
— Ah, tá bom! Vou tomar cuidado.
Penso que tenho meu próprio Gregório Duvivier em casa.
Enquanto registro essa história no bloco de notas do celular, já bateram exatamente mais sete vezes na mesma porta. Os moradores desta residência precisavam falar algo muito importante. Não poderiam esperar.
A caçula coloca um desenho debaixo da porta. Disse que não sai dali enquanto eu não olhar. Agora botou as pontas dos dedinhos pelo vão. Imploro para que me espere na sala. Respiro fundo.
Em instantes, ela bate na porta de novo:
— Quanto mais vai demorar?
Fico imaginando se Gregório também escreve nessas condições.
Travei as atividades em andamento, sequer terminei o vídeo intelectual/divertido. Tenho, ao menos, a crônica do dia.