À espera da Festa
Ser virgem de Flip é algo que parece sem sentido ou explicação na minha vida. Me sinto meio criança sem parque e sem balanço
Há anos me prometo que na próxima eu vou. Vou, de qualquer jeito! Então, juro que planejarei a viagem com a devida antecedência e que, se assim o fizer, vai rolar. De 2023 não passa. Não haverá agenda, fim de ano, férias, falta de grana, nascimento, morte ou Copa do Mundo que me impeçam de ir à Festa, de ir à Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).
Ser virgem de Flip é algo que parece sem sentido ou explicação na minha vida, e posso dizer até na minha idade — a própria contradição. Me sinto meio criança sem parque e sem balanço. Feito um barco, que nunca tomou banho de mar. Lançado, suspenso, sem navegação nem porto. Como se faltasse ao meu corpo a experiência natural da congregação, num descumprimento do destino.
O curioso é que, quando pequena, fui tantas vezes à Paraty que perdi a conta. Em viagens com meus pais e minha tia, hospedados sempre no mesmo local. Garanto que posso caminhar pelo centro histórico sem me perder, de tão vivas as memórias dos lugares que frequentamos.
Lembranças e fotografias do carnaval de rua, vestindo fantasias de papel crepom; chuvas de verão que alagavam as vielas; passeios de escuna pelas águas verdes até a Ilha do Amyr Klink. Muito filé de pescada com molho de camarão e bananada no café da manhã. Houve até mesmo uma encenação de “O Pequeno Príncipe” – estilo monólogo ou, melhor dizendo, estilo atriz-mirim-interpretando-todos-os-personagens e exibindo sua versatilidade. Um dia conto essa pérola, que vale uma crônica só pra ela.
Vendo as postagens e programações da Flip, a sensação é de que TODAS as pessoas legais do mundo estarão lá — ou quase todas, entre as que conheço e as que gostaria de conhecer. Fator também ratificado pelo fenômeno do viés de confirmação. Pra onde eu olho, vejo mesas, lançamentos e painéis. Há quem chame de algoritmo.
As melhores pessoas vão ouvir Camila Sosa Villada e cruzar com Carlas, Marianas, Natalias, Giovanas, Andreas e Alines, a circular com sacolinhas de livros impressos em papel pólen, mergulhados na realização idílica de quem um dia também sonhou estar lá. Sem contar a experiência de respirarem o mesmo ar que Annie Ernaux — autora que levou a escrita em primeira pessoa de uma mulher ao Nobel de Literatura.
Se você estiver por lá, no arrepio da arte, peço um favor. Mande meu abraço pras portas e janelas dos casarões, pro cheiro de maresia, pra falta de sombra ao meio dia, pro vendedor de cocadas. Cochiche nos ouvidos das ruas de pedras as histórias ainda não contadas, as palavras não ditas, a poesia do silêncio. Conte aos contos velados as prosas caladas, e aos livros não escritos prometa visita. Revele, como segredo humano, o ditar sem tempo do tempo do dizer – sem prazo.
Mas se, como eu, não for à Paraty, me chame de canto pra gente começar agora a fazer planos para a próxima edição. Dizem que o melhor da Festa é esperar por ela. Assim, portanto, vivo a celebrar.