O luto após o rompimento de uma relação
Terminar uma relação pode nos fazer mergulhar em uma intensa fase de luto (e é essencial vivenciar este momento em sua totalidade)
Em 2020, me separei do meu marido depois de 22 anos de relação. Como já disse anteriormente nesta coluna, o divórcio não foi fácil para mim. Senti profundamente a dor da perda – de não ter mais a estrutura de família que construímos juntos e de imaginar que teríamos que abrir mão de uma série de coisas, incluindo momentos do dia a dia, sonhos e promessas.
Além disso, me preocupei com os meus filhos, que poderiam ficar emocionalmente abalados com o rompimento e teriam que se adaptar à rotina de ter pais separados. Na prática, o fim de uma relação é considerado uma espécie de luto por especialistas. A pessoa sofre, sente falta, tem recaídas…
De acordo com Jo Hemmings, psicóloga comportamental britânica e autora de cinco livros sobre relacionamentos, neurologicamente o sentimento proporcionado por uma separação é semelhante ao do sofrimento físico. “Em termos cerebrais, as áreas responsáveis pela dor física ‘acendem’ da mesma forma como se você estivesse realmente sentindo dor. Também desencadeia sintomas de abstinência muito semelhantes aos observados em viciados [em drogas]”, diz Hemmings, em entrevista à BBC.
E essa dor pode oscilar de tempos em tempos: ser maior em alguns momentos e menor em outros, como se a pessoa estivesse em uma balança de emoções. Cristiane Assumpção, psicóloga e especialista em luto (CRP 08-25978), explica que os especialistas na área trabalham com a ideia de luto como processo dual, ou seja, com fases voltadas para perda e fases voltadas para reparação.
“No caso de um divórcio, por exemplo, a dor pode voltar quando chega o final do ano e a família pode não fazer a ceia com todos juntos, como acontecia antes da separação. Nesse momento, a pessoa está sentindo a perda. Já quando esse indivíduo segue a vida e aceita que já não amava mais o outro, que não seria um relacionamento saudável se continuassem juntos, ele está dentro do processo de reparação.”
As mesmas oscilações, de acordo com Assumpção, podem acontecer também com os filhos do casal. Ora eles podem ficar no estado de perda (sentindo tristeza por não ver mais uma das partes diariamente, por ter que mudar a rotina devido ao rompimento e por não ter mais os pais juntos) e ora podem operar em uma lógica de reparação (fica feliz porque agora têm duas casas, ganha dois presentes no Natal…).
“É normal oscilar entre dois estados e ter momentos em que a tristeza volta com tudo”, diz a especialista. “O importante é que os envolvidos com o rompimento caminhem em direção à restauração. Eles precisam se fortalecer e não sentir o peso que sentiam no início do luto.”
Fases do luto
Assumpção explica que esse conceito de luto como processo dual é o mais utilizado por especialistas em luto da atualidade. Outras abordagens, como a das “fases do luto”, são consideradas desatualizadas e não são mais utilizadas por esses profissionais.
A ideia de “fases do luto” remete a estágios que a pessoa passa quando perde algo ou alguém. O conceito, desenvolvido pela psiquiatra suíço-americana Elisabeth Kübler-Ross, envolve cinco etapas. A primeira, negação e isolamento. A segunda, raiva. A terceira, barganha. A quarta, depressão. A quinta, aceitação.
“A abordagem das fases é muito dolorosa, porque a pessoa fica tentando se encaixar em uma delas (“agora estou na barganha” ou “agora estou na negação”) e não funciona dessa forma”, afirma Assumpção. “O luto vai ter oscilações de estado sempre”.
A ideia de que as fases do luto seriam um “passo a passo” de como enfrentar o luto é rebatida também pelo filho da criadora do conceito, Ken Ross. Ele diz que a abordagem desenvolvida pela mãe foi distorcida ao longo do tempo e que ela nunca sugeriu que as fases fossem seguidas em ordem. “Não é um tipo de receita ou escada para vencer a dor. Ela, inclusive, não ligava se as pessoas quisessem usar outras teorias ou modelos relacionados a perdas. Ela só queria começar uma conversa sobre o assunto.”
Julgamento dos outros
E como lidar quando os outros não validam a dor causada por um término? Como não se deixar abalar pelos que acreditam que o sofrimento decorrente de um rompimento não deveria ser tão intenso?
Assumpção diz que esse processo é chamado de luto não reconhecido, ou seja, quando a sociedade ou a própria pessoa não reconhece ou não valida a dor da perda. “O sofrimento causado pelo término de um relacionamento, em alguns casos, pode ser semelhante ao da morte de alguém. Só a pessoa sabe o tamanho da sua dor”, diz.
“É algo que pode ser muito impactante, e os outros não validam porque não têm essa informação, não sabem o quanto um indivíduo é capaz de sofrer com um término. Acho que quem trabalha com esse assunto precisa disseminar mais informações sobre isso, porque as pessoas, muitas vezes, não sabem muito sobre essa questão.”
Luto no dia a dia
E depois do rompimento? O que as pessoas devem fazer para seguir em frente? Assumpção sugere que aqueles que estão envolvidos com o luto do término (as duas partes da relação e os filhos, por exemplo) procurem se cuidar e buscar autoconhecimento – descobrir os seus valores, o que é importante para você, o que quer para a sua vida…
Outra estratégia é transformar o luto em arte – criar músicas, textos, livros, quadros, entre outros. Assim, a pessoa pode canalizar a dor em algo criativo, o que a ajudará a atravessar o momento de sofrimento.
Nesse sentido, uma história famosa de perda que se transformou em manifestação artística é o Taj Mahal, palácio localizado na Índia. Apaixonado por sua esposa, Aryumand Begam, o imperador mongol Shan Jahan ficou muito abalado quando ela morreu. Então, como forma de homenageá-la, criou o monumento, que hoje é uma das sete maravilhas do mundo.
“É preciso lidar com o luto. Se as pessoas não conseguem lidar com os seus lutos, aquilo vira ressentimento”, diz Assumpção. “Uma pessoa ressentida não consegue ver novas oportunidades da vida. Ela tem que se abrir para coisas novas e boas da vida. Precisamos entender que tanto as experiências negativas como as positivas acabam sendo repertório.”
Com reportagem de Joanna Cataldo.