Moda na TV: as séries sobre os principais estilistas que estreiam em 2024
Séries dedicadas a alguns dos principais estilistas do século 20 estreiam neste ano com uma característica em comum: humanizar figuras icônicas da moda
Um deles serviu o exército francês e adorava tarô. O outro era alemão, cujo pai enriqueceu graças à fábrica de leite condensado estabelecida durante a Segunda Guerra Mundial e, sempre que possível, tocava música clássica no piano da mãe. Já o terceiro cresceu em uma cidade pesqueira na Espanha e desenhou o seu primeiro vestido aos 12 anos.
À primeira vista, são histórias de pessoas comuns. No entanto, por décadas, a moda não revelou a fundo e deu o devido valor à intimidade de nomes como Christian Dior, Karl Lagerfeld e Cristóbal Balenciaga, respectivamente. Agora, três novas produções prometem trazer um pouco do mundo íntimo desses ícones da moda e aproximá-los de nós, meros mortais.
Há décadas, suas criações vêm chamando mais atenção do que os fatos biográficos que os cercam. Não à toa, a falta de conexão com a realidade fez com que o público se distanciasse dos grandes nomes da indústria.
Como consequência, o mercado passou a ser encarado como “frívolo” e “fútil”, resumindo a moda apenas ao singelo produto final da vitrine. O que poucos compreendem é que, por trás de cada grande maison de luxo, há a narrativa inspiradora de um indivíduo de carne e osso.
Há alguns anos, estúdios e canais de assinatura vêm se interessando pela vida de figuras fashion — Gabrielle Chanel e Yves Saint Laurent, por exemplo, já ganharam longas que os retrataram por trás das cortinas.
Agora, neste primeiro semestre de 2024, chegou a vez dos fundadores da Dior, de Balenciaga e de Karl Lagerfeld, o diretor criativo que comandou a italiana Fendi por mais de cinquenta anos e a Chanel desde 1983, ganharem seriados próprios.
O primeiro é Cristóbal Balenciaga que, em janeiro, tem sua biografia contada no Star+ em uma série que leva seu nome. O costureiro, falecido em 1972, é retratado com sensibilidade, resgatando particularidades da infância simples no litoral espanhol até a construção da sua etiqueta em solo parisiense. Na produção, vemos que ele, tão conhecido por ser obcecado pela perfeição, fazia esforços para ser o “diferentão” do momento.
Já a coleção de estreia de Christian Dior, The New Look, apresentada em 1947, intitula a história dedicada ao estilista — e contextualiza perfeitamente o sentimento de libertação que tomou a Europa do pós-guerra. A série, que será lançada pela Apple TV+ em fevereiro, reúne fatos curiosos sobre a construção da sua maison ao longo da ocupação nazista em Paris.
Entre os pontos de destaque estão os acontecimentos que precederam a fundação de sua marca homônima, em 1946. Monsieur Dior trabalhou com Lucien Lelong, costureiro que foi um dos seus maiores mestres, e teve sua amada irmã Catherine (a quem ele dedicou a criação do perfume Miss Dior) presa e torturada pelos alemães no campo de concentração feminino Ravensbrück, localizado no norte de Berlim.
A histórica rivalidade com Coco Chanel também é uma das ênfases da série — e vai além do embate entre estilistas em um cenário tão disputado para conquistar o topo da moda francesa. Por último, temos Karl Lagerfeld, o virginiano nascido em Hamburgo que, para atingir o alto escalão fashion francês, tirou a letra “T” do seu sobrenome de origem nórdica (era “Lagerfeldt”).
O alemão se aproximou da aristocracia parisiense para ganhar influência e era conhecido por ser o “amigo com carro” de Yves Saint Laurent. Ao longo dos seis episódios, Kaiser Karl, da Disney +, trará um roteiro que revela o desdobramento dessa vida polvorosa e atraente, com foco nos grandes acontecimentos da década de 1970 — da ascensão fashion às paixões avassaladoras do estilista, como o caso de amor intenso que teve com Jacques de Bascher.
“Mas por que celebrar tais estreias?”, me pergunto. Respondo com um exemplo da minha pré-adolescência. Até os meus doze anos, Chanel era apenas a marca do perfume (o No5) e dos sapatos bicolores que a minha mãe usava. Apesar de não simpatizar com a fragrância (mas desejar loucamente aquele par de scarpins), eu não conhecia a história daquelas criações.
Ambas foram resultado da vida da pessoa chamada Gabrielle “Coco” Chanel. O frasco da fragrância centenária foi inspirado na garrafa de uísque do grande amor da sua vida, Arthur “Boy” Capel. Aos poucos, fui entendendo essa conexão. A partir do momento que compreendi, folheando as páginas de uma revista de moda, descobri porque o corte Chanel se chama assim — e quem foi essa mulher disruptiva que conseguiu traduzir sua rebeldia para outras mulheres.
Foi assim que a moda me conquistou. Não pelas efêmeras tendências, mas pelas formas como os produtos refletem a personalidade de seus criadores. O New Look, de Christian Dior, não quis devolver o desconforto para o guarda-roupa feminino no pós-guerra.
Saber que Monsieur Dior foi um homem sonhador que, nos sombrios anos da reconstrução de Paris, enxergou nas silhuetas delicadas uma forma de fazer as mulheres sonharem é essencial. Assim como a sua grife, esse sonho dura até hoje.