Saudade
É difícil superar, mas nessa pandemia de óbitos, aprendi que precisamos celebrar os vivos
É dor física que destrói. É lembrança que dilacera. Como faz pra seguir em frente? Como faz pra superar? Tenho um amigo que perdeu o marido de forma inesperada. Entrou no hospital para fazer um exame e, dois dias depois, saiu morto. Sempre dizem que a vida é um instante, mas quando esse instante se faz presente, a dor é mister.
Todo o processo que se segue é um desfile de vazios, buraco negro. Tudo, absolutamente tudo, te lembra daquela pessoa. Você não quer lembrar pra não esgarçar, aí vem um cheiro (aromas são ímãs), vem um pensamento, vem qualquer coisa. Um botão que você pregou naquela calça. Um apreciar juntos aquele por do sol. Um bilhete deixado pra ele se lembrar de comprar a ração do cachorro.
E, maduros que somos, sabemos que esse dia chega. Nos preparamos com anos de análise, com anos de meditação, com oração e conversas de bar, conversas com pajés, padres, místicos, conversas com desconhecidos em metrôs e ônibus. Fora as histórias trágicas que ouvimos e lemos nos jornais, internet, bancas de jornal num desfile de horrores, sobretudo se você é carioca.
Mas precisamos seguir. Resistir à dor, reerguer nossa vida e tocar o barco (saudades do Boechat). Mas como faz isso? Tantas técnicas, tantas bulas, tantas possibilidades de bengalas, mas que – no meio do caos da saudade – parecem gravetos frágeis que não sustentam nada nem ninguém. E não vale apelar para o Frontal ou Rivotril (até vale no primeiro mês), mas depois as químicas serão a anti-matemática da vida, puxando para a dependência a pessoa que jamais tomou uma aspirina.
E nesta pandemia de óbitos, neste cortejo fúnebre da gripezinha, aprendi que precisamos celebrar os vivos. Vale Zoom, Facetime, Zap, janela ou tambor. Conexão é o verbo dos vivos. E bora celebrar o Wi-Fi, o verdadeiro Deus da humanidade.