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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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Uma mulher negra feliz é um ato revolucionário

No Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e de Tereza de Benguela, Juliana Borges traz a pluralidade da existência da mulher negra para a conversa

Por Juliana Borges
Atualizado em 25 jul 2020, 20h10 - Publicado em 25 jul 2020, 20h00

São Paulo, 25 de julho de 2020

Há tempos, eu escrevi um texto com o mesmo título desse texto. O processo era outro, mas a temática a mesma: a vida das mulheres negras. Eu tive que passar por um longo processo para compreender que eu merecia ser feliz, mesmo que minha mãe sempre tivesse buscado reafirmar meu lugar ao mundo. Ao passo que ela o fazia, o mundo dizia o contrário. Em muitos aspectos e em variadas escalas. Mas essa negação me atravessava em muitas questões. Em verdade, ainda me atravessam. O que tem mudado é minha postura em como caminho pelo cotidiano.

Ao repensar em escrever sob o mesmo título, só vislumbrei como possível fazê-lo na data de hoje: 25 de julho, Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia de Tereza de Benguela.

Dia da mulher negra latino-americana, criado em 1992, em um contexto de organização e luta das mulheres afro-latino-americanas, ao questionar um feminismo que não compreendia as dinâmicas reproduzidas e insistentes de dominação em contextos coloniais. Ao aludir à memória e às nossas ancestrais, nesse dia refletimos sobre essas lutas e projetamos o amanhã. Dia de Tereza de Benguela porque essa foi uma heroína de nossa história, apagada pela narrativa dos que definiram e recriaram uma história única. Tereza de Benguela foi uma liderança do Quilombo de Quariterê, local que abrigava negros e indígenas que resistiam à estrutura escravocrata no país. Uma das marcas da liderança da rainha Tereza era de que governava com um conselho, como que em um parlamento, em que se ouviam posições para a tomada de decisões. Morreu em luta e teve seu corpo brutalizado para impor medo aos que resistiam ao escravismo. A memória de Tereza de Benguela é celebrada como marco da resistência de milhões de mulheres negras no país. E que acho importante relembrarmos insistentemente.

Um dos ardis do racismo é um processo que divide e separa negros e negras, corrompendo a infra-política e as relações intersubjetivas. Sempre fomos diversos e diferentes e isso não é problema. O ardil decorre do fato de que nossas diferenças são hierarquizadas, construídas como se fossem intransponíveis, como se a ponta do diálogo fosse impossível. Esse tipo de ardil no sistema colonial visava impedir a construção de laços de solidariedade e coalizões para que fosse possível realizar resistência.

Na modernidade colonial, essas divisões permanecessem. A lógica de entender nossas diferenças como insuperáveis se mantém. A ideia de que o problema para ainda permanecermos em subalternidade são os próprios negros é fruto desse sistema de divisão e implantação de conflitos, já que o racismo não foi estrutura criada por pessoas negras, indígenas, asiáticas, árabes, mas pelos que precisavam afirmar superioridades para garantir superexploração. E precisamos nos opor a dinâmica das divergências como rixas políticas e adentrar a esfera das divergências positivas.

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Uma importante cabeça da política nacional me ensinou, lá pelos meus 25 anos e quando eu acreditava que a postura bélica era a mais sensata, que “a grande política varre as picuinhas”. Desde então, carrego esse aprendizado como uma preciosidade. A partir de então, do aprofundamento das leituras de intelectuais negras que, são amplas e divergem entre si, mas que não deixam de estabelecer o diálogo saudável, fui mudando minha chave. A estratégia de nos manter presas a uma imagem de controle da agressividade, como raivosas, “selvagens” e “primitivas” é racista. E, ao perceber isso, resolvi recusar essas imagens.

O desafio de recusar imagens de controle é imenso, com grandes consequências. Como afirma a intelectual Bell Hooks, ao afirmar nossa negritude somos considerados tão subversivos que a resposta sistêmica é a violência e o extermínio. Mas, em outro texto da mesma autora, há formulado a necessária reconstrução do amor. Não uma ideia romântica do amor, mas de reposicionamento diante do mundo. Em diálogo com esse pensamento, eu me remeto a produção de duas outras autoras: Audre Lorde e Brittney Cooper. Ambas, trabalharam os usos da raiva por mulheres negras. Ora, um sistema extremamente violento, só pode produzir raiva. Mas a questão que ambas chamam a atenção é para como usamos essa raiva. Eu escolhi pela raiva eloquente, pela raiva potencializadora. Já me chamaram de “gratilux” por isso – até porque, eu gosto mesmo de ver o pôr do sol e aplaudi-lo, agradecê-lo, me encher de vitamina D. Mas isso não passa de uma confusão, que eu não sei se proposital ou não, entre minha raiva eloquente e alguma passividade – sendo essa última também uma imagem de controle perigosa. Recusar o belicismo não é passividade. Tudo que se der no campo do respeito, será respondido e enfrentado no respeito. Mas, ultrapassar esse terreno não me fará me manter aberta a qualquer interação. Não se engane.

Nesse 25 de julho, acredito que uma celebração importante é pela via da reconstrução de nossas integridades como mulheres negras. Ao falar do quanto somos diversas, não estamos falando de diversidade capitalista, mas de uma integridade que nos permite completas, complexas, humanas. Ao fazermos isso, somos insurgentes. E essa insurgência pode custar caro, porque muitos não vão aceitar essa nossa recusa ao que pretendem.

Eu escolho a raiva eloquente. Eu escolho a alegria. Não uma alegria patética, mas uma alegria em que me recomponho amor, saúde mental, processos que promovam minha energia para a batalha da grande política. Porque sei que fazê-lo já é uma atitude subversiva, com alta potência revolucionaria. Ao escolher sorrir, ao escolher a mim, eu reconstruo relação de diálogo e respeito com outras, eu amplio as possibilidades de sorriso e alegria em outras como eu.

Nesse 25 de julho, eu celebro as memórias de minhas ancestrais, minhas matriarcas, sejam familiares, sejam de laços afetivos, sejam as que sequer conheço, mas nas quais também me reconheço. Escolhi ser potência de mim para que seja possível que eu potencialize outras e as lutas necessárias da grande política. Nos levantar é uma afronta, colocarmos nosso corpo negro em movimento é uma afronta, sorrir é uma afronta, fortalecer outras como eu é uma afronta. E eu resolvi afrontar. No mais profundo que isso possa significar.

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